Eu, um adolescente exemplar.
Terminei a madrugada ontem assistindo a Bastard Art, um documentário de uma hora e meia sobre a obscura banda gótica (se é que isso não é pleonasmo) Sex Gang Children, uma das pioneiras do movimento na Inglaterra. Tive lindos flashbacks de um período negro na minha vida, que em parte foi um período de ouro.
Ser gótico no Brasil não faz muito sentido, mas faz mais sentido. As roupas pretas, maquiagem pesada, pessimismo e melancolia parecem sublinhar melhor por aqui o enfoque de contestação, sociopatia. No final da minha adolescência, no final dos anos 90, eu me aproximei bem do movimento, frequentando os clubes do centro e da periferia, fugindo dos carecas, raspando zero a sobrancelha e adotando todo tipo de visual discutível.
Sobrancelha zero, com Fabbie, minha namorada na época, que hoje é uma linda, rica e poderosa empresária do meio musical.
Eu era tecladista de uma banda de glam rock - Viva Violet - chegamos a fazer show no Retrô (na Santa Cecília), mas era todo mundo muito, muito ruim. Eu escrevia poemas, contos e fazia fanzines (que espero que estejam perdidos para sempre).Nessa época também fiz curtas na faculdade de comunicação. Foi o período que pratiquei "body art", mais como experimentação estética do que qualquer coisa. Um trabalho de fotos de auto-mutilação que fiz no centro de São Paulo atraiu atenção e gravaram um documentário comigo. Fiquei meio conhecido como "o menino que se corta". Escrevi/dirigi e atuei no curta Ame o Garoto que Segura a Faca, uma tosqueira tremenda, mas com uma fotografia e edição bacanas (de colegas de faculdade). É um passado negro, mas não renego. Ficaram boas lembranças, algumas cicatrizes... os vídeos em si eu espero que tenham sido perdidos para sempre também.
Still de Ame o Garoto que Segura a Faca. É - eu sou essa espécie de Drag Marilyn Manson genérica - e isso é tudo o que vocês vão ver.
Nessa época a internet ainda engatinhava, então para conhecer gente com gosto parecido, para ouvir as bandas era preciso recorrer às lojas de disco no centro, na Galeria, na Indie (loja na Pedroso de Moraes). Ainda tenho aqui uma porrada daquelas coletâneas terríveis da Cleopatra (gravadora gótica independente americana), através das quais conheci o Sex Gang Children (e acho que só isso. Não lembro de mais nenhuma banda desse selo que eu ainda escute). Também ouvia muito Bauhaus, Siouxsie and the Banshees, London After Midnight, Silverblood, Tetine (que era gótico), Einsturzende Neubauten, Marilyn Manson, muitas das quais pude ver ao vivo com o passar dos anos.
Siouxsie assisti no Brasil em 95 (Olympia) e em Londres em 2002. O show do Brasil foi bem mais legal.
Vi o Peter Murphy, do Bauhaus, duas vezes aqui em São Paulo. O show do ano passado, só com sucessos da banda, foi inesquecível.
Cheguei a sair para beber com amigos e o Einsturzende Neubauten antes do show que eles fizeram aqui no Sesc. O baixista da banda chegou (atrasado) com a gente ao show.
E tem a história clássica da noite que passei num quarto de hotel com Marilyn Manson, banda, alguns amigos e um punhado de prostitutas, em 97.
Sex Gang Children eu consegui assistir em 2002, em Londres. Lembro que cheguei bem cedinho (porque achei que estaria lotado; não havia ninguém) e encontrei o próprio vocalista, Andi, no banheiro. Me apresentei como fã brasileiro e ele começou a falar de futebol. Consegui um disco autografado e o empresário ainda perguntou se eu queria trabalhar de roadie para a banda (assim, meio na brodagem, com uma ajudinha de custo...). Eu já tinha um emprego razoável de barman.
O show foi absurdo - principalmente porque assisti pastilhado; na época fazia tudo pastilhado (ecstasy, isso). A banda só tocou músicas novas (do excelente disco que lançaram em 2002, Bastard Art), depois voltaram para o bis com Andi anunciando: "Vocês foram muito pacientes. Este não é o bis, é a segunda parte do show!" Daí tocaram todos os "sucessos", com direito a Andi cantando "Sebastiane" no meio da plateia (de meia dúzia de pessoas).
Esse show foi lançado oficialmente pela banda, num DVD de filmagem bem amadora. Para mim, vale como lembrança afetiva. E eu até posso ser avistado rapidinho.
(Recentemente eles lançaram um novo álbum de estúdio, Viva Vigilante, que estou escutando agora e está me parecendo bem divertido.)
Essas bandas, essas histórias é que me dão força para acreditar que o importante é fazer o que se acredita, que o sucesso é discutível, que você pode ser um artista obscuro de porão, mas ainda fazer parte da história, mudar a história... ao menos de um adolescente perdido do outro lado do oceano.
Para quem está chegando agora, o som do Sex Gang é uma mistura de punk, gótico e cabaré, com vocais esganiçados e letras sofisticadas. Escuta só uma das músicas mais lindas deles:
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19, com corpinho de defunto.