Resenha minha, na Folha do último final de semana, para o livro de Julian Barnes.
É fácil para um autor mundialmente consagrado, com mais de 30 anos de carreira e uma dezena de prêmios, tornar-se autoindulgente.
As pouco mais de 120 páginas de "Altos Voos e Quedas Livres" passam inicialmente essa impressão; uma prosa preguiçosa sobre balonismo, de um autor com fôlego de final de carreira.
Entretanto, o leitor que não for dominado pela própria preguiça pode logo notar que há algo além na obra mais recente de Julian Barnes, uma curiosa mistura de ensaios, crônicas e memórias, que ao final gera algo próximo de um pequeno grande romance.
"Você junta duas coisas que nunca foram juntadas antes. E o mundo se transforma", coloca ele no parágrafo inicial. E o livro se desenrola sobre isso: balões e paixões, um como alegoria do outro.
Dividido em três partes, começa com relatos sobre balonistas do século 19 na Inglaterra e na França; a paixão romântica por voar ao sopro do vento, já ameaçada pelas iminentes máquinas tripuladas "mais pesadas do que o ar."
Essa alegoria ganha mais fôlego na segunda parte, que se concentra no (fictício) romance da atriz francesa Sarah Bernhardt com o coronel inglês Fred Burnaby, dois balonistas que pareciam ser levados por ventos distintos.
"Animais rasteiros, às vezes chegamos tão longe quanto os deuses. Alguns voam por meio da arte, outros da religião; a maioria do amor. Mas, quando voamos, podemos cair. Existem poucos pousos suaves. Podemos nos ver batendo no chão com violência, arrastados na direção de uma estrada de ferro estrangeira. Toda história de amor é uma história de sofrimento em potencial."
Isso leva à terceira parte do livro, em que Barnes assume o tom confessional e discorre sobre o luto pela morte da mulher, com quem foi casado por 30 anos.
Então, os dois terços iniciais se justificam como uma delicada introdução ao cenário interno do autor. Triste, densa, mas sem nunca perder a leveza, a obra se revela um voo ligeiro e inesquecível.