10/06/2023

ORGULHO



Estamos no mês, na semana, na véspera da Parada do Orgulho LGBTQIAPN+, e sempre me perguntei de onde vem essa palavra orgulho? Toda sexualidade em si não é uma fraqueza? Um determinismo biológico? Mais forte não é aquele que não tem vontades?

Sempre penso o quanto a homossexualidade me condenou, o quanto me salvou...

Tenho uma origem privilegiada. Sou filho e irmão de artistas. Nasci e cresci numa bolha paulistana em que a homossexualidade é (ou deveria ser) tida como natural. A vida toda sofri muito menos preconceito do que quase qualquer outro homossexual da minha geração. Mas não deixei de sofrer. Mesmo em colégios alternativos, particulares, havia o bullying. Mesmo com uma mãe compreensiva, escutei o “pode ser gay, só não pode ser afetado.” E o maior choque de realidade que tive na vida, quanto a minha não-aceitação no mundo, foi a eleição de um presidente declaradamente homofóbico.

Sempre penso o quanto a homossexualidade prejudicou, o quanto beneficiou minha carreira. O meio literário não é especialmente homofóbico – você pode ser gay... só não pode ser afetado. Vi recentemente uma mesa com o João Silvério Trevisan e pensei muito sobre isso. Meu discurso, os olhos pintados (os chifrinhos de veado), toda minha postura mais performática com certeza fecharam algumas portas, abriram outras. Considero o saldo mais positivo em momentos mais positivos, mais negativo em momentos mais negativos da minha carreira.

Mas hoje sendo um homem branco, cis, dos Jardins, vejo também o quanto a homossexualidade me salvou... O rótulo que tenho de “maldito” vem muito disso, não só da homossexualidade em si, mas de todas as escolhas e caminhos a que a homossexualidade me levou. Eu poderia ter crescido como um playboyzinho, mas foi a homossexualidade que me levou a experimentar coisas diferentes, me relacionar com pessoas diferentes, ampliar muito meus horizontes.

A sigla LGBTQIAPN+ já está virando meio piada (e acho que deve ser resolvida em breve), mas compreendo a intenção. Cada sexualidade é única, é difícil se colocar numa caixinha. Eu mesmo vivi um tempo como bissexual, porque não conseguia me encaixar na “homossexualidade oficial”; a hiper masculinidade não me atrai em nada (não consigo entender, por exemplo, qual é o apelo de um Henry Cavill, tenho até certo asco). Minha atração sempre foi por meninos mais femininos, andróginos; nos últimos 4 anos, só me relacionei com meninas trans – não tanto por um fetiche, mas por um traço geracional: os andróginos estão todos transicionando.

Então acho que, mais do que orgulho, estamos num momento de renovar as esperanças. O pior já passou (espero), as novas gerações já estão vindo desbloqueadas de fábrica. Minha sobrinha de onze anos é fã de Heartstopper, teve uma professora trans e aceita isso como natural.

Sempre gosto de lembrar de um episódio que aconteceu quando ela tinha uns seis anos, eu estava casado há 5 com um homem, era o tio provedor, com casa na praia, e me ocorreu perguntar à minha irmã se minha sobrinha não estranhava. “Não, porque ela já nasceu num mundo onde isso é natural, tem os amigos dos pais casais de homens, de mulheres. Ela ainda vai descobrir que isso é uma questão.”

Os 4 anos de governo bolsonaro devem ter ensinado isso a ela. Mas também devem tê-la tornado uma aliada mais forte.

MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...