EU, EDITOR. EU, TRADUTOR.
Estou terminando a tradução de um livro ótimo, literatura, coisa e tal. Daí fiquei pensando que se eu fosse o editor eu recomendaria deixar os personagens um pouco menos reais, mais representativos. E aumentar um pouco o (melo) drama para deixar mais emocionante. Enfim, acho que eu sugeriria tornar o livro pior para que ficasse mais legal. Faz sentido?
Estou terminando a tradução de um livro ótimo, literatura, coisa e tal. Daí fiquei pensando que se eu fosse o editor eu recomendaria deixar os personagens um pouco menos reais, mais representativos. E aumentar um pouco o (melo) drama para deixar mais emocionante. Enfim, acho que eu sugeriria tornar o livro pior para que ficasse mais legal. Faz sentido?
Me fez pensar nas minhas escolhas - como autor e como tradutor. Recentemente o produtor da série de TV que estou escrevendo (que ainda não posso dar detalhes - estreia próximo ao fim do ano) me pediu para tornar alguns diálogos menos caricatos. Eu alterei, porque estou escrevendo sob encomenda. Mas se a escolha fosse minha eu obviamente preferiria a caricatura. Sempre tive consciência do limite do mau gosto na minha escrita. Sou partidário do excesso, do exagero, da repetição, gosto do kitsch, do trash, e prefiro personagens representativos do que reais. Acho que o livro em que isso fica mais claro (que é o livro que tem mais minha cara) é O Prédio, o Tédio e o Menino Cego. Enfim, o livro que a crítica e os leitores menos gostaram.
Como tradutor, minha escrita também é limitada, claro. Eu preciso seguir o que o autor pretendeu. Mas o tradutor também tem suas escolhas, e pode melhorar (ou piorar) o texto, sim.
Estava comentando agora há pouco no FB sobre O Mágico de Oz, que eu traduzi para a Leya/Barba Negra. É um livro bastante infantil, e não digo isso como crítica. Mas esse tom que direcionou toda minha tradução, como se eu estivesse contando a história para uma criança. A técnica é escolher as palavras mais fáceis em português, usar diminutivos que não existem no original em inglês ("Dorothy se sentou no cantinho da cama") e outras construções próprias do português que não teriam como estar no original, mas que podem ser usadas para dar o mesmo efeito (ou um efeito próximo ao) que o texto tem em inglês.
Essa questão do tradutor "melhorar" o texto é muito discutida. Muitos dizem que isso não deve ser feito, mas às vezes é inevitável. Quando me deparo com um texto que peca pela repetição de uma determinada palavra, eu procuro sinônimos. Vez ou outra eu ELIMINO a palavra, confesso. Não acho que isso seja uma atitude errada do tradutor.
Por exemplo, traduzi um livro que tinha tanto a palavra sudden (repentino) que eu simplesmente a limei. Era tod hora uma "sudden explosion" uma "explosão repentina". Porra, que explosão NÃO É repentina? Só se você estiver trabalhando numa pedreira. Não se precisa desse sudden. Cortei.
Também confesso que já alterei levemente o tom de uma tradução. Um juvenil de fantasia chaaaaato pra dedéu, que só tinha drama, só acontecia desgraça, sem humor algum. Eu optei por traduzir palavras e expressões usando gírias que tornaram o texto mais leve e mais divertido. É errado? Não acho. Você só está escolhendo palavras para dizer o que de fato está escrito no original. "She's ugly as hell" pode ser "ela é feia como o diabo" ou "ela é feia para danar" ou "ela é o cão chupando manga" (neste caso, para um livro juvenil, eu escolheria a última.)
Essas são algumas técnicas que uso como tradutor (e como autor). Na verdade, são intuitivas. Eu tive de desenvolver sozinho, na raça. Sou formado em Publicidade e Propaganda (pela FAAP). Apesar de ter entrado em Letras na USP, nunca cursei. Nunca frequentei oficinas literárias. Não fiz curso de tradução. Aprendi inglês morando fora (e jogando videogame, lendo, vendo filme, ouvindo música...). Então admito que tenho muito, muito, muito medo das minhas primeiras traduções. Jamais releria esses livros. Mas hoje já são mais de TRINTA livros traduzidos (alguns filmes e algumas peças), dez anos dessa carreira (que começou junto à minha carreira de escritor), acho que deu para aprender algumas coisas.
Claro, minhas escolhas são discutíveis (e é preciso discutir com o editor). Mas é um trabalho que faço com prazer e - ainda que seja muito difícil viver só de tradução - que paga minhas contas.
Ps - Obviamente só dou nomes e divulgo os livros que traduzi e gostei. Não seria ético com a editora eu espinafrar publicamente um livro que eles me pagaram para traduzir.