08/06/2009

MINHA VIDA DE VAMPIRO


Aqui em casa.


“O apartamento estava vazio há quase seis meses. Ninguém entrava e ninguém saía, ao menos. As janelas sempre fechadas. A luz sempre apagada. Nenhum barulho, apenas ruídos, ruídos que não garantiam certeza se havia realmente alguém por lá, se era uma barata solitária ou os canos dilatando por duchas e descargas alheias. Ninguém poderia reclamar. Ninguém poderia reclamar da falta de barulho, da falta de movimento, da economia de energia elétrica, daquele vazio que poderiam chamar de vizinho. Mesmo porque, o condomínio continuava sendo pago em dia. Não havia motivos oficiais para queixas. Mas todos suspeitavam...”

Quisera eu dormir num blackout....

Quem dera eu pudesse sonhar pelas trevas...


Oh!

Digo, devaneios góticos à parte, sempre sonhei com um quarto que pudesse amanhecer num breu total, já disse aqui. Janelas que vedassem totalmente a luz do sol, para os dias de ressaca, para as paredes manchadas por jatos...

(Sou o único rapaz sexualmente ativo que tem problema de jatos manchando a parede?)

Então, neste final de semana, o adolescente aqui de casa quebra minha persiana e me obriga a dormir como sol derretendo minha cara. A luz diluindo meus sonhos. Os cupins devorando meu cérebro (já que faltam mosquitos aqui na Bela Vista)...

Foi só um acidente, eu sei, facilitado pela lenta e persistente ação dos cupins. Acabou partindo as vigas da minha persiana, que se esmigalharam em serragem, pregos e poeira, num sábado à noite. Acabamos conseguindo descer a bagaça de novo. Mas agora meu quarto está preso na semi-escuridão permanente. Não sobe nem desce. Não clareia nem escurece de vez. Dá para dormir no dia-a-dia, mas continua me perturbando pela ressaca e pela foto-depressão.

Detalhe: Adesivo de Nossa Senhora colado por antigo morador. Tentei evitar que descolasse prendendo o adesivo da "Associação dos Criadores de Lobisomens - de Joanópolis" na ponta, mas acho que recorrer a lobisomens para proteger Nossa Senhora não foi uma boa idéia.


E veja só o que não é o acaso:

Neste final de semana também recebi O Livro Vermelho dos Vampiros, organizado pelo grande (dândi sósia de Salvador Dali), Luiz Roberto Guedes, com belíssimas ilustrações de Manu Maltez (que também ilustrou Rasif, do Marcelino Freire), e contos e crônicas de vários contemporâneos, como Índigo, Andréa del Fuego, Marcelo Coelho, Moacyr Moreira e Martha Argel.

Eu estou entre eles. O parágrafo de abertura deste post é do meu conto que está lá, Catorze Anos de Fome, que trata exatamente de janelas fechadas, adolescentes e sugadores de sangue (na falta de cupins). Eu digo que minha vida imita minha arte. Vai mais um trecho:

"Os horrores estavam por todos os lados. Os horrores estavam por todo o bairro, para quem quisesse provar. Os traficantes da rua de baixo. As prostitutas do prédio ao lado. Os sem-teto que invadiram um cortiço, as mulheres, os maridos, os gritos de quem não tem hora para se calar. Todos tinham algo a dizer, todos tinham algo a mostrar, mas o horror maior estava no que não podiam ver, naquilo que nem podiam imaginar, ou que não queriam admitir, que não queriam aceitar. O apartamento vazio. Uma casa sem lar."

A versão do conto presente na antologia é uma versão antiga. Eu dei uma revisada nos últimos tempos, mas a antiga continua valendo (como um bom rascunho) e o livro tem vários motivos melhores para você conferir.

Inseto-vampiro por Manu Maltez.
Lançamento oficial semana que vem, dia 18, quinta-feira, no B_arco. Vai aí o convite:



NESTE SÁBADO!