23/04/2008

ALEGORIAS APOCALÍPTICAS


Foto by Veronica Stigger.


Ah! Ah! Ah! Agora é todo dia esse terremoto que não pára, esse terremoto que me sacode, que não me acode e que me agita! Ah! Ah! Pára que eu vou vomitar!!!

Se fosse uma vez só, assim, de vez em quando, pra dar um calafrio, até que seria gostoso. Mas agora os tremores não param mais...

E está tudo previsto no meu livro novo: crianças sendo jogadas pela janela, prédios sacudindo, o novo namorado da Cláudia Gimenez... Sério. Eu já tudo previra. Vê como estou em sintonia com os tempos apocalípticos?

Na verdade, minhas imagens armagedônicas são mais alegorias dos tempos atuais. Sabe como é, quando coloco Godzilla destruindo a cidade, e um pequeno jacarézinho escrevendo num quarto de hotel, é meio uma forma de mostrar nossa insignificância - nós, escritores - como ínfimos répteis tentando conquistar alguma atenção, provocar alguma mudança, ao menos alguma reflexão, com palavras entre os dedos, com sangue entre os dentes (ou seria o contrário?); enquanto monstros gigantes, sem nenhuma delicadeza e nenhuma suavidade, estão sacudindo toda a cidade. E esses monstros podem ser os craques de futebol, os galãs de TV, as modelos de ocasião, os funkeiros e as popozudas, e as cachorras e a Madonna... Ou até mesmo as placas tectônicas, por que não?

Mas enfim, é legal ver a terra tremer.

Minha nova alegoria apocalíptica preferida eu já disse, é os zumbis, aqueles sem cérebro e sem repertório, que não parecem muito ameaçadores com seu passo lento, mas quando se juntam em milhares (e sempre se juntam em milhares) acabam fazendo um estrago. Mais ou menos como... todo o povo brasileiro.

Anyway...

Estou às voltas novamente com a adaptação de "Feriado de Mim Mesmo" para o cinema. Algumas pessoas perguntaram do projeto, eu resolvi rever o roteiro e estou novamente conversando sobre ele com a Eliane Caffé. Não sei se ela vai dirigir, o projeto nasceu com ela, há 4 anos, mas acabou se perdendo. Na verdade, eu nem sei que diretor no Brasil combinaria com isso, eu fiz o roteiro pensando mesmo no Tsai Ming-liang, hahaha. Era pra ser um filme beeeeeeeeem lento, sem diálogos, um ator só e só uma locação. E isso porque é um thriller!!! Difícil. Mas barato. Baratíssimo. Enfim, se o cinema já tivesse engrenado mesmo no Brasil o projeto poderia andar - é meu livro que mais vende até hoje. Mas eu também confesso que tenho certo ciúmes das minhas obras, e sempre examino com muito cuidado, e certo receio, qualquer possibilidade de adaptação.

Então estou relendo meu roteiro (que eu não pego desde 2005) e retrabalhando. Agora que já trabalhei mais com cinema, vejo que tecnicamente tem vários problemas (na maneira como foi descrito; roteiro tem de ser um manual de instruções, né?), mas continuo achando a proposta ótima, ousada, diferente...

Olha só um trechinho do começo...


1 – QUARTO. INT. DIA.

Silêncio. Quarto semi iluminado pela luz que entra pelas persianas fechadas. Há um armário, montes de roupas espalhadas pelo chão, uma cômoda com televisão e um colchão de casal no chão, com lençóis revoltos. Sob o colchão está MIGUEL - rapaz branco de aproximadamente trinta anos - usando uma cueca e uma camiseta. Ele se vira de um lado para o outro, enrolado nos lençóis, tentando continuar a dormir. O leve sol que entra pela persiana bate em seu rosto. Por fim ele se levanta, esfrega os olhos, se espreguiça e sai do quarto.

2 – CORREDOR PARA BANHEIRO. INT. DIA.

Miguel caminha até o banheiro. Entra e, sem fechar a porta, vai até a privada. Urina longamente de costas para a câmera. Ouve-se as gotas caindo.

3 – BANHEIRO. INT. DIA

Close do chuveiro, que também pinga levemente. Ainda se ouve em off a urina de Miguel.

De costas, Miguel continua urinando. Ouve-se ao longe sons do prédio, portas fechando, crianças brincando....


Dá pra ter uma idéia? Não, né? Hohohoho. Então leia o livro, mané. Porque o que eu queria é que o filme fosse o mais fiel possível ao livro.

E ainda quero também adaptar um dos meus livros pro teatro. Provavelmente "Mastigando Humanos". Quem sabe no futuro eu não possa relançar os livros com esses extras: "Feriado" + o roteiro de cinema, "Mastigando" + a peça de teatro. Seria legal. Mas ando com uma preguiça do meio editorial... Por isso quero trabalhar mais nesses novos formatos, cinema, teatro... Embora as histórias escritas sempre acabem me seduzindo mais e no meio do processo eu caia num novo romance... Porque o meio literário/editorial é bem frustrante, mas a literatura em si não. Só na literatura o autor tem completo domínio da obra. E deve ser bem frustrante você criar uma história, imaginar um personagem, uma narrativa, e vê-la na tela ou nos palcos de forma totalmente equivocada, na visão de outro diretor, outros atores... Enfim, é o processo, faz parte. Deve ser mais ou menos como ter filhos e querer que eles sigam nossos passos, e que torçam pro nosso time, e que nos dêem netos... É, também deve ser uma experiência frustrante...

Falando em filhos, meus meninos vão bem. Meu trabalho em "O Prédio, o Tédio e o Menino Cego" está praticamente concluido, as ilustrações do Alexandre Matos também. Agora é definir com a editora exatamente quando ele será lançado, e como será lançado. Está previsto pra agora, começo do segundo semestre.

Hoje vi uma notinha bem bacana sobre o livro no site da Vogue RG.

De trabalhos, estou traduzindo um livro meio freakshow - mágicos, gigantes e mulheres-barbadas - bacana. Saiu também - e está sendo bem elogiado - o livro da Claire Messud que traduzi pra Nova Fronteira: "Os Filhos do Imperador". Eu confesso que ainda não vi o livro pronto, ainda não chegou na minha casa.

Chegou um dos juvenis que traduzi pra Record, "Pão de Mel", da Rachel Cohn, que é bacanérrimo, principalmente pras meninas. Aliás, a Record vem publicando coisas beeeeeeeeem bacanas em juvenis - juvenis de fato - modernos, soltinhos, extensos. Recentemente li "Tão Ontem", do Scott Westerfeld, sobre uma dupla de detetives fashion contra terroristas de tendências. O livro tem uns valores capitalistas meio nojentinhos, e o protagonista é gay demais em comportamento para ser heterossexual (ou pelo menos para não ter sua sexualidade questionada em momento algum do livro), mas de qualquer forma, é um livro instigante, bacana, que se comunica de fato com os jovens, e isso tá muito em falta. (A tradução desse não é minha, é do Rodrigo Chia, mas tá ótima. Só discordo - e não sei se é questão de padrão da editora- quanto a alguns termos muito cariocas da versão em português, como traduzir "cool" por "maneiro". "Maneiro" é carioca demais, eu manteria "cool" mesmo, qualquer adolescente que lê um romance desses, de mais de 300 páginas, sabe - e usa- muito bem o termo cool. E qualquer paulista não acha nada "cool" qualquer coisa que seja "maneira").

Veja só, os passarinhos já estão cantando.

Vou nessa. Nem comentei o filme novo do Wong Kar Wai, "Um Beijo Roubado", que vi há tempos. Achei bonitinho. É engraçado como um filme dele falado em inglês e rodado com atores ocidentais vira uma comédia romântica low-profile. Não tem a imponência dos anteriores. Mas deve ser psicológico. E o filme é bem bom.

Ah, sim, e ingresso pro show do Rufus já comprei, claro, há tempos também. Mesa encostada ao palco.

Beijos.

PS - Hum, já disse. Senti mesmo o terremoto. Foi bem louco (sinistro, irado, maneiro). Fiquei esperando em seguida os rugidos de algum monstro que pisoteava a cidade. O que, para minha decepção, obviamente não veio.

NESTE SÁBADO!