ENTREVISTA-ENXAQUECA
Que aspectos de sua literatura você considera que o inscrevem em nosso tempo? Há similitudes entre sua literatura e a produção de outros autores da mesma geração que a sua capazes de configurar alguma proximidade ou diálogo?
Isso é impossível de eu identificar. Vivo em nosso tempo, escrevo em nosso tempo, mas não estou preocupado especificamente em falar deste tempo ou negá-lo; então identificar os traços do nosso tempo na minha literatura não é apenas uma tarefa para outros, como para ser feita no futuro. O mesmo em relação a essa comparação, proximidade ou diálogo com autores da minha geração – posso dizer que a mim me interessa mais a diferença (se não posso falar de “exclusividade”), mas é claro que é inevitável que surjam traços e temas comuns na literatura de quem está produzindo hoje, de quem cresceu na mesma época, vendo os mesmos programas de TV, as mesmas leituras obrigatórias na escola. Acho que é isso, não é uma questão que eu possa responder…
A exemplo do que alguns críticos chamaram de geração 90 e de outras escolas do passado, você acredita que faça parte de algo como uma geração 2000 ou de um trabalho literário que tenha, além de suas singularidades marcantes, também algo de coletivo ou transversal? Se isso existe, como se deveria denominar a sua geração?
Não. A geração 90 foi um nome não apenas adotado pelos críticos, mas pelos próprios escritores que se encontravam, discutiam e acabaram gerando algumas publicações, como as antologias organizadas pelo Nelson de Oliveira e a revista PS:SP, do Marcelino Freire. Posso estar errado, mas a mim parece que essa geração tinha, se não um plano literário comum, pelo menos um relacionamento afetivo mais próximo, formavam uma turma. Isso sem falar em outros movimentos anteriores. A minha geração não passou por isso. Tenho uma relação diplomática, cordial, e até carinhosa com alguns escritores de idade próxima da minha, mas nos encontramos apenas esporadicamente, por acaso, em eventos literários. Então, não há trabalho coletivo – e para mim parece muito natural e saudável; para mim, o grande prazer da literatura é essa independência de uma arte individual, se eu quisesse fazer algo coletivo faria cinema, ou música, ou teatro. O que existe de comum, novamente, é espontâneo e eu não poderia localizar. Formamos uma geração – Geração Zero Zero, que seja – pela idade e por traços comuns não planejados.
Muitos sectários, incluindo críticos e jornalista, ficaram congelados nos autores pré-anos 60, especialmente no que se convencionou chamar de modernismo, e afirmaram não encontrar nada de novo no que se produziu nas décadas subsequentes. No entanto, muita coisa inegavelmente surgiu de lá pra cá. Quais são as principais características dessa nova literatura contemporânea brasileira? O que há de peculiar nela? Em sua análise, que autores renovaram, de alguma forma, a literatura brasileira nos últimos 20 anos? Quem está renovando agora?
Ah… Novamente, não é uma pergunta que eu possa responder. Mas talvez a grande mudança pela qual a literatura tenha passado dos anos 80 para cá seja o estreitamento com a cultura pop – a apropriação de referências da “cultura de massa” em universos genuinamente literários. Depois dos anos 2000, quando o conceito de cultura de massa foi relativizado, talvez tenha havido uma maior “universalização fragmentada” dos temas e realidades retratados. A literatura deixou de espelhar especificamente nosso país, passou a focar universos próprios, individuais, que podem ecoar num leitor da Noruega ou causar um grande estranhamento num leitor argentino.
Em suas descobertas como leitor e autor, quem são os autores estreantes que mais vem lhe chamaram a atenção recentemente, mesmo que sejam promessas? Você poderia nos indicar alguns nomes entre primeiros livros, blogueiros ou contatos diretos com jovens talentos? Há algo vindo das universidades?
Há um jovem poeta e contista paulistano chamado Hugo Guimarães, que tem uma força espontânea e transgressora impressionante. Uma romancista carioca, Victoria Saramago, que está se tornando uma grande narradora. E Christiano Aguiar, um jovem literato do Recife que tem uma produção bem interessante.
De alguma forma você acha que os nomes mais estabelecidos devem ajudar a iniciar ou descobrir esses potenciais novos autores?
Não. Já é tão difícil para um autor encontrar leitores, encontrar outros autores é um extra, não um dever ou uma necessidade.
Em que medida as plataformas digitais e a Internet afetaram a produção literária? Confundem-se, nas discussões, as questões o futuro da literatura e o futuro do livro, como objeto material. O que você pensa sobre esses temas?
O livro é apenas um veículo, e sua sobrevivência é uma preocupação para as editoras. Eu escrevo, gosto do objeto livro, mas se ele morrer, estarei publicando em e-books, na tela, ou o que seja. De qualquer forma, acho que o boom da Internet modificou mais os temas literários do que os suporte. Os autores tiveram espaço e puderam concentrar-se em universos mais particulares, como eu já disse, e foi basicamente isso. A Internet não modificou tanto o texto literário em si, a forma da escrita e o formato dos livros. E se a escrita não é alterada com isso, não devemos nos preocupar com o futuro, morte ou sobrevida do livro. Isso é para os fabricantes de papel.
(entrevista para a revista Off-line: http://www.offline.com.br/blog/?p=882http://www.offline.com.br/blog/?p=882 - Além do tom enxaqueca inevitável de "isso não posso responder", o curioso é que a foto que colocaram no site... não é minha! É o Fábio!)
(Gracias a Ramon Mello por me avisar - da foto e da entrevista.)
(Acho que vou passar a adotar o Fábio como meu retrato de Dorian Gray)