28/11/2010

BOWIE DA CARA PRETA



Acabo de receber da Saraiva a biografia de David Bowie, escrita pelo jornalista Marc Spitz, que eu traduzi e que sai agora pelo selo Benvirá.

É uma biografia bem completa, pegando desde o encontro dos pais de Bowie até os tempos atuais (em que ele está praticamente aposentado, deve se dizer.). O texto foi baseado em pesquisas de jornais e revistas, biografias anteriores e dezenas de entrevistas com figuras coadjuvantes da vida dele, já que o próprio David nunca autorizou uma biografia. Indispensável para os fãs, não só do próprio Bowie, como da música inglesa em geral.

Eu me tornei fã de Bowie por osmose, porque TODOS os meus artistas favoritos vieram dele: Suede, Eurythmics, Bauhaus, Placebo, Marilyn Manson, Grace Jones, Rita Lee... Todos filhotes de Bowie.

É indiscutível que os Beatles são a banda mais influente da história da música. Mas se os Beatles influenciaram o mainstream, ninguém tem a força de David Bowie na cultura alternativa. Fora que os Beatles foram inovadores há... o quê, quarenta anos? David Bowie seguiu fazendo coisas de altíssima qualidade musical, e ainda assim alternativas, estranhas e diferentes até 2000 e pouco.

(Verdade que ele teve seu período bagaceiro nos anos 80, mas voltou com tudo nos 90, e de lá pra cá só lançou álbuns de peso - Outside, Earthling, Hours, Reality...)

Desculpe, mas Paul McCartney é um bunda mole perto de Bowie.

(E é preciso que se diga que Bowie nunca aceitou abrir as pernas e se tornar cavaleiro da rainha, ou "Sir". Ele rejeitou o título.)

Itálico

"Ziggy Stardust and The Spiders from Mars" sempre entra lista dos melhores álbuns de todos os tempos. Também está na minha, mas talvez eu ainda prefira "Outside" o álbum mais gótico de David Bowie.

Para quem não tem nada dele, uma ótima introdução é o cd "Reality Tour Live", duplo, gravado em 2003, que é praticamente um "Best Of" ao vivo, com Bowie em grande forma (e logo depois ele sofreria um ataque cardíaco e sairia de cena).

Já postei uma lista dessas aqui, mas vai a mais atual das minhas "20 músicas favoritas de David Bowie" (na ordem da minha playlist):

- The Motel

- Rebel Rebel (live, Reality Tour)

- The Man Who Sold the World

- Love You Till Tuesday

- Alladin Sane

- Little Wonder

- Slip Away

- New Killer Star (live, Reality tour)

- Queen Bitch

- Thursday's Child

- Always Crashing in the Same Car (live, 2000)

- Starman

- Breaking Glass (live, reality tour)

- Soul Love

- As the World Falls Down

- China Girl (VH1 Storytellers)

- The Heart Filthy Lesson

- Five Years

- Bring me the Disco King (live, Reality tour)

- Heroes (live, Reality Tour)

Para terminar, aquele meu clipe favorito. Sei que é pedir demais, mas queria chegar assim aos 50...


26/11/2010

"MEU AMIGO CLAUDIA"



A ativista, cantora, escritora, maquiadora e performer Claudia Wonder morreu em São Paulo na manhã desta sexta-feira. Ela estava internada há quase dois meses no Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS para tratar de uma criptococose, doença causada por um tipo de fungo. Claudia deixa para trás uma história de reconhecimento público que começou no teatro e em casas underground da capital paulista. Quem frequentava o Madame Satã deve lembrar bem das apresentações dos grupos Jardins das Delícias e Truque Sujo, ambos comandados por Claudia. A veia militante, que a fez com que a artista se engajasse em iniciativas como o Centro de Referência da Diversidade, surgiu e se fortaleceu em parte graças aos dramas encarados por Claudia por conta da sexualidade. Ela própria chegou a comentar que em várias ocasiões foi comparada a marginais apenas por ser travesti.

A intolerância de alguns, no entanto, nunca foi barreira para que Claudia Wonder mostrasse ao mundo tudo aquilo de que era capaz. Ela participu de 13 filmes, entre eles "Carandiru", de Hector Babenco. Em 2009 estreou o documentário "Meu Amigo Claudia", dirigido por Dácio Pinheiro e focado na história da artista. A produção chegou a festivais de países como EUA e Espanha, neste último tendo recebido prêmio concedido pelo público. No Brasil, o filme foi exibido pelo 17º Festival Mix Brasil de Cinema e abocanhou o Coelho de Prata de melhor documentário. No teatro, Claudia participou de mais de dez montagens, algumas delas junta com a turma do Teatro Oficina. Se aventurou também pela música, gravando com Edson Cordeiro e lançando álbum solo. "FunkyDiscoFashion" foi gravado pela Lua Music em 2007.

Fiquei triste e chocado com a notícia. Claudia não era uma amiga próxima, mas uma pessoa querida, com quem tive prazer de conversar por diversas vezes e trocar emails. Eu era fã, não só pelo excelente disco de elektro que ela gravou em 2007 (e que ela mandou pra minha casa) mas por toda a história de militância atrelada ao underground. Conheci mais do trabalho dela pelo também excelente documentário do Dácio Pinheiro, "Meu Amigo Claudia" (título tirado de uma crônica que Caio Fernando Abreu escreveu sobre ela).

Fica aí a perda de uma pessoa que ainda tinha muito a oferecer. Por aqui, sua hilária música do "Ursinho Misterioso" permanece como um clássico pessoal, com Claudia me trazendo eternamente seus "doces de padaria".

22/11/2010

A HOMOFOBIA NOSSA DE CADA DIA


De umas semanas para cá, a questão da homofobia voltou a pipocar à toda no noticiário e na Internet, com casos de agressão em São Paulo, na Parada Gay do Rio e a carta aberta do Reverendo do Mackenzie condenando a projeto de lei que criminaliza atos de homofobia.

Mais do que atos de "homossexuais enrustidos", como a militância gay muitas vezes coloca, essas agressões são demonstrações primárias de falta de aceitação das diferenças. É gente que ainda acha que homossexualidade é uma "opção", uma escolha, relacionada à falta de presença da família ou de falta de vergonha na cara. Gente como essa só vai aprender quando descobrir a homossexualidade dentro de casa, com os filhos, que "foram criados para serem héteros." Por isso, mais importante do que as passeatas e os protestos na Internet é cada um sair do seu armário, dentro de casa, publicamente, trazer exemplos e mais exemplos - que tanto faltam ainda nos dias de hoje.

A coisa está melhorando? Bem, Ricky Martin saiu do armário - e temos bons exemplos na música e na literatura... Mas pouco mais do que isso. Há muito tempo que ninguém se atreve mais a fazer publicamente uma piada de preto. Por que ainda é engraçado fazer piada de gay na televisão?

19/11/2010

OS 30 MAIS


Com meu Ipodão lotado de coisas bizarras de Itunes alheios, o shuffle tem se tornado cada vez menos recomendado e estou sendo obrigado a recheá-lo de playlists cuidadosas. Fiz ontem a dos meus "30 Favoritos de Todos os Tempos," que sempre muda, mas não muito...

Vai aí:

- Bauhaus - Burning from the Inside
- Lori Carson - 16 Days
- Prodigy - Spitfire
- Kwan - Island Hopping
- Sinéad O'Connor - John I Love You
- Michael Jackson - Heartbreaker
- Suede - New Generation
- Eurythmics - Ball and Chain
- Grace Jones - Man Around the House
- Japan - Swing
- Les Rita Mitsouko - Les Histoiries D'A
- Adriana Calcanhotto - Seu Pensamento
- Roxy Music - If There´s Something (live)
- Eduardo Dussek - Chocante
- Kylie Minogue - In My Arms
- Pretenders - 977
- Cauby Peixoto - Onde a Dor Não Tem Razão
- Bjork - Pagan Poetry
- Blondie - Screaming Skin
- Marilyn Manson - This is the New Shit
- Sex Gang Children - Arms of Cicero
- Marina Lima - Para um Amor no Recife
- Placebo - This Picture
- Portishead - Small
- Scott Walker - Wait Untill Dark
- Siouxsie - They Follow You
- Joni Mitchel - Come in from the Cold
- Royksopp - Circuit Breaker
- David Bowie - Bring me the Disco King (live)
- McAlmont & Butler - Beat



(Meus artistas favoritos, com certeza, embora muitos deles seja difícil precisar qual seria a música que mais gosto. Escolhi apenas algo representativo, mas não óbvio. Seria impossível escolher uma só música do Suede, por exemplo. A ordem é apenas para dar um ritmo à seleção.)

16/11/2010

A BALADA CONTINUA



Pelo quinto ano acontece em São Paulo, do dia 18 ao 21 agora, a Balada Literária, evento gratuito organizado pelo querido Marcelino Freire, que reune escritores, poetas, atores e músicos num clima descontraído e embriagado.

Você que gosta tanto da Flip, que não perde a Flip, ou que lamentou ter perdido a Flip, ou que quer se programar para a próxima Flip poderia lembrar que existem outros eventos literários bacanas, como esse, e prestigiar.

Eu participei da primeira edição e da edição passada, com a honra de apresentar a mesa de João Gilberto Noll. Este ano infelizmente eu vou perder - acabei de voltar daquela longa viagem, já passei por São Paulo e não devo voltar até o Natal. Mas aparece lá, toma uma e come uns por mim.

A programação completa: http://baladaliteraria.zip.net/

Outro grande evento que já está acontecendo em SP e logo chega ao Rio é o Festival Mix Brasil. Este eu também vou perder, mas costumo conferir todos os anos, e sempre tem coisas bem divertidas.

Esse está aqui: http://mixbrasil.org.br/


Enquanto isso, eu torro na praia.

14/11/2010

FREAKSHOW


Depois de Berlim, Helsinque, Tóquio e Amsterdam... Criciuma!


Meus amigos Ricardo Crestani e Carlos Costa foram discotecar nesse sábado em Criciuma. Aproveitei e fui de agregado; achei que seria divertido e aproveitaria para conhecer um pouco mais o estado. Mas foi... insano.


Comportadinhos, otimistas e esperançosos, saindo de Floripa.


A festa era num clubinho local, recheado de freaks de todos os tipos, a maioria dos quais tinha idade para ser meu filho. Foi... pitoresco, e até certo ponto divertido. Infelizmente nem o texto nem as fotos podem registrar tudo o que aconteceu. Só posso dizer que foi das noites mais bizarras da minha vida.

Vai aí mais ou menos...


Ricardo e Carlos tocaram... pouco. Antes das três da manhã o sistema de som quebrou!


Eu ainda estava bancando o empresário rígido da dupla.


Enquanto a petizada ainda sacolejava.



Aqui a noite começou a fazer efeito.


Performances bizonhas de Liana.


A galerinha pirigótima.


Ricardo e os club kids.


Saindo do club, fomos a um after numa mansão lá perto, onde a bizarria continuou a correr solta...


!

À certa hora chegou... Não, isso foi em Amsterdam, se não estou me confundindo...


Não!


Partimos de lá já com o dia claro, ainda acesos, dispostos e faceiros. Achamos que seria só uma viagenzinha de duas horas de volta. Mas a noite não terminaria tão fácil assim...



"Um sol belo, azul..."

Enquanto eu ainda estava coquete, tomando um sorvete de chambinho num posto de estrada. Então...



O quinto pneu furado da minha vida. Dá pra acreditar?

Passamos mais de duas horas num posto de estrada, tentando trocar um pneu de carro. Quem acompanha há tempos este blog sabe que tenho experiência em trocar pneus, especialmente em situações de risco (tipo, reveillon, de madrugada, na linha vermelha do Rio), mas este não saía de jeito nenhum. As porcas estavam tão apertadas que estourei minhas costas tentando virá-las - eu, um frentista, o Carlos, o Ricardo...
Ligamos também para todos os borracheiros da região, mecânicos, guinchos. Não conseguimos ninguém para tirar esse pneu. Nosso estado físico também não ajudava. Enfim...

Força bruta pra quê? Depois de duas horas, Carlos se lembrou de um princípio básico da física - "quanto maior a alavanca..." - e voltou com um cano!
Com um cano daqueles de alavanca na chave foi manteiga na pipoca. (Oh, Petrobrás, merchan no blog não tava no contrato. Quero mais grana!)


Assim foi meu belo final de semana de feriado. Como sempre, o que importa é as histórias que ficam... ainda que esta fique com uma bela dor nas costas e algumas centenas de neurônios a menos. Ah, também ficaram 17 giga de músicas que chupei do Itunes do Ricky, pro meu Ipodão.
Europa pra quê? A viagem nunca termina neste mundo bizarro em que vivo...
Finalmente cheguei aqui em casa, na Barra, nove horas da noite...

12/11/2010

O AMOLADOR DE FACAS

Era feriado. E o amolador de facas subia a rua vazia tocando sua gaita. Rompia o silêncio com sua melodia, a única que sabia, para atrair a vizinhança que já conhecia a música de amolar facas. Muitos poderiam estar viajando. Outros tinham coisas melhores a fazer. Mas muitos ficavam em casa, preparando o almoço, e talvez notassem que suas facas estavam sem fio.

Sem trânsito, tudo o que se ouvia era sua gaita. Não era vencido pelas buzinas nem pelo ronco dos carros. Não disputava com vendedores de pamonha, nem bombeiros, nem polícia. E ele esperava que a programação de TV estivesse ruim. E que abaixassem o volume do rádio. Que não usassem a máquina de lavar roupas e preferissem o silêncio, o silêncio, para que ele pudesse ser escutado. A cada trinta segundos dava seu sopro em esperança. Esperava que alguma porta se abrisse.

Porta aberta, dona de casa, correndo até ele com a faca nas mãos. Não sorria nem reclamava. Séria, chegava perto o suficiente para perguntar quanto era. Ele dava o seu preço, ela estendia a faca. Ele percebia que havia algo triste nos olhos dela. Moça bonita, deixando de ser jovem. Um pouco abatida, um pouco cansada, talvez cortando cebolas para o marido, preparando o almoço, esperando ele voltar. O vestido velho, manchado de molho. O esmalte descascando, desprendendo na fritura. E abaixo de seu olho esquerdo, uma pequena mancha roxa - um tapa?

Ele olhou fixamente, enquanto afiava a faca. Ela desviou o olhar. “Assim o senhor vai afiar errado.” Não, ele já estava mais do que acostumado. Imaginava o que havia por trás daquele almoço, por trás daquela mancha, por trás daquele olhar. Um tapa do marido. Uma faca para se defender. Uma faca para atacar. Para morrer. Se suicidar. Precisava ser bem afiada, para atravessar a barriga. Precisava de um fio perfeito, para romper a jugular. Para cortar a cebola do almoço, para faze-la chorar.

Não era da sua conta. Ele terminou o serviço e entregou a faca brilhando. Ela agradeceu com um aceno, deixou o dinheiro em moedas e trancou-se de volta. Ele ficou lá, olhando para a porta, esperando um grito, um soluço, o cheiro da cebola fritando. Então decidiu subir novamente pela rua. E tocar sua melodia.

Apenas mais alguns minutos, três assobios, veio descendo em sua direção um moleque de catorze anos. Vestia-se em farrapos, pele parda por trás dos buracos. Uma camiseta velha, uma calça rasgada, olheiras profundas e os braços longos, apontando para ele. “Ei, tio, tio, quanto é?” Estendia um canivete. O amolador receava que se tratasse de um assalto. Mas parou para responder, porque não poderia correr com seu equipamento. Deu seu preço. E o moleque entregou-lhe o canivete velho, gasto, usado em tantas aventuras, romances e violências. Pensou em perguntar para que o moleque precisava daquilo. Poderia apenas estar se defendendo de outros meninos. Talvez quisesse cortar frutas, matar gatos, caçar para comer. Poderia estar assaltando, ameaçando velhinhas, matando para comer. Não era da sua conta. Não iria se arriscar a dizer não. A lâmina estava gasta, mas ainda era pontuda. O garoto era pobre, mas ainda podia pagar. E pagou. Tirou uma nota amarrotada do bolso, se foi com o canivete no bolso.

Dois clientes em poucos minutos, o amolador tinha sorte, consolava a si mesmo. Continuava subindo, assobiando, esperando que todas as ruas fossem como aquela, repletas de paixões, assassinatos, caçadas e assaltos.

Antes de chegar ao alto, um carro parou ao seu lado. Desceu um senhor gordo, careca carregando um menino loiro no colo. O menino chorava. E o homem pedia impacientemente para ele parar. “Senão corto sua língua”, ameaçou. O amolador achou aquilo abusivo, mas não disse nada. Não sabia o que o menino havia aprontado. Devia ter uns quatro anos, cabelos cheios, cachinhos dourados. Os olhos azuis molhados. O pai o segurava com braços fortes para segurar, braços fortes para proteger, braços fortes para castigar, para não deixar cair, para arremessar. Braços peludos, pelos que envolviam o menino. Pelos como sua barba, que envolviam a boca, que mandava o menino se calar, cuspindo sobre cachos loiros.

Virou-se para o amolador: “Vocês amolam tesouras?” Vocês quem? O amolador era apenas um. Aceitaria o plural corporativo e assumiria a responsabilidade dos cachos cortados? Assumiria a responsabilidade pela língua de fora? Talvez fosse inveja dos cachos. O pai queria cortá-los. Por isso o menino chorava. Por isso o pai lhe cortaria a língua. Talvez cortasse até algo mais, como saberia? Não sabia se ele era mesmo o pai. Não era da sua conta perguntar. Seu trabalho era apenas amolar, facas, canivetes, o que quer que fosse, “amolamos”. E recebeu a tesoura.

O menino chorava mais baixo. Talvez com medo da língua. Talvez com medo da tesoura, do amolador, dos cachos cortados. Talvez apenas timidez diante de um estranho, amolando, ou curiosidade para ver seu trabalho. Era uma tesoura grande e velha, “de família?” arriscou o amolador. O senhor careca assentiu. Quem sabe não vinha de uma grande família de barbeiros? Quem sabe seu próprio pai não lhe tivesse cortado o cabelo? Seu próprio pai o havia deixado careca, e agora ele descontava nos cachos do filho. “Prontinho.”

O senhor pegou a tesoura e entrou numa das casas. Pegou a tesoura com a mesma mão que segurava o filho, que perigo. E se tropeçasse e caísse, quem contaria sua história? O afiador achou melhor seguir. Já estava quase no topo. E havia recebido três clientes em poucos minutos – que sorte. Continuou na mesma direção, na mesma melodia.

Lá em cima era uma avenida. Carros, ônibus e polícia. Nenhuma casa para preparar o almoço. Nenhuma dona para matar o marido. Sem moleques para assaltar os pedestres, nem pais carregando seus filhos. Sem cachos loiros. Ele teria de pegar outro caminho ou voltar para casa. Chega de trabalho, pelo feriado.

Mas antes de terminar, encontrou uma velhinha. Ela virou a esquina e deu de encontro a ele. Sorriso simpático, bochechas rosadas. Lenço na cabeça e as costas curvadas. Carregava, adivinhe, uma foice. E sorriu ao ver o amolador tocando sua melodia.

“Ouvi você de longe, estava te procurando. Que sorte que te encontrei a tempo. Pode amolar minha foice?”

E o amolador mais uma vez olhou para ela e imaginou tudo o que ela poderia... Imaginou o que ela desejava com aquela foice afiada. Descendo a rua. Passando por aquelas casas. Preparando o almoço, esperando o marido, se defendendo de assaltantes, cortando o cabelo do filho. Não importava...

Fez seu trabalho e contou as moedas. Mais um cliente, antes de terminar o dia. Nem olhou para trás, para ver a velhinha descendo. Nem se preocupou com metáforas gastas, personificações afiadas, metonímias amoladas. Chegou ao topo daquele feriado com dinheiro no bolso. Chegou ao final da rua com o dever cumprido. E silenciou sua melodia.

(Continho ancestral meu, mas publicado pela primeira vez mês passado, na Revista E, do Sesc.)


07/11/2010

FIM DE FESTA



Amanhã termina minha longa viagem psicodélica. Passei os últimos 4 dias praticamente trancado neste apartamento, vendo filmes, ouvindo música, dançando o chachachá em reservado. Podia viver aqui, me alimentando só de gummy bears, café e cogumelos, enquanto a cidade lá fora é consumida pelos zumbis. Hum, já não escrevi um conto sobre isso?

Cisnes cênicos num canal daqui. Fotografei pra comprovar que não era alucinação.


Até escapei uma noite para as baladas, e fui assistir “Atividade Paranormal 2” (gostei mais do que do primeiro), mas Amsterdam serviu mais para descansar e me preparar para a volta.

O registro da viagem aqui no blog foi uma maneira não só de dividir com os amigos e leitores, mas de guardar para mim mesmo essas experiências – queria ter feito isso no grande mochilão de 2002.

Novos amigos brasileiros em Tóquio.


Difícil dizer quais foram os melhores momentos (o pior com certeza foi minha estadia com o “falecido polonês”, no começo da viagem). Finlândia permanece o país do meu coração; o Japão é fascinante, mas não me pertence. Gostei muito de ter conhecido Praga – embora tenha sido rapidinho e conturbado. As cidades menos previsíveis, como Rovaniemi e Miyajima, foram pontos altos. E o melhor de tudo, obviamente, são sempre os encontros. Conheci gente linda de todo o mundo, grande parte que permanece no meu Facebook.


Sasha!


Das compras: duas jaquetas, um blazer, um par de botas, uma câmera nova, um Ipod 160G, CDS, DVDS – Incluindo “Dorian Gray”, “The Howling” e mais um filme de jacaré assassino – alguns livros - como um de histórias bizarras de Natal do Augusten Burroughs (de "Correndo com Tesouras") e presentinhos para vários amigos. Só estou pensando agora no que vou ter de deixar por aqui, para não pagar excesso de bagagem...


A trilha sonora da viagem foi Kwan – banda de hip hop finlandesa – especialmente o CD “Little Notes”, que já é dos meus favoritos de todos os tempos; e especialmente a música “Island Hopping”, que ouço em looping. Foi ótima ideia também comprar esse Ipod gorducho, e pegar todo o Itunes do Cesar – agora tenho uma porrada de coisas inéditas nas minhas playlists. Meu Ipod ainda tem mais de 100 gigas livres, e espero poder chupar o Itunes de vários amigos... Posso chupar o seu?


Como prometido, dou o serviço dos melhores hotéis, apartamentos e abrigos em que fiquei.

Inara e eu no meu belo apartamento berlinense.



Berlim: Wombats - Alte Schönhauser Straße 2 (Metrô Rosa-Luxemburg) – foi o apartamento para onde eu fui logo que fugi da casa do polonês. Wombats funciona como um albergue, mas também tem esses apartamentos incríiiiiveis. Paguei 80 euros de diária pelo meu, que não é exatamente barato, mas valeu. O apartamento era enorme, com cozinha, sala, banheiro e uma varanda dando para a Fersehturm. Deu pra ser feliz...



Copenhague: Absalom - Helgolandsgade 15 – adoro o nome desse hotel, sei que é algo bíblico; seria uma besta do apocalipse? É um hotel bem grande, bem atrás da estação de trem, com todo tipo de quarto. Paguei 60 euros de diária e por algum motivo me deram um quarto que normalmente custaria 110 - com TV, ar-condicionado, banheiro; gostosinho, mas nada de impressionante. Hotel na Europa é caro mesmo – principalmente na Escandinávia. E por menos de 60 euros é praticamente impossível encontrar algo com banheiro privativo. Preciso dizer que dei sorte várias vezes e consegui lindas barbadas – ajuda ser simpático, malemolente e viajar fora da alta temporada, claro.



Nunca mais vou esquecer da minha vovozinha sueca... mas o nome do hotel eu esqueci.


Suécia: Estou procurando, mas não acho o nome do hotel, nem o endereço, nada. Também encontrei andando a esmo, um hotel antigo, três estrelas, não exatamente barato – a senhorinha da recepção me fez por 100 euros a diária, com desconto – do lado do Kungliga Dramatiska Teatern. O quarto era grande, deliciosamente retrô, e eles trazem o café da manhã em bandejas. Quando achar o endereço coloco aqui.


Minha cabine no navio.


Finlândia : Não dei muita sorte nos hotéis de Helsinque, a melhor acomodação foi mesmo no navio, à caminho. Com o passe de trem Eurail, você tem 50% de desconto na passagem da travessia. Você pega o navio às 16h em Estocolmo, chega no dia seguinte às 10h em Helsinque. Peguei uma cabine individual por 60 euros, que garante uma noite bem dormida. O navio ainda tem cassino, boate, karaokê, música ao vivo e tudo mais. Duas companhias fazem essa travessia - Viking Line e Silja Line - a segunda é mais chique, a primeira bem mais divertida. Já fiz três vezes essa travessia, e pretendo fazer de novo em breve...



O bailão do navio.



Osaka: No Japão fiquei na casa do Cesar, mas dormi uma noite em hotel em Osaka. Por incrível que pareça, hotel no Japão é mais barato do que na Europa. Em Tóquio, muita gente que perde o último metrô (da meia noite) acaba dormindo em hoteizinhos – porque fica mais barato do que pegar táxi para casa. Tive essa experiência uma noite... bem acompanhado... Anyway, o hotel de Osaka era bem razoável, por 65 euros a diária: http://www.toyoko-inn.com/eng/index.html

A vista do apartamento em que estou agora.


Amsterdam: De longe a melhor acomodação que tive nesta viagem, fechou com chave de ouro. Uma apartamento duplex, enorme, em pleno Red Light District, com uma bela vista da Praça de Nieuwmarkt. Tem conexão wi-fi (que estou usando agora) TV a cabo, aparelho de som e DVD, fogão, geladeira, microondas, cafeteira, louça completa, toalhas, jogo de cama, ferro de passar, etc, etc. Também achei a esmo, passei em frente ao escritório e perguntei. O velhinho que me alugou disse que a diária normal é 200 euros (o que eu acredito, e ainda acho pouco), mas sabe-se lá porque me fez por SESSENTA, e eu nem precisei chorar. Até agora não percebi nada de errado, nem ninguém veio buscar meu rim. Recomendo: http://www.the-monk.nl/


Marthein, aqui em casa.



Agora dou só um pulo em São Paulo e sigo pra Florianópolis, que é minha casa. Preciso recuperar a forma para o verão. Meu reveillon será lá, com certeza, não faria sentido viajar agora que moro numa praia maravilhosa. E vou ter um convidado muito especial, vindo direto da ásia...

04/11/2010

SLEAZY CITY


Em Amster... damn!


Vim acabar de vez com minha viagem em Amsterdam. Não foi um destino especialmente escolhido – meu avião para o Brasil sai daqui e estou cansado, pobre e com malas pesadas para ficar flanando por aí.

Amsterdam é uma cidade decadente , já estive aqui. Ponto de encontro de junkies, artistas, pervertidos e artistas pervertidos junkies, se não for um pleonasmo. É visível na rua a decadência – que não deixa de ter algo de interessante, mas faz pensar em como a discriminalização de algumas drogas pode macular uma cidade. Estou sendo moralista? Resumindo, Amsterdam parece um grande Baixo Augusta... mais ou menos.

A legalização aqui, ao contrário do que muitos pensam, não se restringe à maconha. Cogumelos, alguns solventes e até gás hilariante são vendidos livremente. Cocaína não, mas você vê descaradamente na vitrine das lojas acessórios para usar – micro-balança para pesar o pó, jogos de espelho e canudos, todos apresentados com um “pó branco fantasia” para ilustrar o modo de usar.

Apesar da legalidade das drogas e da regulamentação da prostituição, a cidade parece se orgulhar dessa sua aura maldita, e palavras como "nasty", "kinky", "freaky" e figuras diabólicas se veem por todo o lado. Eles parecem querer dizer: é legal, mas ainda é pecado.

O povo não é bonito, não é iluminado e não é meiguinho, mas até agora todos têm sido bem simpáticos, de um modo “Have you seen the movie Hostel?”

Cheguei terça de noite, vindo de Tóquio, cansado, tendo de arrastar duas malas pesadas e uma mochila. Encontrei no meio do caminho um loirinho junkie que se ofereceu para ajudar. Se aqui fosse a Escandinávia, eu acreditaria na sua bondade, mas em Amsterdam tudo é suspeito e pernicioso.

Loirinho diz: Posso ajudar o senhor?
Nazarian diz: Estou procurando o Oosterdok.
Loirinho diz: É por aqui, senhor. Eu mostro pra você. Posso ajudar com as malas?
Nazarian diz: Não, obrigado, estou bem.
Loirinho diz: Estou fazendo isso o dia todo, sabe? Ajudando os turistas...
Nazarian pensa: [Você ganharia mais como michê...]
Loirinho diz: O senhor estava indo na direção completamente errada, senhor. Se eu não tivesse aparecido...
Nazarian diz: Eu estaria perdido na floresta, com os lobos, chorando sangue entre os espinhos.
Loirinho diz: Haha. De onde o senhor veio?
Nazarian diz: Tóquio, e pare de me chamar de senhor, que estou envelhecendo a cada segundo.
Loirinho diz: Só estou tentando ser educado, senhor. Olhe, está vendo aquele prédio verde? É ali.
Nazarian diz: Obrigado.
Loirinho diz: Por acaso o senhor não teria algum trocado?
Nazarian diz: Se eu tivesse trocados para desperdiçar [com junkies], eu teria pego um táxi [e te pagaria para me fazer um boquete, não para me apontar a direção].

E essa foi minha primeira conversa nesta cidade. Cheguei então ao barco onde me hospedei, achei que seria romântico e inspirador, mas encontrei um armário sufocante como minha cabine e só quis morrer e ressuscitar em Florianópolis.

Ontem procurei um apartamento. Encontrei. Estou mudando para lá – no centro do Bairro da Luz Vermelha. Enquanto buscava o apartamento, passei num posto de informações turístas. Examinava o mapa da cidade.

Atendente: O senhor quer comprar o mapa da cidade?

Cidade mercenária da porra.


E ESTE é o apartamento que aluguei até segunda: sala.

Cozinha.


Varanda.



Quarto.
Pelo preço que estou pagando... só pode haver algo de muito errado. Muito barato. Acho que vão roubar meus rins de noite. Já aviso que não estão valendo muito. Acho que nao valem esse apartamento...


01/11/2010

FELIZ EM JAPONÊS

Noites iluminadas.

Tóquio está chegando ao fim, assim como meu saldo bancário...
Afogado no Mori Museum.

Passado o choque inicial, encontrei uma cidade simpática e carinhosa - ainda que excessiva e claustrofóbica - onde eu também pude ser feliz.
Com Pauline, num inferninho.
Deliciosa massa de flor de lótus com camarão.

Orgia gastronômica com o pitélíssimo Shuhei.


Comi bem, dormi bem (bebi bem) e fiz bons amigos. Vai deixar saudade e vontade de voltar. Mas não se chega ao Japão muitas vezes na vida...
Saudações do Cesar.
Minhas semanas aqui nunca teriam sido tão ricas e proveitosas se eu não estivesse hospedado na casa do Cesar, o melhor anfitrião que eu já tive, com certeza. Além de todo o cuidado e carinho, me ofereceu visões profundas de um país tão diferente, e que ele conhece tão bem.

Não estava brigando não. Lembro que eu estava gritando "Go! Go! Go!" mas não lembro o por quê...

Este final de semana foi Halloween - e Halloween aqui pega de fato. Sábado de noite a cidade estava em polvorosa, com hordas e hordas de jovens fantasiados pelas ruas, nos bares, um clima meio de reveillon, meio de carnaval... carnaval japonês, claro.
Minha fantasia era pra ser uma coisa meio mendigo, meio Slash.
Mas não aguentei o fedor da peruca e resolvi fingir que estava vestido de Michael Jackson. Passa?
Também preciso dizer que Tóquio é, com certeza, a cidade onde vi mais meninos bonitos no MUNDO, ao menos para o meu gosto. Não só pelos olhos puxados; é aquela coisa, o padrão de beleza vai pela delicadeza, o estilo, então são todos delicadinhos, estilosos, cabeludinhos. Fazer contato não é tão fácil - você é destacado imediatamente como estrangeiro, isso geralmente não é positivo, e não falar japonês com certeza é um ponto contra. Mas dá para se virar. Como eu disse, deu para ser bem feliz...
Quero um de cada... Não, um de cada e dois daquele do meio.
Sábado conheci a "zona do meretrício", onde há os bares com algo entre prostituição e os príncipes de baile de formatura. São ninfetinhas e meninos, naquele shape boy band, pagos para beber e conversar com homens e mulheres. Se vai além disso, eu não posso dizer, porque não paguei para ver.
Com o diabo no corpo.
Amanhã sigo para Amsterdã. Mais uma semana de férias e só. Na verdade estou bem cansado, detonado, quebrando os cofrinhos (ops!) e contando as últimas moedas. (Pode me passar um freela agora que será bem vindo!). Mas as histórias ficam, isso é o que importa. As histórias ficarão.

Ainda na estrada.

NESTE SÁBADO!