31/01/2010

PITUS E PITÉUS

Era uma lenda da Praia, sim, lenda que as mães contavam para assustar os filhos: “Se ficar brincando até tarde na praia, o Homem-caranguejo vai te pegar.” “Pára de comer porcaria, ou vai virar um homem-caranguejo.” Mas o que poucas crianças sabiam é que o Homem-caranguejo realmente existia. O Negro, que ficava até tarde na Praia, sempre o via. Quando caía a noite, ele vinha dançando, com suas longas garras, seu corpo disforme...

Não! Não! Isso não é um caranguejo! Nem um homem-caranguejo! Nem um camarão. É um pitu, camarão de água doce da minha infância bittersweet.

Lembro de minhas férias de infância em Ilha Bela. Meu tio tinha casa lá e a gente ia caçar pitu de noite, nos riachos. Era levar uma lanterna, um arpão, iluminar a água para ver os olhinhos crustácicos brilhando. Era um brilho no olho de deslumbramento para morrer. "Amo a ti e teu facho de luz, então perfuras-me com teu arpão..." Hum, mais ou menos isso. A questão é que matávamos o pitu e comíamos sem nenhum amor em especial.

Então nesse final de semana resolvi preparar com todo amor um risoto de pitu. (Aproveitando, lógico, o arroz arbóreo que sobrou de Parati.)

Olha que bonito o bicho.


Prepara-se como se prepara qualquer risoto (que já dei receita aqui). Claro, compra-se com a casca, porque qualquer crustáceo sem casca perde o sabor. No Pão de Açúcar (merchandising espontâneo) compra-se o quilo de pitu (com casca) por 30 reais. Um quilo é pouco (porque você vê que é um bicho com exoesqueleto forte, garras, etc). Mas para duas pessoas, rende um risoto. Limpe, tire a carne (que quebrando a crosta sai facilmente), tire a meleca da cabeça e jogue rabo e garras numa panela com água para ferver. Acrescente na fervura gengibre, caldo de legume e um pouquinho de caldo de peixe. Isso é o molho para umidecer o risoto. O arroz, como sempre, eu faço com manga, cebola, palmito pupunha, e champagne.

Uma boca para a manga, cebola e pitu; uma boca para o arroz, uma boca para a caldeirada de cascas de pitu.

Esse ficou mega bom.


Não posso mostrar quem comeu meu pitu (ops!) porque é um ex-namorado que é mega celebridade no Japão (sério!) e está passando férias aqui. Mas no Japão não tem pitu não.


Falando em pitus (e mudando de assunto), vi no blog do querido-amigo-pitéu-pornostar Andy O'Neil um aplicativo dos mais curiosos e bizarros: um programa que você baixa para o celular, preenche com seus dados, seu perfil, preferências e se torna uma espécie de GPS gay... Ou seja, seu celular avisa sempre que estiver perto de outros conectados ao serviço, formando uma espécie de gaydar literal.

Do blog dele (que ontem estava fora do ar):

[Um dos meus vicios] é o programa gay pra iPhone “Grindr”, super básico, fácil de usar e absurdamente viciante. Você não precisa se cadastrar nem nada, apenas instalar e preencher os dados para o seu perfil e escolher uma foto bacana, que vale lembrar não poder ser “muito sexy”. Eu já fui deletado cinco vezes! Mas eles deixam você começar outro perfil, desde que seja uma foto comportada. Perfil pronto é hora de descer para o playground! O programinha mostra, usando o GPS do iPhone (também funciona no iTouch com wi-fi) os meninos próximos a você! Ai é só clicar na foto e começar a bater-papo. O barato do programinha é descobrir a galera que está por perto. E pra onde eu vou agora, assim que chego eu dou uma olhada pra ver quem tá na área. - http://mixbrasil.uol.com.br/blogs/andy


Além das pegações, penso que será uma tendência para os sites de relacionamento como um todo (imagine seu celular apitando sempre que você cruzar na rua com alguém adicionado ao seu Orkut ou Facebook). Essa coisa gay só não vai funcionar aqui pela Frei Caneca... Imagino que meu celular vá sobrecarregar por aqui...


Eu e Andy, mês passado, na passagem dele pelo Brasil. (Ei, não foi ele quem comeu meu pitu não!)

28/01/2010

CRÍTICA MORDAZ

A arte de Damien.

Há alguns meses eu zapeava quando vi uma interessantíssima entrevista na Globonews sobre o vazio do mercado de arte contemporânea.
Já conhecia o entrevistado de algum lugar. Quando apareceu a legenda, vi que era Luciano Trigo, jornalista que me entrevistara recentemente para sua coluna no G1 (Dá pra ler minha entrevista aqui: http://colunas.g1.com.br/maquinadeescrever/2009/08/09/um-romance-sobre-adolescentes-e-zumbis/ ) e ele falava sobre A Grande Feira, recém-lançado livro de sua autoria que traz “uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea,” num longo ensaio sobre o tema.

Comprei pra mim. Comprei pro Fábio. E fui ler só agora, nas minhas férias em Parati. (E furou a fila do seu, ok? Seus originais ainda estão na mesa para eu ler...)

É um livro bastante curioso e corajoso por expor os mecanismos de especulação que dominam o mercado da arte atualmente. Aquela coisa de, com o fim da pintura, o fim da escultura, qualquer coisa pode ser arte, basta a intenção do artista (que não precisa nem ser realizada com sua própria mão), e assim perde-se parâmetros de valor estético e mercadológico, deixando a arte sujeita à total especulação, as relações de poder e inserção social do artista.

Bacana. A crítica.

Sou um semi-leigo, estou longe do mercado de artes plásticas, mas próximo de alguns artistas. Filho de um, inclusive; meu pai é um artista plástico que já teve seu boom nos anos 70/80 e hoje está praticamente fora do mercado.

Arte de papai.


O principal problema do livro, ao meu ver, é sua visão excessivamente parcial, à serviço da crítica. Luciano chega a escrever: “Hoje não há criação que não seja determinada pelo circuito institucional-mercadológico de consumo, numa redução total da arte à condição de mercadoria.” Aí, além do problema da generalização, há a hipervalorização do mercado, que acaba sendo contraditória com a crítica do livro em si.

Luciano ataca o mercado, mas dá valor excessivo a ele, como se não fosse possível ao artista viver e criar fora dele. É o que eu sempre digo aqui: a escolha do objeto da crítica já confere uma importância a ele. Eu não perderia tempo aqui chochando o Big Brother, porque simplesmente não me interessa, não assisto, para mim é irrelevante e eu nem teria o que dizer. Se muitos artistas que Luciano coloca lá são irrelevantes... são irrelevantes, e ele acaba dando mais força a eles colocando-os como a única força no mercado.

Já o mercado de arte é importante, claro, mas talvez não tanto hoje em dia. Luciano trata tudo como se ainda vivêssemos sobre o domínio supremo da cultura de massa; e se há uma coisa que os artistas conquistaram de dez anos para cá foram possibilidades.

Os canais a cabo, a Internet e o caralho criaram novos nichos. Acho que os jornalistas foram os principais afetados com isso (para o bem ou para o mal), mas também repercutiu em diversas artes - como os escritores com o blog, fotógrafos com Fotolog e, claro, os artistas plásticos. Hoje em dia, qualquer um pode divulgar seu trabalho, não apenas colocando sua obra na rede, mas avisando através dela quando se dará determinado evento, determinada exposição (que pode acontecer numa galeria badalada, na garagem do artista ou no salão de festas do Mcdonalds). Não há mais esse poder centralizador da “mídia de massa” de informar, divulgar, propagar.

Pode-se colocar então que o artista pode se promover fora do mercado, mas não pode sobreviver muito tempo sem ele.

Isso também não é verdade. Ao meu ver, hoje os artistas plásticos sobrevivem da mesma forma que sobrevivem os escritores. O mercado de literatura pode ser dominado por esoterismo e auto-ajuda, mas ainda publicamos nossos livros, e isso gera convites para palestras, para fazer traduções, críticas em jornal, textos em revistas. Eu vivo há alguns anos de literatura – mas não necessariamente dos meus livros – e não me lamento, acho que essas outras atividades são prazerosas e importantes inclusive para meu desenvolvimento como escritor. Estou falando de mim, mas assim vivem também quase todos os outros escritores que conheço, vivem de literatura e seus derivados (Marcelino Freire, Ana Paula Maia, Ronaldo Bressane, Cristiane Lisboa, Índigo, Andrea Del Fuego, João Paulo Cuenca, Daniel Galera, Joca Terron, Nelson de Oliveira...)

O mesmo acontece com os artistas plásticos. Ao contrário do que diz Luciano, os meninos ainda estão pintando, os meninos ainda estão esculpindo, os meninos também criam instalações, happenings e sobrevivem, independentemente do mercado. Todos os jovens artistas plásticos que eu conheço sobrevivem fazendo ilustrações (para livros, jornal, revista, publicidade) ou trabalhos de design. Eles precisam ter técnica para fazer isso, e acredito que, por mais sacais que esses trabalhos possam ser às vezes (eu também traduzo muita porcaria), eles aprendem muito sobre arte em si.

Inclusive, talvez o artista aprenda mais realizando trabalhos encomendados do que guiado apenas por sua “arte pessoal.” (Eu com certeza aprendo muito sobre escrever traduzindo, lendo, tendo de fazer pareceres de livros horríveis.)


Arte de Alê.


Os jovens artistas com que eu mesmo trabalhei - na ilustração dos meus livros e matérias que escrevi para revistas e jornais – eu conheci através de trabalhos na internet (Marco Túlio, Alexandre Matos e... LeStrange, com quem pretendo trabalhar num próximo). Eles já tinham seu público lá - admiradores, seguidores e fãs - mesmo que não estejam presos dentro das grandes engrenagens da arte. E eles me conquistaram simplesmente pelo trabalho (Marco Túlio, inclusive, que ilustrou “Mastigando,” mora em Ribeirão Preto, e nos encontramos pessoalmente duas ou três vezes) e receberam pelas ilustrações que me fizeram. Com o Alê eu inclusive fiz uma instalação na Mostra SESC de Artes 2008, veja só (e recebemos por isso). Como se pode dizer então que tudo é ditado e condenado por um grande mercado?

Arte minha e dele.


Em A Grande Feira há um negativismo inflexível. Luciano Trigo critica, e apenas critica, praticamente não há ressalvas. Por exemplo na passagem: “A própria contestação se transformou em mercadoria, como na moda e na música pop.” Seria essa uma realidade necessariamente negativa? Penso se quem viveu períodos de repressão não pode ver essa como uma situação dos sonhos – contestar, e ainda ser muito bem pago para isso? Concordo que vivemos tempos cínicos, e que se pode ganhar dinheiro diretamente das mãos de quem pretendemos atingir, mas eu não vejo isso de forma exatamente negativa.

Basta lembrar que eu passei a ser convidado a palestrar em universidades, ser tema de teses e trabalhos de conclusão de curso exatamente quando... passei a chochar descaradamente o mundo acadêmico (em “Mastigando Humanos” – o lançamento do livro no Rio de Janeiro foi inclusive na PUC, dentro de um seminário sobre realismo.)

Ok, admito, sou um cínico.

Mas isso não é hipocrisia, é uma característica da arte e do mercado atual aceitar a auto-crítica (e até a auto-depreciação), e eu não acho isso nada negativo. (Luciano Trigo não deu uma entrevista criticando o mercado na Globonews? Não tem uma página dentro do portal da Globo na Internet?)

As análises do livro também são feitas por um prisma que considero bastante antigo. “Artista de esquerda”, “artista de direita”, isso ainda existe? Não é questão de ser niilista ou apolítico. Acho que o relativismo em que a arte mergulhou dos anos 80 para cá não permite mais enquadrá-la nesses termos. Trabalha-se mais no terreno das POSSIBILIDADES do que no das CERTEZAS e isso permite que a arte seja mais pessoal, mais íntima, menos coletivista (o que não significa “apolítica”).

Luciano Trigo aponta que determinadas idéias, como valem apenas como idéias, nem precisariam ser executadas, o artista poderia apenas escrever sobre elas. Bem, talvez isso aconteça, e talvez alguns desses artistas se tornem... ESCRITORES, ou talvez algumas performances (ou happenings) sejam transformadas em espetáculos teatrais. Se essa definição de “o que é arte” não é mais possível, também não se pode limitar o mercado da arte como sendo apenas o mercado de artes-plásticas de elite – o mercado da arte também está na Rede Globo, nas editoras de livros, nos teatros de shopping ou na Praça Roosevelt, e por que não na internet?


Arte de Michel.


Outro problema do livro – esse mais de edição – é que o texto se torna repetitivo e redundante, não só pelas idéias (resgatadas de forma exaustiva), mas pela repetição até de frases inteiras (Luciano apresenta e reapresenta algumas obras de arte - por exemplo A Thousand Years, de Damien Hirst - diversas vezes, usando as mesmas palavras.) O livro merecia ter sido revisto e editado com bem mais cuidado.

Dito tudo isso, é um livro interessantíssimo. Aliás, que livro que li recentemente que me provou tamanha reação aqui no blog? A Grande Feira cumpre muito bem seu papel, gerar uma reflexão, uma discussão, seja concordante ou discordante, com a coragem de gritar “O Rei está nu!”




26/01/2010

PARTI PRA PARATI

Na estrada.


Aqui em São Paulo foi feriado e mais uma desculpa para eu fugir. Parati. Convite do grande amigo Marcelino, numa pousada afastada, no meio da mata, grande, deliciosa e tecnologicamente isolada.

O pouso (www.pousadaviladamata.com.br)

Choveu bastante. O que por um lado foi bom, porque consegui trabalhar, ler e escrever. Mas ainda rolou uma cachoeira, uma praia rapidinho, ótimos almoços e jantares, e eu não pintei e bordei, mas cozinhei.


A cachoeira era literalmente do lado do meu quarto. Dormir com aquele barulho é gostoso, mas na verdade é exatamente idêntico a um barulho de ar-condicionado.



Ciça, a dona da Pousada, e Marcelino, na praia.

Ursola prova e aprova minha caipiroska de lichia.



A leitura da viagem foi "A Grande Feira," do Luciano Trigo, um ensaio crítico sobre o mercado de arte contemporânea. Logo logo escrevo sobre o livro aqui.


Eu resolvi fazer um risoto de camarão em condições restritas.... (não, não, não estou falando da cuequinha, estou falando do fogãozinho com duas bocas e panelinhas meia-boca).



Mas o arroz é arbóreo e cozinho com CHAMPAGNE, ok?



Enquanto cozinho, Marcelino me lê um conto inédito e arrebatador. (Aliás, Marcelino me sacudia no meio da noite gritando "encontrei minha voz! encontrei minha voz!" e eu: "Enfia essa voz no meio do seu cu!")



O risoto ficou pronto... Mas devo dizer que não ficou lá essas coisas... Já fiz melhores (e já dei a receita aqui, é só vasculhar nos arquivos.) A culpa foi do camarão de Parati, que não é como o de Florianópolis, sinto dizer...

O jantar de primeira foi feito por um anfitrião argentino.



E meus filhos brincam no mar.... "Pensei em transar com Miguel ali mesmo, meu garçom. Me serviria. Seria assim que eu engravidaria e teríamos filhos correndo em direção à praia. Assim seria, abriria as pernas, eles sairiam, em direção ao mar. Que bonito. E minha risada alta e sonora soou vil e cínica." (Isso é meu, e antiiiiiiiiiigo - está fazendo dez anos!- mas eu ainda me lembro, eu ainda consigo...)


Em Parati eu não moraria, devo dizer. É bonito, mas tem algo de estranho por lá. Diria que tem uma "energia negativa," se eu acreditasse em energia. Talvez por isso que eu não tinha voltado desde... a primeira Flip. Desde aquela Flip que participei...

(Quando eu estava na cachoeira, inclusive, nem consegui me entregar a pensamentos bucólicos - o que me ocorreu foi uma citação do "Anticristo" do Lars Von Trier - "A Natureza é a Igreja de Satã.")

Mas talvez haja mesmo algo de literário nessa energia. E o melhor de tudo é estar na companhia do Marcelino, grande escritor, amigo, essencialmente um irmão mais velho (bem, bem mais velho...) sempre com bons conselhos, puxões de orelha, dando força quando eu mais (e menos) preciso. Eu não posso apenas dizer que devo muito a ele porque TODA a classe literária contemporânea deve, pelos eventos que promove, os nomes que faz circular. E mesmo quem não participou diretamente de algo organizado por ele se beneficiou dessa exposição e abertura que ele (e não só ele, mas principalmente) criou para os autores contemporâneos e as novas gerações na mídia, nas editoras, nos eventos literários.

(BTW: Marcelino também foi o primeiro dos "novos autores" que eu li, lá em 2000, quando eu ainda torcia o nariz para os contemporâneos. Nos conhecemos pessoalmente, veja só, em 2003, na primeira Flip. E em 2008 eu escrevi o prefácio do quarto de livro de contos dele, Rasif...)


Marcelino... acho que com essa homenagem fecha-se um ciclo. Agora um de nós teria de morrer...

22/01/2010

SEM CANSAR...



Deixo vocês com este clássico aqui de casa. Para mim eles são melhores do que os Beatles, Chico, Caetano e Bethânia... somados.

Vai enchendo linguiça aí enquanto viajo (de novo) pra Parati.

Volto semana que vem. Patty-beijo.

20/01/2010

BEIJOS PERDIDOS NOS LÁBIOS TEUS...


Morreu ontem, de câncer, aos 63 anos, Kate McGarrigle, cantora canadense de folk e mãe de Rufus Wainwright.



Quem é fã de Rufus, como eu, e conhece bem seu trabalho, já viu diversas participações de Kate, no piano e voz. Ele escreveu em seu site: "Nos últimos três anos, ela assistiu ao casamento da filha, à criação da minha primeira ópera, ao nascimento do seu primeiro neto, Arcangelo [filho de Martha Wainwright, irmã de Rufus], e realizou a maior atuação da vida em Londres, num Royal Albert Hall completamente cheio."

Eu sempre achei Kate fofíssima... Ela inclusive passou pelo Brasil com o Rufus em 2008. Ao meu ver, o ponto alto do show que ele fez por aqui foi quando ela cantou "Manhã de Carnaval", de Luiz Bonfá e Antonio Maria, num português bizarro, mas muito bem intencionado. Emocionante. (Rufus a apresentou e disse que ela iria cantar uma música em português. Brincou que era "The Girl from Ipanema", depois mandou o povo relaxar, que seria outra.)

Eu estava revendo dia desses no Youtube, por isso fiquei mais sentido com a notícia. (A qualidade não está lá essas coisas, porque foi gravado por um espectador, mas serve como registro.) Dá pra ver aqui:


12/01/2010

ENTREVISTA




Essa eu gravei para o site Saraiva Conteúdo, há pouco mais de um mês.

No site também tem um artigo bacana: http://www.saraivaconteudo.com.br/artigo.aspx?id=186

07/01/2010

E PARA QUEM ESTÁ NO CAMPO...

Continho meu publicado na revista... GLOBO RURAL de dezembro. Inusitado, não?

A VACA SAGRADA

No pátio, o churrasco. Cerveja, maionese, Ivete Sangalo. Douglas não gosta. Afasta-se dos adultos caminhando pelo campo, soprando um dente-de-leão. A barra do jeans se enche de picões. Ele olha para o céu esparsamente nublado. As formas das nuvens que não lhe contam histórias. Olha para a cerca à frente e se aproxima das vacas.

O filho do caseiro junta-se a ele. Bem mais novo e muito mais preparado para a vida. As mãos já ásperas, partidas, perfuradas de espinhos. Pergunta: “Quer andar à cavalo?” Douglas balança a cabeça. O filho do caseiro se afasta.

Na frente da casa, Tia Berenice começa a se perguntar se bebeu demais. O primo Gustavo tem medo de que a família esteja envergonhando sua namorada. Sua mãe ajuda a lavar os copos, os pratos, e nem sente a distância do filho. Até que a cunhada pergunta: “Por que o Douglas está lá sozinho?”

A mãe levanta os olhos, vê pela janela o filho perdido no campo e suspira. É sempre assim. “Ele é assim,” suspira, “adolescência.”

Tio Otávio vem até a cozinha procurar um copo limpo. Ajeita a calça para baixo da barriga estufada. “Deixa que eu vou falar com o menino. Ele só está deslocado. Eu também já fui assim.”
E a mãe de Douglas gostaria de acreditar. Gostaria de saber que aquilo é apenas uma fase, mas sabe, sabe que talvez aquilo nunca vá mudar. E que seu filho estará sempre distante, perdido, longe do que ela toma como festa e do que lhe imaginou como destino.

No pasto, Douglas observa uma vaca malhada, ruminando. Olha olhos nos olhos e não vê nada naquele olhar. Olhar bovino. A vaca não fala. Nada lhe diz nada. Ele sabe o quanto é inteligente e ainda assim acha que o mundo não tem sentido.

Tio Otávio se aproxima. Lhe desperta. Traz um pedaço de picanha, um pão com lingüiça. “E aí, rapaz, tá todo pensativo... Te trouxe esse churrasco; está perdendo uma festa. Sei bem que tem horas que a gente quer ficar sozinho, mas não vai dispensar essa comida, vai?”

Douglas lança um olhar para o prato, volta-se ao olhar bovino. A vaca ainda não lhe diz nada, mas aquele olhar agora lhe diz tudo. Ou ao menos diz que deveria dizer. Que se tivesse fala, que se tivesse palavras, que se tivesse dedos e vontades, poderia lhe contar.

“Obrigado, mas sou vegetariano.”

Desde quando? A mãe perguntará em poucos minutos, ao saber. “Agora essa? Vegetariano?” Não foi para isso que ela calcificou em mamilos mastigados os caninos do filho. “Vegetariano...” A mãe inspira fundo e deixa cair um copo na pia. Fala com a irmã. “Pode terminar os copos aqui? Vou fumar na varanda...”

Ela fuma olhando o filho; as nuvens no céu também não lhe dizem nada. De suas formas, o marido costumava tirar histórias. Agora ele está esquecido, virando lingüiças, bebendo cerveja, deixando a barriga crescer ao som de Ivete Sangalo.

Douglas, sozinho, perde o interesse na vaca. Estende o olhar ao campo, ao pasto, tenta enxergar além ou uma vida possível em pequenos detalhes. Mas o campo não lhe diz nada...

Ainda assim, detém-se no estrume, as bostas de vaca. Nelas crescem pequenos cogumelos, que certamente contariam uma história. Douglas olha para as nuvens, para as vacas, o estrume, e pensa em todas as possibilidades. Pensa que sua vida pode não ter sentido, mas que sempre se pode procurar. Mesmo num churrasco de família, na fazenda com os primos, mesmo ao som de Ivete Sangalo e no estrume bovino, ainda existem histórias a se contar.

Douglas pensa: existem histórias para eu contar.

(e eu já estou indo viajar de novo para a casa de campo dos Nazarian, porque não suporto mais São Paulo)

04/01/2010

RESENHANDO O REVEILLON


É Mole?

Voltei esta segunda de Floripa (e já peguei uma mega chuva em São Paulo; pedreiros quebrando tudo aqui no meu prédio; aaaaaaaafe...). Fiquei nove dias fora e não queria voltar. Ficaria fácil mais nove. Mesmo com toda a melancólia. Mesmo com queimaduras e dermatites. Mesmo com os pés fodidos e cansados de caminhar, caminhar...



A lomba do meu dia-a-dia.

Florianópolis continua linda. Talvez ainda mais. Talvez meus olhos é que estejam cansados desse cinza. Não quero mais brincar de megalópole. Não quero mais brincar de Godzilla. Tudo o que eu via lá me parecia extraordinário (e isso porque já devo ter ido uma dúzia de vezes). As pessoas são tão lindas, o clima estava bem quente, deu tudo quase certo...

Verdade que o trânsito continua um problema. Mas isso é culpa exatamente de quem reclama do trânsito, e quer ir de carro para todo lugar. Eu fiz tudo a pé. Andei horas e horas. Da Barra até a Mole, do canto da Lagoa até a Barra, e por toda a praia. Passava bonito pelo congestionamento. O povo tem de aprender que lugar de praia não é pra ficar passeando de carro. O povo tem de aprender que NÃO TEM DE FICAR PASSEANDO DE CARRO em lugar algum. Escolha um ponto da ilha e FIQUE. ESTACIONE seu carro. Eu só preciso dos meus pés.

(...que voltaram fodidos, ok, mas voltaram.)



Caminhando na Lagoa.



Pode ser uma visão muito metropolitana a minha, mas fico chocado e considero um privilégio ter um lugar como Florianópolis, em que mesmo na altíssima temporada você pode deixar suas coisas sozinhas na areia (Ipod, celular, bolsa), mergulhar no mar e voltar. No Rio, mesmo sentado na areia você tem de AGARRAR seus pertences para um piranhita não passar correndo e levar.







A estrada da Barra vista do alto.



Por isso é questionável mesmo essas idéias de duplicar pistas (ouvi até gente dizendo em "aterrar parte da Lagoa" - Pânico!). Não é preciso facilitar para mais gente circular por lá. Já tem gente o suficiente. Melhor assim, com muito espaço na areia, a praia cheia, mas gostosa. Até mesa fácil de frente para o mar você arruma.



Eu queria me sentir desse jeito, "sozinho na multidão," e isso Floripa possibilita muito bem. Porque ainda é uma capital, mas é praia de fato. Você pode caminhar pela natureza, mas ainda está numa muvuca relativa. Grande concorrente a minha CIDADE FAVORITA DO MUNDO.




O canal da Barra, na frente da minha casinha.


Minha "casinha" foi a Pousada do Marujo. Lugar delicioso. Simples, mas com uma piscininha, ótima conexão Wi-fi (porque eu não me desprendo...) e acima de tudo a hospitalidade sem igual da Dona Ida, a proprietária. Pessoa maravilhosa.



Ida e seu filho Taiya (ele ainda recheou meu Nintendo DS de emuladores e me deu um pau no Mario Kart).





Pula! Pula!


Minha rotina era acordar, escrever à beira da piscina, ler, e caminhar, caminhar, caminhar. Caminhava em média umas 5 horas por dia, porque lá tudo é mais ou menos longe. Mas é possível. É viável. E lá eu posso ser feliz.


Na trilha da Galheta.



Apesar de cansado, deu para desestressar bem, porque estava sem amigos nem compromissos. Acordava a hora que eu queria, saía a hora que eu queria; não tinha hora para voltar, ninguém para ligar, nem para dar satisfações. Comia quando tinha fome. Bebia pouco, porque não havia necessidade. E de noite geralmente eu estava cansado. Dormia cedo.




De tarde, sentar num barzinho de frente para o mar, pedir uma porção de lula (que só perde para a minha, claro), uma capirinha e mergulhar na minha leitura de férias: Sólo te Quiero como Amigo, do Dani Umpi. Um divertidíssimo e inteligentíssimo romance-crônica-crítica sobre a vida gay (no Uruguai, mas que poderia ser aqui). Minha missão agora em 2010 é arrumar uma editora para ele no Brasil.


E só andando tanto assim é que pude comer HORRORES. Camarões, camarões, camarões, lulas, e camarões, camarões. Aquelas seqüências insanas de vários pratos - que são feitas para serem comidas no mínimo por dois - que tive de encarar...



Seqüência de camarão na Barra. Comi isso quase todos os dias...

Então aproveito para dar meu tutorial...

COMO VENCER UMA SEQÜÊNCIA DE CAMARÃO SOZINHO.


A seqüência clássica é composta de: Arroz, batata frita, 2 bolinhos de siri (ou casquinhas), camarão ao bafo, camarão alho e óleo, camarão à milanesa, peixe ao molho de camarão, pirão de peixe e salada. Em média custa R$40 (e dá facilmente para dois ou até três dividirem).



Como vencê-la sozinho:

- Beba uma cachaça ou caipirinha antes de começar, para anestesiar o estômago.
- Não beba demais, ou você vai comer mais do que seu estômago pode aguentar.
- Esqueça a batata frita, o arroz e a salada, isso você pode comer todos os dias.
- Não descasque os camarões. Isso é heresia. E a casca vai ocupar um espaço extra no seu estômago sem acrescentar calorias.
- Não adianta pedir pra embrulhar os restos. Seqüência de camarão requentado não dá. E se estiver comendo no lugar certo, não vai encontrar nenhum pedinte que não possa comer camarão todos os dias.



A cabeça você pode deixar, ok?

Foi bom ter ido sozinho para poder flanar, flanar, mas encontrei bons amigos. Consegui me manter sentado uns... 5 minutos, em companhias queridas.


Minha fantasia de turista.

Fiquei mais concentrado na Barra, Praia Mole e Lagoa. A Mole é aquela coisa, point gay de gosto duvidoso. Não entendo aquele som altíssimo tocando uma house vagabunda, o povo se pastilhando e cheirando K em plena luz do sol. A mim não bate bem.

Eu até tentei me afastar do Bar do Deca e ir pra outro ponto lá, mas o bar dos playboys pra baixo da mole tocava a MESMA música, no MESMO volume. Daí não dá...



Encontrei duas bonitas para fotografar e não parecer que eu estava sempre sozinho.



O que salvou foi a praia da Barra, mais família e mais suave. E tem sempre a Galheta para se caminhar...


E velhas amigas de Porto Alegre...


A virada em si eu passei numa festinha fechada no Canto da Lagoa. Bacana. Gente bem bonita (e louca), vista linda e fogos. Acho que não dava para pedir muito mais, embora nessas horas faltam os amigos mais próximos para abraçar...


O queridíssimo Ricky, amigo de anos, foi quem me convidou. (Eu já estava na aguinha...)



Por lá também encontrei a Maria, de SP, (à direita) com amigas.



DJS muy locos.

A vista (era bonita, pode acreditar).

Gorky (do Bonde do Rolê) também estava lá, muito bem acompanhado.


Eu voltei de manhãzinha, a pé, do CANTO da Lagoa até a BARRA. Foda. Umas duas horas. Só lembro que numa determinada hora eu beijei o chão, agradecendo por só precisar dos meus pés para chegar... (É, esse era o meu estado.)



Ah, e eu passei de branco, mas com cueca (virgem) vermelha, para desatolar... Não fez efeito.


Fora isso, só saí mais uma noite, de sábado, no Jivago. Divertido. Mas quente e cheio demais, e com aquele clima de festa particular que tem por toda Floripa. Ao menos consegui me enturmar...

Os bonitinhos do Jivago me fazem derreter...


Meu último dia foi no centro.



Aproveito também para dar meu parecer mais apurado sobre o Motodext (que ganhei da Motorola há pouco mais de um mês). Ele funcionou bem. Me ajudou horrores com o Google Maps (na própria noite de reveillon, só consequi chegar graças a isso) e me socorreu como MP3 Player por eu ter esquecido o cabo para recarregar meu Ipod. Também navega bem na Internet e eu acessei emails e twittei dos lugares mais improváveis. Mas ele é um pouco complicado para as coisas mais simples (tipo "salvar um contato") e tem um problema sério de bateria. Dura muuuuuuuuito pouco. Daí não serve pra nada, se seu celular morre quanto você mais precisa. Eu preciso deixar ele toda noite na tomada. Assim não dá...





E agora? Sei lá. O que eu queria mesmo era voltar. Mas acho que minhas férias chegaram ao fim. Continuo sufocado de traduções. Tenho dois livros pra entregar este ano pra Record (o juvenil e o de contos) e preciso sentar na frente dessa tela e trabalhar.


Vamos ver se conservo ao menos a areia no ouvido... E o som do mar como um sonho distante.

NESTE SÁBADO!