16/01/2013

RASTEJANDO


Garoto maldito ou menino cego? (foto Rafa Rocha/Noize)

"Você deveria escrever outro tipo de coisa, mudar totalmente o estilo," dizem senhoras que gostam de mim, mas não gostam exatamente da minha literatura. Ou "parou de escrever aquelas coisas com zumbis?" me disse certa vez Marçal Aquino (sorry, Marçal, nunca vou me esquecer...). É gente que até acha que tenho talento, mas estou desperdiçando com bobagem. Eu acho o contrário, que falta "bobagem" escrita com talento. É meio por aí que eu vou. É meu "existencialismo bizarro."

Os conselhos mais valiosos, que me dão mais força e me fazem continuar, vão na direção contrária, de gente que acredita no que eu faço, como o Marcelino, minha mãe, ou a minha agente. Certa vez ela disse: "Você não é mainstream. O que você faz não é o que interessa ao meio literário agora, mas você tem de fixar sua personalidade, que as coisas mudam e o que você faz pode ser a grande coisa daqui a dez, vinte anos."

Pois é, a carreira literária é longa e o difícil é viver o dia-a-dia.

Lembrei disso porque a mesma coisa me disse uma produtora hoje, depois de uma reunião de roteiro. "Você tem de seguir fazendo o que você já faz, porque é isso que vai marcar sua personalidade e as pessoas vão te procurar por causa disso." Eles me procuraram por causa disso, um roteiro de uma série (de que ainda não posso falar), me procuraram por causa da pegada trevosa, o humor negro, kitsch.

Nos últimos anos, tem sido melhor escrever por encomenda. Garotos Malditos foi meio escrito sob encomenda, por mais que o projeto tenha sido criado por mim, fui pago para escrever, tinha um prazo para entregar, etc. A questão não é só a grana, a questão é sentir que o texto é esperado, solicitado, desejado.

Essa coisa de o escritor criar sozinho, ter total independência e materializar seu universo interno é lindo, no começo, mas para mim tem só trazido frustração - quando se vê que não muda realmente o mundo, que não muda nem a literatura, que vende pouco, que as pessoas tratam com o descaso de "mais um livro". Os próprios editores, na maioria das vezes, tratam o autor com tanto desdém, como se fosse um favor publicar seu livro. E, no começo, é tudo tão bonito, cada micro-resenha em jornal, cada GRANDE resenha. A gente imagina que será diferente...

A crise é da escrita, mas não se restringe aos livros. "Já pensou em escrever peça?" sempre me perguntam. "Você deveria escrever letra de música", até já me disse Antônio Cícero, e eu escrevo. Tem também os roteiros. Mas o escritor antes de tudo escreve livros - é sempre mais gostoso fazer livros. E a crise não está no formato, está na autoria.

Eu tenho achado que as pessoas estão cada vez menos interessadas no que eu mesmo tenho a dizer, então é melhor que me encomendem - seja o que for. Se tiver uma intersecção com o que eu faço, se eu conseguir trazer para o meu mundo, eu escrevo. Gosto desses desafios. É lindo os emails que recebo quase diariamente de leitores, mas como um bom negativista, digo que "o peso das derrotas é maior do que o das conquistas", e tenho um bom número de derrotas para me afundar. Principalmente porque já tive mais leitores, já tive mais vendagem, até já me encomendaram muito mais textos. Sei bem que não dá para se estar sempre no auge, mas entre saber e querer há uma diferença. E é triste chegar a dez anos de carreira numa curva decrescente.

Sinto que fazer diferente não faz diferença. As pessoas querem é se identificar, e eu não me identifico com quase nada.  O que eu tenho a dizer vai continuar causando estranheza - ou resistência - seja em livro, música, teatro ou roteiro. Melhor contar a história dos outros; ao menos paga minhas contas.

É nessa crise existencial-literária que cheguei aos 35 anos, 7 livros publicados. Achando que não conquistei muito além da aura de "Garoto Maldito", e já não sou mais garoto.

A pergunta agora é: "Aonde quero chegar?" [Instalação: Santiago Nazarian/Alexandre Matos, Sesc Pinheiros]

NESTE SÁBADO!