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A escrita é uma
ocupação nociva. Escrever é uma profissão de risco. Não se pode fazer uma obra
consistente sem remoer rancores, frustrações, essas coisas que provocam câncer,
tendinite e impotência. Além disso, o escritor é um caçador solitário, sempre
sujeito a se perder na floresta. A endorfina do orgasmo, ou apenas o prazer de
um abraço são concorrentes de uma escrita produtiva. Não se pode escrever com
as mãos ocupadas. Assim, todas as atividades, experiências e sensações que
levam a uma vida saudável e positiva estão distantes do escritor. Para ele, os
prazeres são apenas orais. O cigarro, a bebida, o café – muito café – enquanto
as mãos trabalham. Apenas a boca vaga, a língua a vagar, procurando substitutos
para o que não se pode alcançar...
Livros e mais
livros, acumulam mais poeira do que sabedoria. Ácaros, mais ácaros do que
poesia. Bloqueiam a luz solar, absorvem a luz do sol, provocam sombra, carência
de vitamina D. Não que um escritor precise de livros para escrever... Livros
acumulam dor nas costas, lombadas, afundam o apartamento piso abaixo, escada
abaixo, abrigam parasitas e escondem problemas de encanamento. É só dar uma
rápida olhada neste apartamento que fica claro que a escrita não é uma ocupação
saudável, não tenho uma ocupação saudável. Não estou fazendo bem em escrever
mais um parágrafo já com tantos livros povoando essa casa, nossa casa, planeta
terra, com acres devastados...