ANTES QUE TUDO SE ACABE....
Vão aí as inevitáveis listas.
O Estadão me pediu uma lista dos melhores livros do ano. Sempre acho isso muito injusto, porque em literatura é muito difícil você estar bem atualizado e ler todos os lançamentos expressivos. Ainda mais porque os novos estão sempre competindo com imortais. É bem razoável alguém dizer que não leu quase nada do que foi publicado neste ano, mas até que eu li uma quantidade razoável. Então mandei os que mais gostei entre os que eu li, publicados em 2005 (ainda que em reedições). Vai aí:
A PAIXÃO DE AMÂNCIO AMARO – André Laurentino (Agir)
Laurentino faz uma bela estréia misturando uma melancolia carinhosa com humor extremamente literário.
ZARATEMPÔ – Evandro Affonso Ferreira (Editora 34)
Evandro, o domador das letras, mostra que também consegue extrair suspiros de seu chicote. Alta literatura, sem concessões, mas ainda com sentimento.
ALMOÇO NU – William Burroughs (Ediouro)
Finalmente a Ediouro traz uma versão definitiva para "Naked Lunch" com deliciosos adendos, cartas e reflexões, numa ótima tradução de Daniel Pellizzari, que consegue tornar mais fluente um texto extremamente intrincado.
CAIO 3D – Caio Fernando Abreu (Agir)
O resgate que a Editora Agir faz da obra de Caio Fernando Abreu lhe garante a imortalidade merecida e a atualidade necessária.
VOLÁTEIS – Paulo Scott (Objetiva)
Scott pisa num terreno conhecido de muitos escritores contemporâneos e sai em disparada com um romance alucinado, denso e verdadeiro. Ele simplesmente faz funcionar o que muitos outros tentam.
CONTOS NEGREIROS – Marcelino Freire (Record)
Marcelino reforça que a diferença que faz na literatura brasileira também está no papel. Uma prosa oralizada, singular e efetiva.
O PAPAGAIO E OUTRAS MÚSICAS – TIAGO PICCHI (7 Letras)
Um livro meio suspeito, que vem com CD, que aos poucos vai revelando um humor absurdo, finíssimo, inexplicável. Deixe disso. Leia e comprove.
SARAH – JT LeRoy (Geração Editorial)
LeRoy é o personagem vivo de um grande escritor (ou escritora?) que domina as páginas e os holofotes com a mesma habilidade. Isso é viver literatura.
RESPOSTA – Elisa Nazarian (Ateliê Editorial)
Quem sempre acompanhou e é fruto direto da poesia de Elisa não poderia deixar de louvar a estréia dela no mercado editorial. É vergonha a gente ter orgulho dos pais?
FERIADO DE MIM MESMO – Santiago Nazarian (Planeta)
Hum, como eu poderia deixar de colocar um thriller psicológico com um personagem só, passado num único cenário, que abre centenas de portas? É vergonha a gente ter orgulho dos filhos?
A lista dos melhores filmes eu comecei a fazer mentalmente. Ninguém me pediu. Não está muito organizada, nem chequei o nome dos diretores, mas vai aí os que eu lembro:
"O Clã das Adagas Voadoras"
"Herói"
"Mistérios da Carne"
"Old Boy"
"Casa Vazia"
"Sin City"
"Ninguém Pode Saber"
"Jogos Mortais"
"Tempestade de Verão"
"Dumplings"
Cds. Ouvi pouco do que foi lançado este ano, mas vai os que eu acho que merecem entrar na lista:
"I Am a Bird Now" – Antony & the Johnsons
"Odissey" – Fischerspooner
"Cansei de Ser Sexy" – Idem
"The Understanding" - Royksopp
"Here Comes the Tears" – The Tears
"O Primeiro Círculo" – Dan Nakagawa
"O Exercício das Pequenas Coisas" – Ludov
"Live" – Morrissey
"Craving"- Lastpain
"Drawing Restraint 9" - Björk
A revista "Quem" me pediu uma lista também, mas eu não entendi direito. Era de "programas bacanas para se fazer", e eu achei que era de "coisas que eu queria fazer antes de morrer". E mandei uma lista bem bizarra. Mas parece que eles publicaram mesmo assim, porque uma prima minha veio comentar com estranheza. Então taí a lista:
1. Se desfazer de (quase) todos os bens materiais, colocar uma mochila nas costas e ir.
2. Ir de carro para Buenos Aires, parando bastante.
3. Escrever um romance num laptop, viajando de trem.
4. Ver a aurora boreal.
5. Pular de para-quedas
6. Comer um peixe que pesquei em alto mar.
7.Fazer uma pequena aparição num filme, como eu mesmo.
8. Ter filho com uma chinesa.
9.Mudar de sexo no final da vida sexual.
10. Ser devorado por um animal selvagem. E fim.
Feliz ano novo.
31/12/2005
27/12/2005
O SORRISO DO LAGARTO
Há algumas semanas fui ver com o Daniel Luciancencov uma mostra das fotografias do Nobuoyshi Araki na Galeria Fortes Vilaça, aqui em SP.
Araki é um fotógrafo japonês contemporâneo, conhecido por suas fotos de japonesas nuas amarradas, ornamentadas com lagartinhos de borracha. Como eu também tenho lagartinhos, aranhinhas e cobrinhas de borracha espalhados pelo meu apartamento, o fotógrafo Luciancencov começou a ter idéias...
E eu acabei ganhando um iguana real, vivo e verdadeiro de presente de Natal. Tenho um pouco de dó desses bichos criados em cativeiro. Na verdade, tenho dó de qualquer bicho criado preso, mais ainda de cachorros e gatos dentro de apartamento, mas como o Daniel também já estudou veterinária, conheceu um criador de iguanas e sabia que estava tudo certinho, achei um ótimo presente. Principalmente porque um iguana não precisa de tanto espaço (quanto um cachorro), e muito menos de atenção.
Então aproveitei um espaço aberto grande que tenho na área de serviço e montei lá um terrário. Sempre gostei de herpetologia, tenho vários livros sobre répteis, já criei aranhas e tartarugas, mas tive de me aprofundar bem no comportamento típico dos iguanas para poder receber este queridinho aqui com os devidos cuidados. Instalei uma lâmpada fluorescente de raios UVA e UVB (que só se encontra em pet shops especializados em répteis), uma pedra térmica que se mantém a 36 graus e coloquei galhos para o bichinho subir. A alimentação é tranqüila: frutas e vegetais. Minha intenção é manter o terrário aberto para ele poder passear pelo apartamento. Mas por enquanto estou deixando ele lá para se acostumar. Ainda mais porque ele ainda é pequeno e se esconde em qualquer fresta. Ontem mesmo desapareceu totalmente no terrário (que tem 2m por 1,5m). Fiquei horas imaginando como poderia ter fugido. Mas estava bancando o personagem de "Casa Vazia", escondidinho embaixo de uma madeira, espremido que nem papel.
O nome dele? Araki, claro.
E também teve os presentinhos do velhote Noel: mais uma estante para meus livros (que já não cabem nas que eu tenho), um DVD do Bowie, alguns livros, cuecas (uh-la-lá), coisa e tal. Agora quero passar logo para 2006, que este ano foi o cão. Mas ainda volto para a retrospectiva...
Há algumas semanas fui ver com o Daniel Luciancencov uma mostra das fotografias do Nobuoyshi Araki na Galeria Fortes Vilaça, aqui em SP.
Araki é um fotógrafo japonês contemporâneo, conhecido por suas fotos de japonesas nuas amarradas, ornamentadas com lagartinhos de borracha. Como eu também tenho lagartinhos, aranhinhas e cobrinhas de borracha espalhados pelo meu apartamento, o fotógrafo Luciancencov começou a ter idéias...
E eu acabei ganhando um iguana real, vivo e verdadeiro de presente de Natal. Tenho um pouco de dó desses bichos criados em cativeiro. Na verdade, tenho dó de qualquer bicho criado preso, mais ainda de cachorros e gatos dentro de apartamento, mas como o Daniel também já estudou veterinária, conheceu um criador de iguanas e sabia que estava tudo certinho, achei um ótimo presente. Principalmente porque um iguana não precisa de tanto espaço (quanto um cachorro), e muito menos de atenção.
Então aproveitei um espaço aberto grande que tenho na área de serviço e montei lá um terrário. Sempre gostei de herpetologia, tenho vários livros sobre répteis, já criei aranhas e tartarugas, mas tive de me aprofundar bem no comportamento típico dos iguanas para poder receber este queridinho aqui com os devidos cuidados. Instalei uma lâmpada fluorescente de raios UVA e UVB (que só se encontra em pet shops especializados em répteis), uma pedra térmica que se mantém a 36 graus e coloquei galhos para o bichinho subir. A alimentação é tranqüila: frutas e vegetais. Minha intenção é manter o terrário aberto para ele poder passear pelo apartamento. Mas por enquanto estou deixando ele lá para se acostumar. Ainda mais porque ele ainda é pequeno e se esconde em qualquer fresta. Ontem mesmo desapareceu totalmente no terrário (que tem 2m por 1,5m). Fiquei horas imaginando como poderia ter fugido. Mas estava bancando o personagem de "Casa Vazia", escondidinho embaixo de uma madeira, espremido que nem papel.
O nome dele? Araki, claro.
E também teve os presentinhos do velhote Noel: mais uma estante para meus livros (que já não cabem nas que eu tenho), um DVD do Bowie, alguns livros, cuecas (uh-la-lá), coisa e tal. Agora quero passar logo para 2006, que este ano foi o cão. Mas ainda volto para a retrospectiva...
24/12/2005
COMBUSTÃO ESPONTÂNEA
Seres humanos não são inflamáveis. Quero dizer, não pegam fogo, apesar de seus corpos poderem ser queimados. Se, por exemplo, acendermos um isqueiro embaixo do braço de uma pessoa, esse só queimará enquanto mantivermos o isqueiro aceso abaixo. Ao afastarmos ou apagarmos a chama, a pele interromperá imediatamente seu processo de queima, as chamas não se alastram. Isso se dá devido não apenas à umidade do ser humano, mas também pelo material que o constitui. Se pegarmos uma pele ressecada, por exemplo, essa não será mais suscetível às chamas. Dessa maneira, a única maneira de queimar um ser humano é mantendo-o em contato constante com o fogo ou coberto de algum produto inflamável, como gasolina.
Fabiano Castanha D’Alva, na revista científica Relatório Vegetal.
E Hohoho pra vocês.
Seres humanos não são inflamáveis. Quero dizer, não pegam fogo, apesar de seus corpos poderem ser queimados. Se, por exemplo, acendermos um isqueiro embaixo do braço de uma pessoa, esse só queimará enquanto mantivermos o isqueiro aceso abaixo. Ao afastarmos ou apagarmos a chama, a pele interromperá imediatamente seu processo de queima, as chamas não se alastram. Isso se dá devido não apenas à umidade do ser humano, mas também pelo material que o constitui. Se pegarmos uma pele ressecada, por exemplo, essa não será mais suscetível às chamas. Dessa maneira, a única maneira de queimar um ser humano é mantendo-o em contato constante com o fogo ou coberto de algum produto inflamável, como gasolina.
Fabiano Castanha D’Alva, na revista científica Relatório Vegetal.
E Hohoho pra vocês.
20/12/2005
VASCULHANDO OS ARMÁRIOS DE BICHAS MORTAS.
Nesta última semana andei pesquisando bastante sobre a morte do River Phoenix. Apesar de a gente só ter feito amor uma vez, ele se tornou um amigo querido de quem tenho muitas saudades...
Haha. Não. Sai pra lá, Milton Nascimento, esse corpo não te pertence.
É que terminei a tradução do livro "Pink" do Gus Van Sant, que foi muito baseado na história do River.
Para quem chegou tarde, River Phoenix foi um astro juvenil dos anos 80, que morreu em 93, aos 23 anos, aparentemente de overdose, em frente à boate do Johnny Depp, em Hollywood. Há diversas versões para a morte, até uma em que ele teria recebido uma dose letal do próprio Depp, que era mais velho, menos famoso, também participava de filmes alternativos e queria ferrar com o pitéu.
O romance de Gus Van Sant é feito em homenagem ao River. Conta a história de um velho diretor de comerciais de TV que sofre pela perda de um jovem garoto propaganda com o qual havia trabalhado, era amigo e apaixonado. Apesar de incluir cowboys espaciais e viagens no tempo, há vários detalhes que correspondem não só a história de Phoenix (o personagem do livro também morre de overdose na frente de uma boate), mas também a de Keanu Reeves (que estreou em 91 o filme "Garotos de Programa" com Phoenix, dirigido por Van Sant) e Kurt Cobain (sobre o qual trata o último filme de Van Sant – Last Days – que ainda não estreou por aqui). E se considerarmos o que Van Sant coloca no livro, pode-se acreditar que ele teve mesmo caso com Keanu com Phoenix e que até considera a possibilidade de culpa do Depp.
Mas enfim, nada de surpresa, porque esses boatos sempre circularam por aí - inclusive de que Keanu Reeves foi casado com o presidente da Geffen (bem, do Keanu eu já vi fotos hiper comprometedoras em início de carreira) – e esse povo tem mesmo que fazer muitas vezes o teste do sofá, ainda mais para entrar numa produção sobre garotos de programa dirigido por Van Sant, que sempre está envolvido em filmes sobre jovens gays ( até já dirigiu um videoclip dos Hanson. Hahah).
Quando você traduz um livro sempre acaba se aprofundando em outros universos, outras histórias. Eu sempre acabo fazendo pesquisas e isso me acrescenta bastante, embora não tenha o tempo ideal para me aprofundar tanto quanto eu queira e até questione a qualidade literária de alguns autores que traduzo.
Esse livro do Gus Van Sant, "Pink" (provavelmente "Rosa"), deve sair em março do ano que vem, pela Geração Editorial.
E falando em tradução, estava hoje comparando as três versões do Naked Lunch, do William Burroughs, que eu tenho. A última saiu faz uns dois meses, "Almoço Nu", traduzido pelo Daniel Pellizzari para a Ediouro. Pelizzari é um jovem corajoso, por pegar coisas espinhosas como essa e "Trainspotting" (que ele traduziu junto com o Galera). Não sei exatamente se foi proposta dele para a editora, se a editora que propôs para ele, se ele teve um tempo tranqüilo para se dedicar a esses projetos, mas de qualquer forma fez um bom trabalho.
Numa tradução há duas coisas fundamentais para se observar: a fidelidade com o texto original e a fluência na nossa língua. Não dá para traduzir tudo ao pé da letra porque fica esquisito e o texto não flui em português. Mas também não dá para adaptar e cortar demais porque senão se está fugindo da obra do autor.
O foda é quando o autor original é barbeiro e você se sente compelido a arrancar coisas fora. Eu já peguei coisas do tipo em que a tradução literal seria: "Ele se levantou da cadeira onde estava sentado e pegou uma cerveja em sua mão." Não seria apenas: "Ele se levantou da cadeira e pegou uma cerveja"? E tem vezes que você entende todas as palavras, mas não entende o que elas estão fazendo lá, o que aquela frase tem a ver com o contexto.
Bem, em Naked Lunch é assim quase o livro todo. Não entendo em inglês, não entendo em português nem em nada, mas gosto do livro mesmo assim. E jamais me atreveria a traduzi-lo (bem, jamais não, eu me atreveria, mas quando tivesse mais experiência, bastante tempo e me pagassem razoavelmente).
Tenho outra versão de Naked Lunch traduzida por Mauro Sá Rego Costa e Flávio Moreira da Costa (também como "Almoço Nu") para a Brasiliense/Círculo do Livro. Ela talvez seja mais fiel ao original, mas menos fluente. Também é muito dar a cara pra bater traduzir um livro desses, porque sempre vai ter um pentelho como eu para comparar frase por frase e ver se o tradutor trabalhou direitinho.
O próprio título, Naked Lunch, já traz problemas. O que ele quer dizer com isso? O que seria um almoço nu? São essas questões de compreensão que muitas vezes se tornam essenciais para um tradutor. No caso desse título, o próprio Burroughs explica na introdução. Aproveitei isso para testar um pequeno trecho de tradução minha e comparar com as demais:
Na versão original:
I have no precise memory of writing the notes which have now been published under the title Naked Lunch. The title was suggested by Jack Kerouac. I did not understand what the title meant until my recent recovery. The title means exactly what the words say: NAKED Lunch – a frozen moment when everyone sees what is on the end of every fork.
Na minha versão:
Não tenho lembrança precisa de escrever as notas que foram publicadas sob o título de Almoço Nu. O título foi sugerido por Jack Kerouac. Eu não entendia o que o título significava até minha recuperação recente. O título significa exatamente o que as palavras dizem: Almoço NU – um momento congelado quando todos vêem o que está na ponta de cada garfo.
Na versão da Brasiliense:
Não tenho lembrança precisa de ter escrito essas notas que agora são publicadas sob o título de Almoço Nu. O título foi sugerido por Jack Kerouac. Não compreendi o que o título significava até minha recente cura. O título significa exatamente o que as palavras dizem: Almoço NU – um momento congelado em que todos vêem o que está na ponta de cada garfo.
Na versão da Ediouro:
Não tenho uma lembrança precisa de ter escrito as anotações que acabaram publicadas sob o título Almoço Nu. O título foi uma sugestão de Jack Kerouac. Só fui entender o significado do título depois da minha recente recuperação. O título significa exatamente o que dizem todas as suas palavras: ALMOÇO NU – um momento paralizado no qual todos são capazes de enxergar o que está cravado na ponta de cada garfo.
Obviamente não é o caso de competir, porque eu já tenho as outras traduções para me beneficiar. Apenas é uma mostra como o mesmo texto permite diversas traduções – e isso porque esse é um trecho pequeno e bem simples. E a versão final também depende do revisor e do preparador de texto, claro. Obviamente, nessa função de "pentelho-cata-piolho" eu peguei vários erros nessas traduções de Almoço Nu (como "queer" sendo interpretado como "queen"), mas isso serve mais como um estudo para mim, que estou começando a me aperfeiçoar na tradução, do que um problema para o leitor comum.
Aliás, o leitor comum desse blog deve estar achando esse post um porre, ah?
Terminando, Gus Van Sant já trabalhou com Burroughs. Aparentemente, fizeram juntos uma audioficção nos anos 80. Eles têm um universo próximo - drogas e boiolice. E Van Sant também tentou fazer um romance fragmentado, lisérgico e incompreensível.... E é um grande cineasta.
Bem, são 6 da manhã. Hora de dormir. E tem gente que acha que passo todas as noites na balada...
Nesta última semana andei pesquisando bastante sobre a morte do River Phoenix. Apesar de a gente só ter feito amor uma vez, ele se tornou um amigo querido de quem tenho muitas saudades...
Haha. Não. Sai pra lá, Milton Nascimento, esse corpo não te pertence.
É que terminei a tradução do livro "Pink" do Gus Van Sant, que foi muito baseado na história do River.
Para quem chegou tarde, River Phoenix foi um astro juvenil dos anos 80, que morreu em 93, aos 23 anos, aparentemente de overdose, em frente à boate do Johnny Depp, em Hollywood. Há diversas versões para a morte, até uma em que ele teria recebido uma dose letal do próprio Depp, que era mais velho, menos famoso, também participava de filmes alternativos e queria ferrar com o pitéu.
O romance de Gus Van Sant é feito em homenagem ao River. Conta a história de um velho diretor de comerciais de TV que sofre pela perda de um jovem garoto propaganda com o qual havia trabalhado, era amigo e apaixonado. Apesar de incluir cowboys espaciais e viagens no tempo, há vários detalhes que correspondem não só a história de Phoenix (o personagem do livro também morre de overdose na frente de uma boate), mas também a de Keanu Reeves (que estreou em 91 o filme "Garotos de Programa" com Phoenix, dirigido por Van Sant) e Kurt Cobain (sobre o qual trata o último filme de Van Sant – Last Days – que ainda não estreou por aqui). E se considerarmos o que Van Sant coloca no livro, pode-se acreditar que ele teve mesmo caso com Keanu com Phoenix e que até considera a possibilidade de culpa do Depp.
Mas enfim, nada de surpresa, porque esses boatos sempre circularam por aí - inclusive de que Keanu Reeves foi casado com o presidente da Geffen (bem, do Keanu eu já vi fotos hiper comprometedoras em início de carreira) – e esse povo tem mesmo que fazer muitas vezes o teste do sofá, ainda mais para entrar numa produção sobre garotos de programa dirigido por Van Sant, que sempre está envolvido em filmes sobre jovens gays ( até já dirigiu um videoclip dos Hanson. Hahah).
Quando você traduz um livro sempre acaba se aprofundando em outros universos, outras histórias. Eu sempre acabo fazendo pesquisas e isso me acrescenta bastante, embora não tenha o tempo ideal para me aprofundar tanto quanto eu queira e até questione a qualidade literária de alguns autores que traduzo.
Esse livro do Gus Van Sant, "Pink" (provavelmente "Rosa"), deve sair em março do ano que vem, pela Geração Editorial.
E falando em tradução, estava hoje comparando as três versões do Naked Lunch, do William Burroughs, que eu tenho. A última saiu faz uns dois meses, "Almoço Nu", traduzido pelo Daniel Pellizzari para a Ediouro. Pelizzari é um jovem corajoso, por pegar coisas espinhosas como essa e "Trainspotting" (que ele traduziu junto com o Galera). Não sei exatamente se foi proposta dele para a editora, se a editora que propôs para ele, se ele teve um tempo tranqüilo para se dedicar a esses projetos, mas de qualquer forma fez um bom trabalho.
Numa tradução há duas coisas fundamentais para se observar: a fidelidade com o texto original e a fluência na nossa língua. Não dá para traduzir tudo ao pé da letra porque fica esquisito e o texto não flui em português. Mas também não dá para adaptar e cortar demais porque senão se está fugindo da obra do autor.
O foda é quando o autor original é barbeiro e você se sente compelido a arrancar coisas fora. Eu já peguei coisas do tipo em que a tradução literal seria: "Ele se levantou da cadeira onde estava sentado e pegou uma cerveja em sua mão." Não seria apenas: "Ele se levantou da cadeira e pegou uma cerveja"? E tem vezes que você entende todas as palavras, mas não entende o que elas estão fazendo lá, o que aquela frase tem a ver com o contexto.
Bem, em Naked Lunch é assim quase o livro todo. Não entendo em inglês, não entendo em português nem em nada, mas gosto do livro mesmo assim. E jamais me atreveria a traduzi-lo (bem, jamais não, eu me atreveria, mas quando tivesse mais experiência, bastante tempo e me pagassem razoavelmente).
Tenho outra versão de Naked Lunch traduzida por Mauro Sá Rego Costa e Flávio Moreira da Costa (também como "Almoço Nu") para a Brasiliense/Círculo do Livro. Ela talvez seja mais fiel ao original, mas menos fluente. Também é muito dar a cara pra bater traduzir um livro desses, porque sempre vai ter um pentelho como eu para comparar frase por frase e ver se o tradutor trabalhou direitinho.
O próprio título, Naked Lunch, já traz problemas. O que ele quer dizer com isso? O que seria um almoço nu? São essas questões de compreensão que muitas vezes se tornam essenciais para um tradutor. No caso desse título, o próprio Burroughs explica na introdução. Aproveitei isso para testar um pequeno trecho de tradução minha e comparar com as demais:
Na versão original:
I have no precise memory of writing the notes which have now been published under the title Naked Lunch. The title was suggested by Jack Kerouac. I did not understand what the title meant until my recent recovery. The title means exactly what the words say: NAKED Lunch – a frozen moment when everyone sees what is on the end of every fork.
Na minha versão:
Não tenho lembrança precisa de escrever as notas que foram publicadas sob o título de Almoço Nu. O título foi sugerido por Jack Kerouac. Eu não entendia o que o título significava até minha recuperação recente. O título significa exatamente o que as palavras dizem: Almoço NU – um momento congelado quando todos vêem o que está na ponta de cada garfo.
Na versão da Brasiliense:
Não tenho lembrança precisa de ter escrito essas notas que agora são publicadas sob o título de Almoço Nu. O título foi sugerido por Jack Kerouac. Não compreendi o que o título significava até minha recente cura. O título significa exatamente o que as palavras dizem: Almoço NU – um momento congelado em que todos vêem o que está na ponta de cada garfo.
Na versão da Ediouro:
Não tenho uma lembrança precisa de ter escrito as anotações que acabaram publicadas sob o título Almoço Nu. O título foi uma sugestão de Jack Kerouac. Só fui entender o significado do título depois da minha recente recuperação. O título significa exatamente o que dizem todas as suas palavras: ALMOÇO NU – um momento paralizado no qual todos são capazes de enxergar o que está cravado na ponta de cada garfo.
Obviamente não é o caso de competir, porque eu já tenho as outras traduções para me beneficiar. Apenas é uma mostra como o mesmo texto permite diversas traduções – e isso porque esse é um trecho pequeno e bem simples. E a versão final também depende do revisor e do preparador de texto, claro. Obviamente, nessa função de "pentelho-cata-piolho" eu peguei vários erros nessas traduções de Almoço Nu (como "queer" sendo interpretado como "queen"), mas isso serve mais como um estudo para mim, que estou começando a me aperfeiçoar na tradução, do que um problema para o leitor comum.
Aliás, o leitor comum desse blog deve estar achando esse post um porre, ah?
Terminando, Gus Van Sant já trabalhou com Burroughs. Aparentemente, fizeram juntos uma audioficção nos anos 80. Eles têm um universo próximo - drogas e boiolice. E Van Sant também tentou fazer um romance fragmentado, lisérgico e incompreensível.... E é um grande cineasta.
Bem, são 6 da manhã. Hora de dormir. E tem gente que acha que passo todas as noites na balada...
15/12/2005
NÁUFRAGOS DO PICHE
Ontem foi lançado o segundo livro da minha amiga Andréa del Fuego, "Nego Tudo".
É uma edição bem bacana da Fina Flor, editora finérrima que faz tiragens pequenas de livros chiques numerados um a um, com ilustrações e interferências a mão, que fazem com que cada livro seja único (e que já fez com que a proposta da editora gerasse crias).
O livro da Andréa é um conjunto de contos vermelhos e brancos, femininos e ferinos, com trechos como:
"O acidente aconteceu, os corpos no chão, a noite desce. Sentada no acostamento, vejo as luzes disformes, sou uma náufraga do piche."
Aliás eu já ouvi esse conto em áudio-ficção, na casa da Cristiane Lisbôa, editora da Fina Flor. Era ótimo. Elas podiam ter colocado num cdzinho encartado no livro, hein? Taí uma idéia...
Vocês podem saber mais sobre o livro da Andréia, onde comprar e tal no: www.delfuego.zip.net (mas não sei se ainda tem, não, porque eram só 107 cópias)
Eu ainda vou lançar um livro com a Fina. Não dá para ser um livro "de carreira", porque as tiragens são pequenas e a distribuição também é limitada. Mas de repente uma prosa ligeira, para se ter como um mimo. Enfim, com certeza não será projeto para 2006...
Em 2006 quero investir mais nos lançamentos fora do Brasil. Preciso de dinheiro, porque por aqui a coisa tá feia...Vamos ver se consigo viajar, se consigo fechar outros contratos lá fora, com os três romances que já lancei por aqui.
Há o QUARTO romance, sim, "Mastigando Humanos", que já está sendo negociado. Provavelmente ficará para o segundo semestre do ano que vem, mas eu não me importaria se ficasse para o começo de 2007, porque venho lançando um livro por ano e é preciso dar um tempo para não saturar. Mas vamos ver. Eu também já estou com o livro pronto e fico querendo vê-lo logo nas ruas. Segundo semestre de 2006 é uma boa perspectiva.
E como "Mastigando Humanos" já está pronto há alguns meses (não foi tão rápido não, nesse eu levei mais de um ano - "Feriado" foi escrito há mais de dois), eu comecei recentemente a trabalhar em outro texto. Não será algo para ser lançado comercialmente. Ao menos, não em papel. Trata-se de uma PEÇA de teatro. Bem, talvez mais uma novela, escrita já se prevendo as possibilidades de transposição para o palco. A intenção é essa. Ainda não sei se vai ficar bom, se vou conseguir terminar, se vai prestar. De repente acabo jogando fora. Mas se eu ficar satisfeito com o resultado, vou espalhar por aí. De repente até coloco o arquivo inteiro aqui no blog, porque não será algo que pretenderei vender mesmo. Então vamos ver, vamos ver, nem título ainda eu tenho, estou começando...
E estou terminando uma tradução, do quarto livro que fiz este ano. Chama-se "Pink", romance escrito pelo cineasta Gus Van Sant. Não dá nem para dizer do que se trata porque é uma psicodelia geral. Psicodelia gay, absurda e fragmentada. Talvez algo como um "Naked Lunch" de praça de alimentação.
Esse ano também entreguei as traduções do "Quando Eu Era o Tal" (que já está nas livrarias há alguns meses), "Coração Traiçoeiro" e "Fan-Tan" (que começarão a ser vendidos no começo do ano que vem). Foram todas encomendadas pelas editoras – não exatamente propostas por mim – e feitas naqueles prazos corridíssimos que os tradutores têm. Mas, de qualquer forma, me deram muito prazer, é um trabalho que gosto de fazer e que me ensina muitíssimo. Espero que eu também continue progredindo nisso em 2006.
E realmente agora é só torcer para que o próximo ano seja melhor, não é? Porque este parece que já acabou e deixou um gosto amargo na boca (como uma mousse de chocolate em "O Bebê de Rosemary"). Claro que teve coisas boas, mas muita crise (de todos os tipos), loucura (de todos os tipos), insegurança (de todos os tipos) e um certo tédio sobre tudo (do único tipo possível).
Mas a vida continua, e o blog continua, sem recessos. Porque eu (infelizmente) nunca tiro feriado de mim mesmo.
Ontem foi lançado o segundo livro da minha amiga Andréa del Fuego, "Nego Tudo".
É uma edição bem bacana da Fina Flor, editora finérrima que faz tiragens pequenas de livros chiques numerados um a um, com ilustrações e interferências a mão, que fazem com que cada livro seja único (e que já fez com que a proposta da editora gerasse crias).
O livro da Andréa é um conjunto de contos vermelhos e brancos, femininos e ferinos, com trechos como:
"O acidente aconteceu, os corpos no chão, a noite desce. Sentada no acostamento, vejo as luzes disformes, sou uma náufraga do piche."
Aliás eu já ouvi esse conto em áudio-ficção, na casa da Cristiane Lisbôa, editora da Fina Flor. Era ótimo. Elas podiam ter colocado num cdzinho encartado no livro, hein? Taí uma idéia...
Vocês podem saber mais sobre o livro da Andréia, onde comprar e tal no: www.delfuego.zip.net (mas não sei se ainda tem, não, porque eram só 107 cópias)
Eu ainda vou lançar um livro com a Fina. Não dá para ser um livro "de carreira", porque as tiragens são pequenas e a distribuição também é limitada. Mas de repente uma prosa ligeira, para se ter como um mimo. Enfim, com certeza não será projeto para 2006...
Em 2006 quero investir mais nos lançamentos fora do Brasil. Preciso de dinheiro, porque por aqui a coisa tá feia...Vamos ver se consigo viajar, se consigo fechar outros contratos lá fora, com os três romances que já lancei por aqui.
Há o QUARTO romance, sim, "Mastigando Humanos", que já está sendo negociado. Provavelmente ficará para o segundo semestre do ano que vem, mas eu não me importaria se ficasse para o começo de 2007, porque venho lançando um livro por ano e é preciso dar um tempo para não saturar. Mas vamos ver. Eu também já estou com o livro pronto e fico querendo vê-lo logo nas ruas. Segundo semestre de 2006 é uma boa perspectiva.
E como "Mastigando Humanos" já está pronto há alguns meses (não foi tão rápido não, nesse eu levei mais de um ano - "Feriado" foi escrito há mais de dois), eu comecei recentemente a trabalhar em outro texto. Não será algo para ser lançado comercialmente. Ao menos, não em papel. Trata-se de uma PEÇA de teatro. Bem, talvez mais uma novela, escrita já se prevendo as possibilidades de transposição para o palco. A intenção é essa. Ainda não sei se vai ficar bom, se vou conseguir terminar, se vai prestar. De repente acabo jogando fora. Mas se eu ficar satisfeito com o resultado, vou espalhar por aí. De repente até coloco o arquivo inteiro aqui no blog, porque não será algo que pretenderei vender mesmo. Então vamos ver, vamos ver, nem título ainda eu tenho, estou começando...
E estou terminando uma tradução, do quarto livro que fiz este ano. Chama-se "Pink", romance escrito pelo cineasta Gus Van Sant. Não dá nem para dizer do que se trata porque é uma psicodelia geral. Psicodelia gay, absurda e fragmentada. Talvez algo como um "Naked Lunch" de praça de alimentação.
Esse ano também entreguei as traduções do "Quando Eu Era o Tal" (que já está nas livrarias há alguns meses), "Coração Traiçoeiro" e "Fan-Tan" (que começarão a ser vendidos no começo do ano que vem). Foram todas encomendadas pelas editoras – não exatamente propostas por mim – e feitas naqueles prazos corridíssimos que os tradutores têm. Mas, de qualquer forma, me deram muito prazer, é um trabalho que gosto de fazer e que me ensina muitíssimo. Espero que eu também continue progredindo nisso em 2006.
E realmente agora é só torcer para que o próximo ano seja melhor, não é? Porque este parece que já acabou e deixou um gosto amargo na boca (como uma mousse de chocolate em "O Bebê de Rosemary"). Claro que teve coisas boas, mas muita crise (de todos os tipos), loucura (de todos os tipos), insegurança (de todos os tipos) e um certo tédio sobre tudo (do único tipo possível).
Mas a vida continua, e o blog continua, sem recessos. Porque eu (infelizmente) nunca tiro feriado de mim mesmo.
10/12/2005
HOHOHO
Sempre tem um pessoal me perguntando onde encontram textos meus por aí (principalmente porque muitos querem uma amostra grátis antes de comprar um livro – compreensível, já que música a gente escuta no rádio, baixa na internet, vê na MTV e só depois decide comprar o disco).
Então vai aí um inventário de todos os meus textos de ficção que já foram publicados em papel ou na net, com trechinhos e alguns (os que estão na net) com links para serem lidos na íntegra. Eu não posso mandar nada por email, claro, muitos contos foram pagos e não vou sacanear quem me pagou :
- Pó de Vidro e Veneno de Cobra - na revista Ficções Número 12 (Ed 7 Letras)
Como as serpentes, eu podia sentir. Eu podia sentir cada mínima variação de calor, graças à terceira narina que se abrira no meu rosto. Era para isso que servia. Para enxergar sem luz, para sentir sem o tato, para escutar sem som. Um sexto sentido, se abrindo em meu rosto, como cicatriz.
- A Mulher Barbada - no livro "Parati Para Mim" (Planeta)
Sou apenas mulher. Sou o bastante e estou viva, finalmente, posso contar minha história. Posso vivê-la intensamente, em páginas amassadas, em papel de pão. Posso deixar a barba crescer sobre o meu rosto e o peso do corpo envergar minhas costas. Minha cama. E enquanto eu tiver esses dedos, enquanto eu tiver vontades, você vai ter de me ouvir.
- Serpentes com Braços - no livro "A Literatura Latino Americana no SéculoXXI" (Aeroplano)
Por mais que tentasse ver os garotos como serpentes, por mais que quisesse ser apenas um rato para alimentá-los, por mais que desejasse ser textura entre os dentes, tecido constituinte, proteína animal, ele sabia, eles sempre teriam pernas para lhe pisar.
- Como Desovar Cogumelos - no livro "4X Brasil" (Artes e Ofícios)
Na mesa da sala há uma pesada escultura de Fredy Keller moldada no crânio de um cervo. Pode parecer algo um pouco macabro. Certamente é uma obra pesada. Mas tem o peso exato que eu preciso. O peso exato que eu preciso sobre o crânio de Adelino. Acerto-o. Rachado. Ele vem ao chão. Ninguém precisa de mais um escritor que escuta Chico Buarque.
- O Vendedor de Mancebos - na Revista E (Sesc)
O verão lhe trazia um ultimato. Vinha voando pela janela aberta e deixava para trás véus de uma cerimônia que eles não tinham. Sem cerimônia, os cupins invadiam seu apartamento, devoravam seus móveis, o deixavam cada vez mais próximo do chão. O chão também era de madeira, isso o fazia pensar que, em breve, ele afundaria num buraco sem fundo. E não era nada poético pensar assim.
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/revistas_link.cfm?Edicao_Id=227&Artigo_ID=3544&IDCategoria=3868&reftype=2
- Aranha no Açúcar - na revista Bravo!
E antes que eu pudesse abrir qualquer página, uma aranha subiu na minha mão, prendeu-me ao livro com sua teia, passeou por entre meus dedos. Melado eu estava, melados meus dedos. Tinha medo. De que ela me mordesse pelo açúcar.
- É o Câncer que me Faz Sorrir - no jornal Folha de São Paulo
Com o tempo, vaidade; mais vício do que latinidade. Exercitar os músculos faciais, criar um coringa, proteger minha tela. Sorrindo para não despencar. Marcando o rosto para não me esquecer. "Vaidade, doutor, vaidade. É a vaidade que me faz franzir."
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi3001200527.htm
- Quasímodo - no site Portal Literal
E quem mergulhou e quem dormiu. Quem badalou e saiu. Quem ligou o rádio e se esqueceu, se esqueceu. De nós dois, que ainda vivemos, ainda não morremos, ainda dormiremos.
- O Amolador de Facas - no site Bestiário
Imaginava o que havia por trás daquele almoço, por trás daquela mancha, por trás daquele olhar. Um tapa do marido. Uma faca para se defender. Uma faca para atacar. Para morrer. Se suicidar. Precisava ser bem afiada, para atravessar a barriga. Precisava de um fio perfeito, para romper a jugular. Para cortar a cebola do almoço, para faze-la chorar.
http://www.bestiario.com.br/16.html
- O Chamado (Selvagem) - no site Patife
Sete dias sem dormir. Mas mesmo assim parece que entre domingo passado e este foram apenas um abrir e fechar de olhos. Piscar. Esquecer. Strobes que me fazem ser quem eu sou. Eu nem sei. Acho que sou um pouco mais com ele olhando para mim. Enquanto ele nada dizer, eu vou ficar bem quieta. Boca fechada. Mandíbulas travadas. Mas ainda assim sorrindo. Porque o sorriso flui dentro de mim.
http://www.patife.art.br/outras_santiago.php
- O Pequeno Conto que Sorri - no site Patife
E as duas velhinhas cruzavam as pernas e os braços, cruzando a tarde em vão e vaidades, vaidades e infusões, num inverno solitário. Lá fora, amores resistiam, choviam e derrapavam, tentando voltar para casa, para as cobertas, para os braços uns dos outros, para fugir do frio.
http://www.patife.art.br/especial_encontros_santiago.php
- Espinha de Peixe – no site Arte e Política
Curvava-se na pia e sentia a dor nas costas. Curvava-se na pia e sentia a espinha. Colocava a mão, descurvava-se na frente do espelho. Olhava em seus olhos. Via a si mesmo. Nenhuma escama. Nenhuma espinha. Nenhum reflexo de peixe em seus olhos puxados, em seu rosto adolescente. Hau ainda era o mesmo, apesar dos dedos.
arteepolitica.com.br/literatura/contos/espinha_depeixe_nazarian
- Quando Eu Escrevo - no jornal O Globo
Pois quando ele me chama, quando diz que me ama, quando o amor me alcança, quero apenas ser mulher.
Além disso, espalhados aqui aqui nos arquivos do blog vocês podem encontrar os contos "Depois do Sexo", "Seis Dedos pra Contar", "Velhos Sapatos de Dança", "Ela não Sabe Nadar", "Irmão Sol, Irmão Água" e "Dois Perdidos na Rua Augusta".
Pronto, já tá bom de presente de Natal.
Sempre tem um pessoal me perguntando onde encontram textos meus por aí (principalmente porque muitos querem uma amostra grátis antes de comprar um livro – compreensível, já que música a gente escuta no rádio, baixa na internet, vê na MTV e só depois decide comprar o disco).
Então vai aí um inventário de todos os meus textos de ficção que já foram publicados em papel ou na net, com trechinhos e alguns (os que estão na net) com links para serem lidos na íntegra. Eu não posso mandar nada por email, claro, muitos contos foram pagos e não vou sacanear quem me pagou :
- Pó de Vidro e Veneno de Cobra - na revista Ficções Número 12 (Ed 7 Letras)
Como as serpentes, eu podia sentir. Eu podia sentir cada mínima variação de calor, graças à terceira narina que se abrira no meu rosto. Era para isso que servia. Para enxergar sem luz, para sentir sem o tato, para escutar sem som. Um sexto sentido, se abrindo em meu rosto, como cicatriz.
- A Mulher Barbada - no livro "Parati Para Mim" (Planeta)
Sou apenas mulher. Sou o bastante e estou viva, finalmente, posso contar minha história. Posso vivê-la intensamente, em páginas amassadas, em papel de pão. Posso deixar a barba crescer sobre o meu rosto e o peso do corpo envergar minhas costas. Minha cama. E enquanto eu tiver esses dedos, enquanto eu tiver vontades, você vai ter de me ouvir.
- Serpentes com Braços - no livro "A Literatura Latino Americana no SéculoXXI" (Aeroplano)
Por mais que tentasse ver os garotos como serpentes, por mais que quisesse ser apenas um rato para alimentá-los, por mais que desejasse ser textura entre os dentes, tecido constituinte, proteína animal, ele sabia, eles sempre teriam pernas para lhe pisar.
- Como Desovar Cogumelos - no livro "4X Brasil" (Artes e Ofícios)
Na mesa da sala há uma pesada escultura de Fredy Keller moldada no crânio de um cervo. Pode parecer algo um pouco macabro. Certamente é uma obra pesada. Mas tem o peso exato que eu preciso. O peso exato que eu preciso sobre o crânio de Adelino. Acerto-o. Rachado. Ele vem ao chão. Ninguém precisa de mais um escritor que escuta Chico Buarque.
- O Vendedor de Mancebos - na Revista E (Sesc)
O verão lhe trazia um ultimato. Vinha voando pela janela aberta e deixava para trás véus de uma cerimônia que eles não tinham. Sem cerimônia, os cupins invadiam seu apartamento, devoravam seus móveis, o deixavam cada vez mais próximo do chão. O chão também era de madeira, isso o fazia pensar que, em breve, ele afundaria num buraco sem fundo. E não era nada poético pensar assim.
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/revistas_link.cfm?Edicao_Id=227&Artigo_ID=3544&IDCategoria=3868&reftype=2
- Aranha no Açúcar - na revista Bravo!
E antes que eu pudesse abrir qualquer página, uma aranha subiu na minha mão, prendeu-me ao livro com sua teia, passeou por entre meus dedos. Melado eu estava, melados meus dedos. Tinha medo. De que ela me mordesse pelo açúcar.
- É o Câncer que me Faz Sorrir - no jornal Folha de São Paulo
Com o tempo, vaidade; mais vício do que latinidade. Exercitar os músculos faciais, criar um coringa, proteger minha tela. Sorrindo para não despencar. Marcando o rosto para não me esquecer. "Vaidade, doutor, vaidade. É a vaidade que me faz franzir."
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi3001200527.htm
- Quasímodo - no site Portal Literal
E quem mergulhou e quem dormiu. Quem badalou e saiu. Quem ligou o rádio e se esqueceu, se esqueceu. De nós dois, que ainda vivemos, ainda não morremos, ainda dormiremos.
- O Amolador de Facas - no site Bestiário
Imaginava o que havia por trás daquele almoço, por trás daquela mancha, por trás daquele olhar. Um tapa do marido. Uma faca para se defender. Uma faca para atacar. Para morrer. Se suicidar. Precisava ser bem afiada, para atravessar a barriga. Precisava de um fio perfeito, para romper a jugular. Para cortar a cebola do almoço, para faze-la chorar.
http://www.bestiario.com.br/16.html
- O Chamado (Selvagem) - no site Patife
Sete dias sem dormir. Mas mesmo assim parece que entre domingo passado e este foram apenas um abrir e fechar de olhos. Piscar. Esquecer. Strobes que me fazem ser quem eu sou. Eu nem sei. Acho que sou um pouco mais com ele olhando para mim. Enquanto ele nada dizer, eu vou ficar bem quieta. Boca fechada. Mandíbulas travadas. Mas ainda assim sorrindo. Porque o sorriso flui dentro de mim.
http://www.patife.art.br/outras_santiago.php
- O Pequeno Conto que Sorri - no site Patife
E as duas velhinhas cruzavam as pernas e os braços, cruzando a tarde em vão e vaidades, vaidades e infusões, num inverno solitário. Lá fora, amores resistiam, choviam e derrapavam, tentando voltar para casa, para as cobertas, para os braços uns dos outros, para fugir do frio.
http://www.patife.art.br/especial_encontros_santiago.php
- Espinha de Peixe – no site Arte e Política
Curvava-se na pia e sentia a dor nas costas. Curvava-se na pia e sentia a espinha. Colocava a mão, descurvava-se na frente do espelho. Olhava em seus olhos. Via a si mesmo. Nenhuma escama. Nenhuma espinha. Nenhum reflexo de peixe em seus olhos puxados, em seu rosto adolescente. Hau ainda era o mesmo, apesar dos dedos.
arteepolitica.com.br/literatura/contos/espinha_depeixe_nazarian
- Quando Eu Escrevo - no jornal O Globo
Pois quando ele me chama, quando diz que me ama, quando o amor me alcança, quero apenas ser mulher.
Além disso, espalhados aqui aqui nos arquivos do blog vocês podem encontrar os contos "Depois do Sexo", "Seis Dedos pra Contar", "Velhos Sapatos de Dança", "Ela não Sabe Nadar", "Irmão Sol, Irmão Água" e "Dois Perdidos na Rua Augusta".
Pronto, já tá bom de presente de Natal.
07/12/2005
CRIANÇAS ASSASSINAS
Fui assistir ao "Exorcismo de Emily Rose" e descobri tudo o que há de errado comigo....
Mudando de assunto, saiu no Portal Literal uma matéria que Marcelino Freire fez sobre a escritora Ana Paula Maia. Já falei dezenas de vezes dela aqui. É minha protegida, sim, mas com mérito. Quero dizer, tem sempre esse povo que acha que a gente é protegido da imprensa, que tal escritor é protegido de outro, e pode até ser verdade, mas a questão é saber o por quê. Acha que alguém está pagando a imprensa, os colegas, por proteção? Felizmente a pouca grana que corre na literatura ainda garante certos méritos. Eu nunca tinha ouvido falar de Ana Paula Maia, recebi o primeiro romance dela aqui em casa, achei foda, escrevi pra ela, e assim começou uma amizade.
Mas enfim, melhor do que eu ficar falando de novo sobre ela é ler o perfil no Portal Literal. Vocês vão entender que, na verdade, eu só estou me preparando para ser protegido por ela e suas duzentas metralhadoras. Eu mesmo me surpreendi com o que li, porque vi a moça poucas vezes ao vivo. Vai um trecho e o link:
Passei por três, quatro escolas. Desde pequenina perseguida por professores ferozes. Aos cinco anos, queriam me expulsar da primeira escola. Lá, sobrevivi até montarem uma comissão para me dar um chute no traseiro. Fui para a escola liberal. Lá, enlouqueci. Usava um cadeado no pescoço como pingente, fazia teatro e andava com uma garota duas vezes o meu tamanho e que me defendia. Caí durante uma partida de handball. Ganhei um traumatismo craniano e uma nova escola. Mas o traumatismo não me impediu de ir ao show do Iron Maiden semanas depois. Essa nova escola era para os marginais. Lá, fui suspensa por tentativa de incêndio, beber whisky durante a aula de geografia e outras coisas.
http://portalliteral.terra.com.br/
E eu também estou na capa do site Arte e Política, com uma entrevista/perfil e um conto (que não é exatamente inédito). Como estamos em lembranças escolares, vai aí um trecho da minha:
Eu odiava a escola. Então para me ensinar a escrever uma professora teve de me seduzir com um jacaré empalhado. Haha. É verdade. Eu andava pela escola puxando-o com uma coleira. Mas sempre gostei de criar histórias, viver no meu mundinho. Sempre fui bem nas redações, embora os professores preferissem as menininhas idiotas que escreviam histórias sensíveis com letra caprichada, enquanto eu me borrava em sangue - Eu tirava 8, elas tiravam 10.
Tá lá (com uma fotinho bonitinha) no: http://www.arteepolitica.com.br/
Agora deixe-me fritar sob a hóstia da vizinhança.
Fui assistir ao "Exorcismo de Emily Rose" e descobri tudo o que há de errado comigo....
Mudando de assunto, saiu no Portal Literal uma matéria que Marcelino Freire fez sobre a escritora Ana Paula Maia. Já falei dezenas de vezes dela aqui. É minha protegida, sim, mas com mérito. Quero dizer, tem sempre esse povo que acha que a gente é protegido da imprensa, que tal escritor é protegido de outro, e pode até ser verdade, mas a questão é saber o por quê. Acha que alguém está pagando a imprensa, os colegas, por proteção? Felizmente a pouca grana que corre na literatura ainda garante certos méritos. Eu nunca tinha ouvido falar de Ana Paula Maia, recebi o primeiro romance dela aqui em casa, achei foda, escrevi pra ela, e assim começou uma amizade.
Mas enfim, melhor do que eu ficar falando de novo sobre ela é ler o perfil no Portal Literal. Vocês vão entender que, na verdade, eu só estou me preparando para ser protegido por ela e suas duzentas metralhadoras. Eu mesmo me surpreendi com o que li, porque vi a moça poucas vezes ao vivo. Vai um trecho e o link:
Passei por três, quatro escolas. Desde pequenina perseguida por professores ferozes. Aos cinco anos, queriam me expulsar da primeira escola. Lá, sobrevivi até montarem uma comissão para me dar um chute no traseiro. Fui para a escola liberal. Lá, enlouqueci. Usava um cadeado no pescoço como pingente, fazia teatro e andava com uma garota duas vezes o meu tamanho e que me defendia. Caí durante uma partida de handball. Ganhei um traumatismo craniano e uma nova escola. Mas o traumatismo não me impediu de ir ao show do Iron Maiden semanas depois. Essa nova escola era para os marginais. Lá, fui suspensa por tentativa de incêndio, beber whisky durante a aula de geografia e outras coisas.
http://portalliteral.terra.com.br/
E eu também estou na capa do site Arte e Política, com uma entrevista/perfil e um conto (que não é exatamente inédito). Como estamos em lembranças escolares, vai aí um trecho da minha:
Eu odiava a escola. Então para me ensinar a escrever uma professora teve de me seduzir com um jacaré empalhado. Haha. É verdade. Eu andava pela escola puxando-o com uma coleira. Mas sempre gostei de criar histórias, viver no meu mundinho. Sempre fui bem nas redações, embora os professores preferissem as menininhas idiotas que escreviam histórias sensíveis com letra caprichada, enquanto eu me borrava em sangue - Eu tirava 8, elas tiravam 10.
Tá lá (com uma fotinho bonitinha) no: http://www.arteepolitica.com.br/
Agora deixe-me fritar sob a hóstia da vizinhança.
05/12/2005
FUI AO MANGUE CATAR LIXO, CAÇAR CARANGUEJO, CONVERSAR COM URUBU.
Tenho lido muitas cartas de escritores. Do Rimbaud, do Mann com o Hesse, do Caio. É triste ver a vida miserável (não apenas no sentido financeiro) que todos levaram. Parece inevitável se abrir mão da felicidade quando se quer fazer arte. A gente vê a conta no vermelho, as crises afetivas, os problemas psicológicos e pensa que tudo pode fazer parte da história, da biografia. Mas no dia-a-dia, a gente quer ser feliz, quer caviar de pérolas e um lar saudável e organizado.
Quando eu entrava numa crises dessas, e permitia comentários aqui no blog, geralmente os leitores não eram nem um pouco solidários – e por que deveriam ser? O que o leitor quer é que o autor sofra overdoses, saia na mão com outros escritores, acabe se suicidando ainda jovem, lindo e desgraçado.
Talvez essa luta constante contra a crise, e a utopia de que as coisas possam ser diferentes é o que impulsiona o artista a continuar produzindo. Como o Caio, que se dizia "um escritor positivo, finalmente", quando se tornou HIV+.
É triste ver que, como escritor no Brasil, não há ninguém em quem se espelhar. Digo, os escritores que admiro não tiveram/têm a vida que eu quero ter. Então quando penso no planejamento da minha carreira, não há parâmetros de comparação (nem mesmo se pensarmos em Paulo Coelho – Deus me livre – jamais queria ter a vida dele, muito menos "a pegada").
No caso do Caio, o mais interessante ao ler as cartas é encontrar personagens que eu também conheço pessoalmente. A própria Ray-Güde, que era (é) agente internacional dele e trabalha comigo agora. Parece que eu acabo me tornando um dos personagens do livro dele, ou continuando a história de alguma forma, mesmo que eu nem me identifique tanto com ele como pessoa, ou com algumas coisas que escreveu.
Outra coisa engraçada é ver como esse meio de comunicação se perdeu. As cartas, digo. Não apenas migraram para o email, se desintegraram totalmente. No livro de cartas do Caio, o que temos são páginas e mais páginas dele contando sua vida para os amigos e colegas (talvez isso tenha substituído pelo blog, mas com bem menos direcionamento e intimidade). Você consegue formar uma biografia íntima do escritor.
Hoje em dia, os emails são rápidos e impessoais. Talvez pela facilidade de enviá-los, o que acaba aumentando muito o volume de correspondências, e diluindo cada mensagem. O próprio Nelson de Oliveira, grande escritor, certa vez reclamava comigo e com outro escritor (que não me lembro quem era), que nós enviávamos emails "muito grandes". Geralmente ele responde com duas linhas. Realmente fica difícil ler tudo o que se recebe por email (aliás, me disseram este final de semana que a produção cultural humana de 1990 até hoje já é maior em volume do que tudo o que foi produzido anteriormente, em TODA A HISTÓRIA DA HUMANIDADE).
Isso acaba nos dando a impressão de que, quanto mais alguém se torna conhecido como escritor, mais as pessoas querem sugar dele. Não, não surgem tantos trabalhos, não surge tanto dinheiro, mas surge muita, muita gente mandando contos, originais, endereço de blog, querendo dicas para publicar, querendo até mesmo nos SUGAR literalmente... (haha). Claro que encontramos algumas pérolas no meio, textos interessantes, pessoas interessantes, mas é de se imaginar que são flocos de neve numa montanha de lixo. Outro dia teve até um cara-de-pau que me escreveu pedindo dicas de publicação e depois escreveu : "me diga, por que devo ler seus livros? Não vale nenhuma resposta clichê." Para não estressar e borrar minha maquiagem, disse a ele que o melhor que eu tinha a oferecer era mesmo meus livros (mais do que meu blog) e que, já que havia me procurado, deveria ler meus livros apenas porque ganharia mais do que esperando respostas minhas por email.
Enfim, estou enxaqueca hoje. As coisas nem estão tão ruins, mas sinto como se estivessem. Deve ser TPM (ah, afinal, os homens não podem ter desculpas químico-orgânicas?).
Tenho lido muitas cartas de escritores. Do Rimbaud, do Mann com o Hesse, do Caio. É triste ver a vida miserável (não apenas no sentido financeiro) que todos levaram. Parece inevitável se abrir mão da felicidade quando se quer fazer arte. A gente vê a conta no vermelho, as crises afetivas, os problemas psicológicos e pensa que tudo pode fazer parte da história, da biografia. Mas no dia-a-dia, a gente quer ser feliz, quer caviar de pérolas e um lar saudável e organizado.
Quando eu entrava numa crises dessas, e permitia comentários aqui no blog, geralmente os leitores não eram nem um pouco solidários – e por que deveriam ser? O que o leitor quer é que o autor sofra overdoses, saia na mão com outros escritores, acabe se suicidando ainda jovem, lindo e desgraçado.
Talvez essa luta constante contra a crise, e a utopia de que as coisas possam ser diferentes é o que impulsiona o artista a continuar produzindo. Como o Caio, que se dizia "um escritor positivo, finalmente", quando se tornou HIV+.
É triste ver que, como escritor no Brasil, não há ninguém em quem se espelhar. Digo, os escritores que admiro não tiveram/têm a vida que eu quero ter. Então quando penso no planejamento da minha carreira, não há parâmetros de comparação (nem mesmo se pensarmos em Paulo Coelho – Deus me livre – jamais queria ter a vida dele, muito menos "a pegada").
No caso do Caio, o mais interessante ao ler as cartas é encontrar personagens que eu também conheço pessoalmente. A própria Ray-Güde, que era (é) agente internacional dele e trabalha comigo agora. Parece que eu acabo me tornando um dos personagens do livro dele, ou continuando a história de alguma forma, mesmo que eu nem me identifique tanto com ele como pessoa, ou com algumas coisas que escreveu.
Outra coisa engraçada é ver como esse meio de comunicação se perdeu. As cartas, digo. Não apenas migraram para o email, se desintegraram totalmente. No livro de cartas do Caio, o que temos são páginas e mais páginas dele contando sua vida para os amigos e colegas (talvez isso tenha substituído pelo blog, mas com bem menos direcionamento e intimidade). Você consegue formar uma biografia íntima do escritor.
Hoje em dia, os emails são rápidos e impessoais. Talvez pela facilidade de enviá-los, o que acaba aumentando muito o volume de correspondências, e diluindo cada mensagem. O próprio Nelson de Oliveira, grande escritor, certa vez reclamava comigo e com outro escritor (que não me lembro quem era), que nós enviávamos emails "muito grandes". Geralmente ele responde com duas linhas. Realmente fica difícil ler tudo o que se recebe por email (aliás, me disseram este final de semana que a produção cultural humana de 1990 até hoje já é maior em volume do que tudo o que foi produzido anteriormente, em TODA A HISTÓRIA DA HUMANIDADE).
Isso acaba nos dando a impressão de que, quanto mais alguém se torna conhecido como escritor, mais as pessoas querem sugar dele. Não, não surgem tantos trabalhos, não surge tanto dinheiro, mas surge muita, muita gente mandando contos, originais, endereço de blog, querendo dicas para publicar, querendo até mesmo nos SUGAR literalmente... (haha). Claro que encontramos algumas pérolas no meio, textos interessantes, pessoas interessantes, mas é de se imaginar que são flocos de neve numa montanha de lixo. Outro dia teve até um cara-de-pau que me escreveu pedindo dicas de publicação e depois escreveu : "me diga, por que devo ler seus livros? Não vale nenhuma resposta clichê." Para não estressar e borrar minha maquiagem, disse a ele que o melhor que eu tinha a oferecer era mesmo meus livros (mais do que meu blog) e que, já que havia me procurado, deveria ler meus livros apenas porque ganharia mais do que esperando respostas minhas por email.
Enfim, estou enxaqueca hoje. As coisas nem estão tão ruins, mas sinto como se estivessem. Deve ser TPM (ah, afinal, os homens não podem ter desculpas químico-orgânicas?).
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Então você se considera escritor? (Trago questões, não trago respostas...) Eu sempre vejo com certo cinismo, quando alguém coloca: fulan...