MINHA MANCHA EM SEU GENES, EM SEU CARRO, NOS LENÇÓIS DE SEU FILHO... (Foto: Wendy Ewald - na verdade eu estava procurando outra foto dela, mas como não achei em JPG na net, me contentei com esta...)
Puxa, eu sou um rapaz tão bonitinho, tão bonzinho, trato tão bem as criancinhas e as pessoas só querem meu ódio, meu sangue, minha pomba na ponta da espada....
Sabe como é, a gente passa o fio-dental, acaba passando do ponto, atinge a carne e quando vê já está sentindo o prazer típico das gengivas cortadas.
Daí com o sangue na boca, meu amor, não dá para ficar sem jantar.
Então sou obrigado a contar que depois de tantas polêmicas que inspirei, fui atropelado por um jovem escritor....
Jovem em termos, porque ele já veio da geração noventa. E também não tem muito cabelo.
Foi casado com uma poetisa que, devido a distúrbios alimentares, hoje se locomove apoiada por bengala.
E ele mesmo está acima do peso.
Tanto que avançou sobre mim com quilos e quilos de latarias que eu não pude moldar ao meu corpo.
Foi quando ele veio nos salvar. Enorme, reluzente, metal e borracha em movimento. Contorcendo fracassos, abraçando nosso desânimo, pressionando intenções sobre o nosso corpo. Do lado inverso, na direção contrária, ele veio. Miguel assustou-se com sua luz. Eu apenas fechei os olhos, reclinei o banco, deixei que ele avançasse sobre mim, me penetrando com violência. Gritando, o ônibus manteve-se firme até o fim. Nos esfacelamos. (de “A Morte Sem Nome”, esse trecho sempre volta para mim, como se o motorista desse marcha-ré para me esfacelar mais um pouco)
(Falando em “esfacelada”.... depois eu conto, querida, estou fazendo sua orelha, com amor.)
Voltando ao atropelamento: Ele veio reluzente. Metal e borracha em movimento.
Não, apenas um otário desavisado da Geração Noventa, com a direção numa mão e uma empanada da Wizard na outra.
Não sabe que empanada é coisa para cineasta?
E ele ainda ficou dando ré, tentando manobrar, tentando estacionar direitinho, fazer uma baliza perfeita para descer do carro e ver todo o mal que me causou. Só que enquanto tentava manobrar, fazer a baliza perfeita, ia passando mais por cima de mim, e mais por cima de mim, e mais por cima.
Foi então que, derramado na sarjeta, imaginei que o filho dele - ele tinha um filho, era o filho pré-adolescente dele que me mandava emails perni-capciosos, tentava me adicionar no Orkut e disse “ser meu fã” mesmo sem ter lido nada meu - me mandava emails perni-capciosos, tentava me adicionar no Orkut e disse "ser meu fã", mesmo sem ter lido nada meu.
"Mas um dia seu filho irá caminhar até sua estante, escondido; encontrará meu livro lá, autografado para ti; levará para o quarto dele, e para dentro; e para sempre, para nunca mais. E você nunca sentirá falta..."
É isso que eu pensava, jogado lá na sarjeta.
E enquanto o “jovem escritor Geração 90” esperava a ambulância, com o carro – Fiat Uno - estacionado direitinho, farelos da empanada que ele comia caíram direto na minha boca.
“Quer.. quer... querido, estou de regime. Mas me traga uma diet coke, que só preciso de cafeína para levantar daqui e sair voando.”
Ps – Não me venha com emails perguntando “Você está bem?” “Foi atropelado mesmo?” Acredite. Tem gente que me pergunta esse tipo de coisa.
Ps 2- Ano passado participei de uma aula na USP e um professor disse que minha literatura podia ser classificada como sado-masoquista. Veja só...