25/04/2014

DEBATE EM DEBATE


"Nuevos Narradores Iberoamericanos", em Madrid (2010). 

Livro novo saindo, lançamento marcado em São Paulo, começam a pipocar os pedidos e perguntas de leitores de outros estados. Estou me esforçando para circular mais, fazer lançamento pelo menos nas principais capitais, mas isso é algo que depende menos de mim e da editora do que os próprios leitores.


Com Michel Melamed e Daniel Galera na Bienal Rubem Braga (Cachoeiro do Itapemirim, 2010).


O lançamento a seco, numa livraria, é algo que geralmente não compensa financeiramente. Aqui em São Paulo tenho amigos, família, uma maior quantidade de leitores por essa proximidade e pelo próprio tamanho da cidade. Dá para se esperar uma venda razoável numa noite de autógrafos. Fora de São Paulo, é preciso contar com a disponibilidade dos leitores (termo que sempre prefiro no lugar de "fãs"); se consigo vender 30, 40 livros já é uma conquista, mas que não chega a justificar o investimento com passagens, hospedagem, os próprios gastos e perda de um dia de trabalho por estar fora de SP.

(Você, que já me viu em algum evento fora de SP, em Porto Alegre, Recife, Cachoeiro do Itapemirim, pôde ter uma ideia efetiva de quantos lá realmente compraram o livro.)

Os eventos maiores, dentro da programação de algum festival ou bienal, são mais vantajosos, porque geralmente já têm uma cobertura de imprensa maior, atraem não só seus leitores prévios como uma pá de curiosos, geram pelo menos uma boa divulgação. O público que não me conhece pode ir lá ver o que tenho a dizer - às vezes não tem dinheiro para comprar o livro na hora, mas sai com um interesse e conhecimento maior da minha obra... ou perde a vontade de vez.


Festival Facyl em Salamanca (Espanha, 2013). 

O mínimo que um evento desses deve oferecer ao autor é passagem e hospedagem. Alguns oferecem auxílio alimentação. Muitos não oferecem cachê. Pode se discutir a questão do cachê pois afinal "o autor já está lá divulgando seu livro", mas gosto sempre de comparar com a situação do músico. Se um músico não costuma fazer show de graça para divulgar seu CD, o escritor também não deveria participar de debates ou palestras de graça para divulgar seu livro.

Ainda assim, compreendo que muitos festivais literários são feitos na raça, sem patrocínio algum, com os organizadores lutando para conseguir apoio, passagens, um hotel; já participei e participo de muitos eventos sem cachê, é um investimento que faço do meu bolso (um dia de trabalho que perco; o táxi que pago para o aeroporto...) para divulgar o livro, encontrar leitores ou mesmo conhecer uma cidade nova.


Feira do Livro de Guadalajara, 2013. 

O valor do cachê pode ser discutido, geralmente não é alto. A coisa pega quando o festival ostenta grandes patrocinadores, tem dinheiro público envolvido, mas os autores não estão ganhando porra nenhuma, ou só uma ajuda de custo. Pior ainda quando se descobre que alguns autores estão ganhando, outros não.

Pode se argumentar que o investimento deveria ser feito pela editora - e muitas vezes é. Já participei de eventos em que a editora pagava passagem, a organização arcava com a hospedagem. Mas novamente pode se comparar com a música - não se espera que uma gravadora pague para o músico tocar na sua cidade, isso é responsabilidade de quem organiza o evento.

E quem organiza o evento? Os leitores cobram que eu esteja em Brasília, no Recife, em Palmas, mas eles mesmos estão mais próximos da organização do evento, sabem melhor o que vai acontecer na sua cidade, são alunos ou amigos dos curadores, podem indicar os autores que querem ver, ou podem eles mesmos arregaçar as mangas e lutar para criar um evento na sua cidade. Não se pode esperar sempre por um "poder maior" que crie uma Flip na sua cidade; os eventos mais bacanas de que participei foram organizados por leitores, por escritores, que geralmente começam no tranco, e vão crescendo, ganhando prestígio, verba e cachês.


Em Campo Grande.

Acho absurdo, por exemplo, meu livro ter sido leitura de vestibular na Paraíba e NINGUÉM de lá ter organizado um evento para me levar. Sei que este ano Mastigando Humanos é leitura obrigatória em colégios de Salvador, que é uma cidade que não conheço. Também tenho livros lançados na Itália e Portugal, mas nunca me convidaram para nada por lá (Portugal conheço como turista). Na Espanha a editora se empenhou e conseguiu apoio para uma mini-turnê minha, ano passado.




"Ave Palavra" com Anderson Pires, em Juiz de Fora (2012)

Sei que sou um autor controverso. Minha literatura é provocativa, flerta com o sórdido e o obscuro. Sou visto com desconfiança no meio acadêmico; não sou queridinho dos prêmios literários; não tenho um discurso padrão nem dentro do meio literário - o que já me faz ser visto como "polêmico" por alguns, sendo apenas verdadeiro. Sei bem o quanto isso me abriu portas, mas também fecha portas importantes (e cada vez mais acho que o saldo é negativo). Nessa cruzada só posso contar mesmo com meus leitores, que estão crescendo, estão se fortalecendo - já trabalho hoje com editores que foram meus leitores na adolescência, veja só. E os leitores que querem me encontrar são os que devem tentar me levar mais longe. Assim continuo rastejando, penetrando entre as frestas, sonhando com o dia em que os répteis voltarão a dominar a terra.



ALGUNS DOS EVENTOS LITERÁRIOS MAIS BACANAS DE QUE PARTICIPEI: 



Com Chico Mattoso e João Paulo Cuenca mediados por Paulo Roberto Pires. 


FLIP: É inegável a projeção que uma Flip tem. E tive a sorte de participar da primeira, em 2003, bem no início da carreira. Foi uma ótima inserção no meio literário - onde caí de paraquedas - com discussões que se estenderam nas mesas dos bares, nas grandes festas, almoços e jantares. Como minha turma é outra, nunca mais voltei. (Virou um desses casos em que aguardo a era dos répteis...)




JORNADA LITERÁRIA DE PASSO FUNDO: Evento fantástico em que se fala para milhares, milhares de estudantes que de fato leram os livros. Os autores selecionados têm seus livros previamente adotados em universidades ou colégios da região, então você vai lá de fato encontrar seus leitores. Nunca me esqueço da sensação de chegar à cidade e encontrar no quarto de hotel um livro didático com questões sobre Mastigando Humanos.



Com João Silvério Trevisan e João Gilberto Noll. 

BALADA LITERÁRIA: Essa é das boas panelinhas de se fazer parte. Organizada pelo meu brother Marcelino Freire, já participei diversas vezes, como mediador e debatedor. Mas como o nome próprio diz, vai além dos debates e se espalha por festas, shows, exposições. O ano em que mediei um bate-papo com João Gilberto Noll (meu maior ídolo na literatura) sempre será especial para mim.



Com Cristhiano Aguiar.  

FREEPORTO: Um ótimo exemplo daqueles eventos organizados na raça, por um grupo de leitores-escritores do Recife. Tinha uma programação "psicodélica" bem divertida que também ia além dos debates.




Com Ivana Arruda Leite, mediados por Carlos Henrique Schroeder. 

FESTIVAL NACIONAL DO CONTO: Outro evento de militância, organizado pelo querido Carlos Henrique Schroeder em Santa Catarina, que valoriza o conto e contistas, que geralmente são vistos abaixo do romance no meio literário. O ano em que participei teve uma programação recheada de amigos e colegas queridos, como o Galera, Ivana, Joca e Marcelino.



Com Bernardo Azjemberg e Fernando Molica. 


FÓRUM DAS LETRAS DE OURO PRETO: A cidade em si já é maravilhosa. Mas o evento organizado pela Guiomar de Grammont não fica atrás. Discussões temáticas das mais diversas com autores, editores e tradutores, que só poderiam ser organizadas por quem realmente entende da coisa.


Com Ana Paula Maia. 

SEMPRE UM PAPO: Já participei duas vezes, devo participar novamente em breve, e sem dúvida é dos eventos com melhor estrutura. Organização impecável, sempre gera ótima imprensa e longos bate-papos que ficam disponíveis no YouTube. Acontece durante o ano todo (o que é ótimo por um lado, mas também faz com que os bate-papos fiquem isolados e os escritores não se cruzem, o que é uma perda).




BOGOTÁ 39: Não acho justo colocar os eventos internacionais aqui, porque só a viagem e a experiência são sempre imbatíveis, mas se tivesse de eleger só um, obviamente seria o Bogotá 39, evento em que participei em 2007, com os "39 escritores com menos de 39 anos mais importantes da América Latina". Não foi muito noticiado no Brasil, mas ecoou fortemente na América Latina (e isso me rendeu diversas viagens pelo continente e Europa). Além do intercâmbios com outros escritores jovens, tivemos festas, jantares e publicações inesquecíveis. Espero que os três anos que me restam como "jovem autor" me rendam outras dessas...

ENTÂO VOCÊ SE CONSIDERA ESCRITOR?

Então você se considera escritor? (Trago questões, não trago respostas...) Eu sempre vejo com certo cinismo, quando alguém coloca: fulan...