28/03/2025

QUAIS SÂO OS LIMITES DA FICÇÃO?

 


Vi esses dias uma discussão interessante, perigosa, num canal sobre livros.

Uma autora australiana de literatura “hot” foi presa por autopublicar um romance sobre uma menina que tem fantasias sexuais com um adulto. Parece que na Austrália se enquadra como promoção (ou “apologia”, essa palavra tão perniciosa) da pedofilia, e no Brasil não está muito longe disso...

Todos os comentários que eu vi no canal foram aplaudindo a prisão. Sendo que foi a prisão de uma autora por escrever ficção. Talvez ela devesse ter sido presa pelo mau gosto, por escrever mal, mas eu acho muito perigoso o caminho de censura que está chegando aos livros...

Para começar, um vídeo que fala dessa notícia não pode nem colocar a palavra “pedofilia”, senão o Youtube não entrega o conteúdo ou desmonetiza. (Talvez ninguém nem leia este texto porque as redes não entreguem.) Canais dedicados ao true crime não podem colocar palavras como 4SS4SS1N4T0; já vejo autores censurando seus próprios títulos (como o Raphael Montes com seu SU1C1D4S), senão não chega aos seguidores.

A censura (e a prisão) de uma autora pelo TEOR do livro é ainda mais grave, porque pra ter acesso ao conteúdo a pessoa tem que comprar, ler ativamente, uma obra de ficção. É um crime que não tem nenhuma vítima.

(Daí se pode advogar contra a “apologia”, que isso incentiva; mas daí tudo está sujeito; uma criança que vê o Superman pode se jogar pela janela...)

O que se exercita em ficção, em fantasia não é porque necessariamente se queira concretizar. Quantas vezes a gente não pensa como seria matar alguém? Quantos casais brincam com algemas, encenam estupros; isso está longe de querer dizer que queriam que se concretizasse.

A literatura é dos últimos refúgios do indivíduo, onde se pode falar o que não se fala em lugar nenhum, porque não precisa de consenso, não precisa de grandes patrocínios, não precisa de atores para encenar a cena. É um terreno para oferecer uma visão ALTERNATIVA da realidade, não o senso comum. Mas isso está MUITO ameaçado, e ninguém fala sobre isso.

Por isso que eu falo tanto, repito tanto, já publiquei matéria na Folha ano passado sobre isso. Mas o povo não quer entrar nessa discussão. Prefere ficar na discussão rasa de “censura” de autor bestseller da vez que foi barrado por uma diretor de escola no interior dos cafundós.

Claro que eu advogo em causa própria, eu adoro literatura extrema. Adoro ler e adoro exercitar o lado perverso da realidade, porque só faço isso em livro. E eu estou me tornando um autor cada vez mais underground, não porque tô pesando mais a mão, mas porque o mundo tá ficando cada vez mais careta.

(Um livro como Mastigando Humanos foi comprado pelo governo, adotado no Ensino Médio, foi leitura de vestibular. Isso há menos de vinte anos. Hoje em dia, jamais! Hoje em dia toda literatura de respeito tem que levantar bandeiras...)

(Pela lógica da prisão da australiana, o que seria hoje de Hilda Hilst?)

26/03/2025

NOVA OFICINA




Vamos falar sobre SEU livro?

Você que está começando um romance, tem as primeiras páginas, um projeto, manda pra mim, que a gente vai discutir os temas, os caminhos e a estrutura do seu romance.

Estruturando Seu Romance é um curso novo que eu criei, derivado das minhas leituras críticas, para a gente falar mais sobre como armar uma estrutura e seguir com a escrita, com fluxo de consciência, escaleta, escaleta reversa e a abertura do romance.

Eu já fui muito jurado de concursos e prêmio literários (comecei a publicar por um prêmio, inclusive) e eu vejo como é importante fisgar o leitor já nos primeiros parágrafos, já na frase de abertura. E dá tranquilamente para fazer isso com seu texto.

É uma oportunidade de a gente avaliar suas primeiras páginas, trocar com outros autores e fazer exercícios para destravar. (Mais barato do que uma leitura crítica.)

Vão ser em datas intercaladas em 9 e 23 de abril e 7 de maio, para fugir dos feriados você ter tempo de escrever, eu ler, fazer as marcações.

As informações básicas estão no flyer e o email para saber mais e se inscrever. Primeiros inscritos têm desconto, para viabilizar a turma

15/03/2025

NOVO LIVRO DA MINHA MÂE

 



A escritora Eliza Nazarian lança seu quarto livro, Nem Sempre Névoa,

uma obra que mergulha nas nuances do tempo e da memória. Com

uma prosa sensível e poética, a autora revisita fragmentos de infância,

ecos de vozes familiares e momentos de ausência que moldam a

existência.

O livro apresenta uma narrativa construída a partir de recordações que

se entrelaçam ao presente, explorando a presença do silêncio como

elemento estruturante da memória e das relações humanas. A escrita

captura a sutileza dos instantes e transforma lembranças

em imagens sensoriais, que conduzem o leitor a um universo de

introspecção e reflexão.

Em Nem Sempre Névoa, a autora reafirma sua habilidade de construir

atmosferas delicadas e evocativas, onde a poesia do cotidiano se

manifesta em gestos simples e cenas marcantes. O livro convida o leitor

a observar a vida com um olhar mais atento, revelando a beleza contida

nos espaços entre as palavras.


"Elisa Nazarian é tradutora, escritora, mãe de quatro filhos e avó de quem inspirou este livro. Mora em uma chácara em São Roque, com dois cachorros, seis mil livros, dentro de uma pequena amostra da Mata Atlântica, da qual ela mesma cuida. Sempre diz que os livros a livraram de vários suicídios, e talvez isto não seja apenas uma brincadeira. Tem 76 anos."


Serviço: Lançamento do livro Nem Sempre Névoa, de Eliza Nazarian

Data: 20 de março

Local: Livraria da Tarde – Rua Cônego Eugênio Leite, 956, São Paulo, SP

Horário: 17h

14/03/2025

TENDÊNCIAS LITERÀRIAS

Finalmente começou o ano, acabou o carnaval, o Oscar, o BBB a Flip.

Tenho visto muitos lançamentos recentes de autores que foram meus alunos, que fizeram leitura crítica comigo. Hoje de manhã mesmo, eu estava fazendo um blurb...

(Eu mesmo ainda não sei quando vou lançar meu próximo livro. Mas é o caminho clássico: o artista decadente se torna professor.)

Falei no final do ano algumas coisas que eu não queria ver em livro em 2025, e já tem algumas coisas que eu tenho visto bastante, algumas tendências.

Uma delas é narrativas que remetem ao gótico, ao romântico do século XIX, li uns três ou quatro originais assim só este ano.

É bacana que as pessoas tenham uma base clássica, o problema é querer emular uma literatura já muito feita, é muito fácil cair num gótico cafona (se isso não é um pleonasmo).
Eu vejo um certo desprezo pela literatura brasileira contemporânea nesses novos autores, que querem reafirmar suas influências clássicas. E eu entendo total, porque eu também era assim.

Quando eu comecei a publicar, eu não conhecia nada de literatura brasileira contemporânea. Não conhecia os outros que estavam publicando, o Cuenca, o Galera, a Clarah, não era dessa turminha. Eu queria ser associado a Oscar Wilde! Kafka! Thomas Mann!

Felizmente, sem eu ter muita consciência, eu tinha uma carga pop mais contemporânea, não das coisas que eu lia, mas de todo o resto – filmes, videogame, a vida. Então isso ajudou que minha literatura se inserisse melhor naquele contexto, tivesse uma relevância no início dos 2000 (alguns diriam que só mesmo no início dos 2000..).

Só no meu quarto livro, Mastigando Humanos, que eu fui assumir essa carga pop e escrever como um jovem escritor, tentar fazer algo novo...

Então eu vejo muitos jovens escritores que querem escrever como senhores escritores e que acabam fazendo algo que para eles é um desafio, fazer uma literatura clássica, mas que para o meio, para os leitores, para a literatura em si, é algo que já foi exaustivamente feito, refeito, que já é batido, cafona.

Outra coisa que tenho notado muito é a dificuldade em encontrar a voz do personagem. O escritor não quer sacrificar sua própria voz, sua eloquência, seu vocabulário, em nome da voz do personagem. Então faz um personagem adolescente, um personagem criança, e é sempre uma criança prodígio, porque não pode falar como uma criança fala.

(“Todas as crianças são prodígios”, já diria Jesus, ou Michael Jackson.)

Faz parte do talento do autor dar uma voz condizente ao personagem. Se você não quer sacrificar seu vocabulário, sua articulação, então faz em terceira pessoa, ou conta a história da criança a partir do ponto de vista dela já adulta, sei lá.

Mas enfim, essas são algumas das coisas que eu tenho discutido muito com quem eu faço leitura crítica. E também falo muito sobre isso no meu curso Caminhos para a Publicação, que é bom para você entender de fato como funciona a escrita, a publicação e a divulgação de um livro nos dias de hoje. São 400 minutos, 200 reais e está todo gravado lá no site do centro cultural Astrolábio. 

(O textão era só para te pegar no merchan...)

Link:  Caminhos para a Publicação

iDENTIDADE ARMÊNIA

Eu na Armênia, em 2015.  Hoje se completam 110 anos do Genocídio Armênio. Sempre que eu falo que sou armênio, as pessoas questionam, se sã...