Foto: Pierre & Gilles (e seu assistente-fetiche Tomah - Le Petit Mendiant, 1992)
Nesta semana, o artista plástico Mauricio Ianês começou a performance “A Bondade de Estranhos”, na Bienal do Vazio. A idéia é ele viver como uma instalação, até o final da próxima semana, dentro do Prédio da Bienal - dormindo lá, comendo lá - sobrevivendo apenas da “bondade de estranhos.” Ele começou a performance nu, mas aos poucos vai ganhando presentes dos visitantes. Segundo a Folha de São Paulo, no dia da estréia ele já tinha ganho uma camiseta, uma torta de frango, uma garrafa d'água e um “amigo imaginário”...
Que estranho...
Ianês, numa de suas performances anteriores.Que estranho...
Acho esse um ótimo exemplo de arte conceitual bem aplicada. Tem um conceito forte por trás, e está demonstrando de maneira mais incisiva e poética do que se fosse descrito como um texto - ou retratado numa pintura, ou cantado numa música. É uma performance que de fato materializa um conceito artístico, e ainda assim nem precisa ser vista para fazer sentido (ou para ser compreendida como arte).
Você pode ir na Bienal até domingo (da semana que vem) fazer parte e levar alguma coisa para o Maurício. Eu não posso porque não sou “estranho” o suficiente. Não sou amigo do Maurício, mas gosto dele, fizemos um trabalhinho juntos para a Zapping, ano passado. Uma das regras da performance é essa, que ele só pode aceitar coisas de quem não conhece. Então é bom avisar, divulgar, senão o menino morre de fome por lá!
(Ah, gosto tanto desse conceito de "Bienal do Vazio", principalmente porque você nem precisa ir pra fazer parte... Aliás, é melhor não ir, se quiser preservar o vazio.)
E essa performance tem muito a ver com o que eu andava falando, dos “mendigos culturais”, um pouco do que trata a peça “Artistas!” e de muita coisa que ando pensando.
Ainda mais porque acabei de traduzir um livro de mendigos-mendigos (ou “garotos de rua”) beeeeeeeeeem bacana. História de duas crianças que fogem de casa e têm de sobreviver nas ruas; aquela coisa “como nascem os anjos”, para mostrar que “mendigos somos nozes” ou humanizar os trapos que vemos pelas ruas, mas sem babaquice, sem ser panfletário, ainda que o livro seja essencialmente juvenil. Assim que sair o livro, coloco o serviço aqui.
As traduções continuam me contaminando, é impressionante. Sempre sou influenciado pelo que estou traduzindo – na época que traduzi um livro sobre um cara que abre uma loja de donuts, engordei uns cinco quilos – agora fiquei convivendo com esses meninos de rua e, ao invés de eu me sentir rico, protegido e privilegiado na minha casa, ficava olhando as contas que deslizavam por baixo da minha porta e me sentindo o mais favelado dos favelados.
Meu cabelo até encrespou.
Haha. Incorreções política à parte, o antídoto tem sido outro livro juvenil em que tenho trabalhado. Desta vez como AUTOR. Pois é, comecei agora a escrever um juvenil, mas juvenil para adolescentes mesmo, para ser um romance grandinho, soltinho, meio trash – não muito diferente do que venho fazendo nos meus romances “adultos”, na verdade, mas direcionado especificamente para a petizada.
Vamos ver, na verdade eu queria escrever uma espécie de Harry Potter emo-gótico, para ganhar muito dinheiro com essas novas gerações e ir morar na Finlândia, mas eu começo a avançar no texto, já sinto que o livro é meu filho, já fica uma relação pessoal e fode tudo. Não consigo escapar de escrever com honestidade.
Por isso continuo mendigando...
...acho que meu próximo livro vai chamar “Mendigando uns Mangos”.
“O Prédio, o Tédio e o Menino Cego” ainda não tem muitas novidades. Estou mudando de editora, vocês sabem, não vai mais sair pela Nova Fronteira. Então tenham paciência e (principalmente) dó de mim e aguardem que, quando eu puder, eu aviso sobre o lançamento.
(Hum, revendo a foto acima, relembro aquela frase clássica do Wilde: "Estamos todos na sarjeta, mas alguns olham para as estrelas" - será que era essa a proposta da foto? Sendo Pierre & Gilles quem são - e principalmente O QUE SÃO - imagino que sim.)