Estamos no mês, na semana, na véspera da Parada do Orgulho LGBTQIAPN+,
e sempre me perguntei de onde vem essa palavra orgulho? Toda sexualidade em si
não é uma fraqueza? Um determinismo biológico? Mais forte não é aquele que não
tem vontades?
Sempre penso o quanto a homossexualidade me condenou, o
quanto me salvou...
Tenho uma origem privilegiada. Sou filho e irmão de artistas.
Nasci e cresci numa bolha paulistana em que a homossexualidade é (ou deveria
ser) tida como natural. A vida toda sofri muito menos preconceito do que quase qualquer
outro homossexual da minha geração. Mas não deixei de sofrer. Mesmo em colégios
alternativos, particulares, havia o bullying. Mesmo com uma mãe compreensiva,
escutei o “pode ser gay, só não pode ser afetado.” E o maior choque de
realidade que tive na vida, quanto a minha não-aceitação no mundo, foi a
eleição de um presidente declaradamente homofóbico.
Sempre penso o quanto a homossexualidade prejudicou, o
quanto beneficiou minha carreira. O meio literário não é especialmente
homofóbico – você pode ser gay... só não pode ser afetado. Vi recentemente uma mesa com o João Silvério Trevisan e pensei muito sobre isso. Meu discurso, os
olhos pintados (os chifrinhos de veado), toda minha postura mais performática
com certeza fecharam algumas portas, abriram outras. Considero o saldo mais positivo
em momentos mais positivos, mais negativo em momentos mais negativos da minha
carreira.
Mas hoje sendo um homem branco, cis, dos Jardins, vejo também
o quanto a homossexualidade me salvou... O rótulo que tenho de “maldito” vem
muito disso, não só da homossexualidade em si, mas de todas as escolhas e
caminhos a que a homossexualidade me levou. Eu poderia ter crescido como um
playboyzinho, mas foi a homossexualidade que me levou a experimentar coisas
diferentes, me relacionar com pessoas diferentes, ampliar muito meus horizontes.
A sigla LGBTQIAPN+ já está virando meio piada (e acho que
deve ser resolvida em breve), mas compreendo a intenção. Cada sexualidade é
única, é difícil se colocar numa caixinha. Eu mesmo vivi um tempo como
bissexual, porque não conseguia me encaixar na “homossexualidade oficial”; a hiper
masculinidade não me atrai em nada (não consigo entender, por exemplo, qual é o
apelo de um Henry Cavill, tenho até certo asco). Minha atração sempre foi por
meninos mais femininos, andróginos; nos últimos 4 anos, só me relacionei com
meninas trans – não tanto por um fetiche, mas por um traço geracional: os
andróginos estão todos transicionando.
Então acho que, mais do que orgulho, estamos num momento de renovar
as esperanças. O pior já passou (espero), as novas gerações já estão vindo
desbloqueadas de fábrica. Minha sobrinha de onze anos é fã de Heartstopper,
teve uma professora trans e aceita isso como natural.
Sempre gosto de lembrar de um episódio que aconteceu quando
ela tinha uns seis anos, eu estava casado há 5 com um homem, era o tio
provedor, com casa na praia, e me ocorreu perguntar à minha irmã se minha
sobrinha não estranhava. “Não, porque ela já nasceu num mundo onde isso é natural, tem os amigos dos pais casais de homens, de mulheres. Ela ainda vai
descobrir que isso é uma questão.”
Os 4 anos de governo bolsonaro devem ter ensinado isso a ela.
Mas também devem tê-la tornado uma aliada mais forte.