Vi esses dias uma discussão interessante, perigosa, num canal
sobre livros.
Uma autora australiana de literatura “hot” foi presa por
autopublicar um romance sobre uma menina que tem fantasias sexuais com um
adulto. Parece que na Austrália se enquadra como promoção (ou “apologia”, essa
palavra tão perniciosa) da pedofilia, e no Brasil não está muito longe disso...
Todos os comentários que eu vi no canal foram aplaudindo a
prisão. Sendo que foi a prisão de uma autora por escrever ficção. Talvez ela
devesse ter sido presa pelo mau gosto, por escrever mal, mas eu acho muito perigoso
o caminho de censura que está chegando aos livros...
Para começar, um vídeo que fala dessa notícia não pode nem
colocar a palavra “pedofilia”, senão o Youtube não entrega o conteúdo ou
desmonetiza. (Talvez ninguém nem leia este texto porque as redes não entreguem.)
Canais dedicados ao true crime não podem colocar palavras como 4SS4SS1N4T0; já
vejo autores censurando seus próprios títulos (como o Raphael Montes com seu SU1C1D4S),
senão não chega aos seguidores.
A censura (e a prisão) de uma autora pelo TEOR do livro é
ainda mais grave, porque pra ter acesso ao conteúdo a pessoa tem que comprar,
ler ativamente, uma obra de ficção. É um crime que não tem nenhuma vítima.
(Daí se pode advogar contra a “apologia”, que isso
incentiva; mas daí tudo está sujeito; uma criança que vê o Superman pode se
jogar pela janela...)
O que se exercita em ficção, em fantasia não é porque
necessariamente se queira concretizar. Quantas vezes a gente não pensa como
seria matar alguém? Quantos casais brincam com algemas, encenam estupros; isso está
longe de querer dizer que queriam que se concretizasse.
A literatura é dos últimos refúgios do indivíduo, onde se
pode falar o que não se fala em lugar nenhum, porque não precisa de consenso, não
precisa de grandes patrocínios, não precisa de atores para encenar a cena. É um
terreno para oferecer uma visão ALTERNATIVA da realidade, não o senso comum. Mas
isso está MUITO ameaçado, e ninguém fala sobre isso.
Por isso que eu falo tanto, repito tanto, já publiquei
matéria na Folha ano passado sobre isso. Mas o povo não quer entrar nessa
discussão. Prefere ficar na discussão rasa de “censura” de autor bestseller da
vez que foi barrado por uma diretor de escola no interior dos cafundós.
Claro que eu advogo em causa própria, eu adoro literatura extrema.
Adoro ler e adoro exercitar o lado perverso da realidade, porque só faço isso
em livro. E eu estou me tornando um autor cada vez mais underground, não porque
tô pesando mais a mão, mas porque o mundo tá ficando cada vez mais careta.
(Um livro como Mastigando Humanos foi comprado pelo governo,
adotado no Ensino Médio, foi leitura de vestibular. Isso há menos de vinte
anos. Hoje em dia, jamais! Hoje em dia toda literatura de respeito tem que
levantar bandeiras...)
(Pela lógica da prisão da australiana, o que seria hoje de
Hilda Hilst?)