10/05/2008

HERÓIS DE CARNE E OSSO


Rufus, como eu o vejo.


Acabei de voltar do show do Rufus Wainwright em SP. Vi da primeira fila. Maravilhoso, mas eu não gostei. Eu adorei, mas foi meio chato. Hum, sei lá. Eu estava quase desistindo de ir. Não gosto muito de show, e quando gosto demais de um artista acho meio deprimente ir numa noite e só. A gente vê tanto pelo DVD, YouTube, etc, que a expectativa criada em torno de um show ao vivo pode ser meio frustrante, sei lá.

Não foi. O show foi exatamente o que eu esperava. E exatamente como estar assistindo um ótimo DVD, uma ótima performance dele. Talvez com a diferença de estar sentado ao lado de gente esquisita, de não estar no conforto da minha casa, de não ter um bom drinque e de não poder pular as faixas que eu não gosto. Enfim, não gosto de shows. Mas foi bom. O melhor, claro, são as surpresas, como a mãe dele, Kate McGarrrigle, cantando “Manhã de Carnaval”, num português bizonho. Foi lindo. A abertura de Martha Wainwright, irmã dele (com o Via Funchal ainda vazio) também foi bacana, embora ela seja folk demais (e o Rufus seja muito mais operístico, standard-jazz e tudo mais).

Agora, não superou (é claro) os dois maiores shows que vi na vida: David Bowie e Marina Lima no Auditório no Ibirapuera (hum... vamos deixar claro, foram dois shows distintos, Bowie não cantou com a Marina, ok?).


Resumindo, Rufus fez um show sem surpresas, e talvez intimista demais para o tamanho do Via Funchal (mesmo para quem, como eu, estava vendo de perto). Mas provou que é bom. Que é foda. Que é igual seus cds e DVDs. É isso.

Como esta foi uma semana cultural (e de encontrar meus heróis ao vivo), na quarta, fui assistir à palestra do Paulo Henriques Britto – grande poeta, grande tradutor, excelente contista - no Barco. Grande poeta, grande tradutor, excelente contista (novamente), e alguém que há um bom tempo eu queria conhecer. Já havíamos trocado alguns emails breves, e agora foi a oportunidade perfeita. Na palestra ele falou bastante do trabalho dele como poeta, como tradutor, um pouquinho sobre seus contos. Seu volume “Paraísos Artificiais”, lançado pela Cia das Letras, em 2004, é um dos meus livros de contos favoritos. E achava engraçado que, como poeta, Henriques Britto tenha um foco tão racional, estrutural, objetivo (o que o fez se definir como “poeta das coisas”), enquanto que como contista ele consegue ser tão subjetivo, afetivo, por vezes até etéreo (hehehe). Na palestra, ele chamou atenção para o fato de a maioria de seus contos terem sido escritos quando ele ainda era bem jovem, vinte e poucos anos; “hoje eu não conseguiria escrever essas coisas” – disse ele, reafirmando aquilo que eu sempre digo, que o escritor jovem pode trazer à luz algo que o escritor maduro perde.

Foi ótimo também estender a conversa com ele num jantar em seguida. Paulo Henriques é um grande, grande tradutor. Do ponto de eu ler um livro – quando eu ainda não o conhecia como poeta – traduzido por ele e me espantar: “isto aqui parece literatura brasileira.” Já traduziu quase 100 obras (a maioria para a Cia das Letras) e hoje pode ser mais seletivo nos trabalhos. Me contou que devido a problemas que teve pelo excesso de digitação, hoje faz todos seus trabalhos oralmente (!), dita tudo a um programa que transcreve direto para a tela. Para um poeta, isso deve ser incrível, deve trazer uma nova musicalidade aos versos.


Fábio, eu, Paulo Henriques Britto (ei, não estamos bêbados não).



Eu, como tradutor aprendiz (que não chego aos pés dele, admito, mas que gosto do ofício e tenho um longo chão a percorrer) pude debater pessoalmente algumas questões e paradoxos:

- Que palavras/expressões num texto podem ser mantidas na sua língua original? O que necessita de nota de rodapé? Até que ponto o tradutor pode/deve melhorar um livro mal escrito?

- Por dominar outro idioma, qualquer tradutor prefere (e recomenda) ler as obras em sua língua original. Desta forma, ele no fundo desaconselha a leitura de seu próprio trabalho, e está supondo que seu leitor seja menos preparado do que ele. Isso não é paradoxal?

(Paulo Henriques ainda me colocou que “a única pessoa que pode avaliar o trabalho de um tradutor é quem não precisa dele”.)

Podemos ainda trocar alguns causos da profissão. Enfim, foi uma noite bem bacana. Só me decepcionou um pouco ver que ele não tem planos para escrever mais prosa num futuro próximo.

E para terminar... Assisti “Homem-de-ferro”. Legal, né? Legal. Marvel de segundo escalão, claro, mas legal. Robert Downey Jr. está ótimo, charmoso, meio escroto, bem bacana. Só senti falta de um pouco mais de Homem-de-ferro (o herói), mas talvez isso seja bom. Talvez isso seja função do filme, deixar um gostinho de quero mais; melhor do que não agüentar até o final.





"Tam-tam-tamtamtam!" (isso é pra ser a onomatopéia da base de guitarra do Black Sabbath).


Que mais?





Bianca Bertolaccini e eu, no Loveland, depois do show do Rufus (por que eu tenho sempre essa cara de cínico ou de idiota?).


Eu só sei que as crianças continuam passando fome. Os velhos continuam sem dentes pra mastigar. E adolescentes anoréxicas vomitam em solo infertil sementes de macieiras que poderiam render o papel que imprimiria o romance do século. O romance do século! De qual, eu não sei - porque este nós já sabemos que não chegará ao fim.


NESTE SÁBADO!