05/12/2005

FUI AO MANGUE CATAR LIXO, CAÇAR CARANGUEJO, CONVERSAR COM URUBU.

Tenho lido muitas cartas de escritores. Do Rimbaud, do Mann com o Hesse, do Caio. É triste ver a vida miserável (não apenas no sentido financeiro) que todos levaram. Parece inevitável se abrir mão da felicidade quando se quer fazer arte. A gente vê a conta no vermelho, as crises afetivas, os problemas psicológicos e pensa que tudo pode fazer parte da história, da biografia. Mas no dia-a-dia, a gente quer ser feliz, quer caviar de pérolas e um lar saudável e organizado.

Quando eu entrava numa crises dessas, e permitia comentários aqui no blog, geralmente os leitores não eram nem um pouco solidários – e por que deveriam ser? O que o leitor quer é que o autor sofra overdoses, saia na mão com outros escritores, acabe se suicidando ainda jovem, lindo e desgraçado.

Talvez essa luta constante contra a crise, e a utopia de que as coisas possam ser diferentes é o que impulsiona o artista a continuar produzindo. Como o Caio, que se dizia "um escritor positivo, finalmente", quando se tornou HIV+.

É triste ver que, como escritor no Brasil, não há ninguém em quem se espelhar. Digo, os escritores que admiro não tiveram/têm a vida que eu quero ter. Então quando penso no planejamento da minha carreira, não há parâmetros de comparação (nem mesmo se pensarmos em Paulo Coelho – Deus me livre – jamais queria ter a vida dele, muito menos "a pegada").

No caso do Caio, o mais interessante ao ler as cartas é encontrar personagens que eu também conheço pessoalmente. A própria Ray-Güde, que era (é) agente internacional dele e trabalha comigo agora. Parece que eu acabo me tornando um dos personagens do livro dele, ou continuando a história de alguma forma, mesmo que eu nem me identifique tanto com ele como pessoa, ou com algumas coisas que escreveu.

Outra coisa engraçada é ver como esse meio de comunicação se perdeu. As cartas, digo. Não apenas migraram para o email, se desintegraram totalmente. No livro de cartas do Caio, o que temos são páginas e mais páginas dele contando sua vida para os amigos e colegas (talvez isso tenha substituído pelo blog, mas com bem menos direcionamento e intimidade). Você consegue formar uma biografia íntima do escritor.

Hoje em dia, os emails são rápidos e impessoais. Talvez pela facilidade de enviá-los, o que acaba aumentando muito o volume de correspondências, e diluindo cada mensagem. O próprio Nelson de Oliveira, grande escritor, certa vez reclamava comigo e com outro escritor (que não me lembro quem era), que nós enviávamos emails "muito grandes". Geralmente ele responde com duas linhas. Realmente fica difícil ler tudo o que se recebe por email (aliás, me disseram este final de semana que a produção cultural humana de 1990 até hoje já é maior em volume do que tudo o que foi produzido anteriormente, em TODA A HISTÓRIA DA HUMANIDADE).

Isso acaba nos dando a impressão de que, quanto mais alguém se torna conhecido como escritor, mais as pessoas querem sugar dele. Não, não surgem tantos trabalhos, não surge tanto dinheiro, mas surge muita, muita gente mandando contos, originais, endereço de blog, querendo dicas para publicar, querendo até mesmo nos SUGAR literalmente... (haha). Claro que encontramos algumas pérolas no meio, textos interessantes, pessoas interessantes, mas é de se imaginar que são flocos de neve numa montanha de lixo. Outro dia teve até um cara-de-pau que me escreveu pedindo dicas de publicação e depois escreveu : "me diga, por que devo ler seus livros? Não vale nenhuma resposta clichê." Para não estressar e borrar minha maquiagem, disse a ele que o melhor que eu tinha a oferecer era mesmo meus livros (mais do que meu blog) e que, já que havia me procurado, deveria ler meus livros apenas porque ganharia mais do que esperando respostas minhas por email.

Enfim, estou enxaqueca hoje. As coisas nem estão tão ruins, mas sinto como se estivessem. Deve ser TPM (ah, afinal, os homens não podem ter desculpas químico-orgânicas?).

NESTE SÁBADO!