Resenha do livro de Colm Tóibín, que assinei na Folha deste final de semana:
Narrativas de luto frequentemente pendem para o melodrama, como uma
necessidade de expurgo, tanto para o autor que as arquiteta quanto para o leitor
que as busca. O texto alcança um patamar superior quando consegue transmitir a
dor através de imagens sutis, aproximando-se do vazio da perda. Essa é uma
conquista inegável de Nora Webster, romance mais recente do irlandês, Colm
Tóibín, que estará no Brasil novamente na Flip, na próxima semana.
A protagonista-título é uma mulher de quarenta e poucos anos que
perdeu recentemente o marido, vítima de uma doença terminal que se prolongou
por meses. Enquanto situa-se na viuvez, Nora ainda tem de buscar meios de
sobreviver e criar os filhos, dois meninos em idade escolar e duas meninas que já
caminham para a independência. Letárgica, é guiada pela comunidade onde vive
no sudeste da Irlanda dos anos 1960, tendo sua vida e a criação dos filhos
decidida por todos que a cercam. Ela volta a trabalhar, estabelece novas relações
de amizade e redescobre o prazer pela música, porém sempre flutuando alheia
pelos acontecimentos.
O resultado pode ser visto como um romance muito delicado, mas que
resvala no insosso. A banalidade do cotidiano é justificada de maneira inteligente
pela apatia da personagem diante da vida, porém na prática o que se está
narrando é um cotidiano banal. E se por um lado a compreensão da alma
feminina por Tóibín impressiona, não deixa de ser um “livro de mulherzinha”.
“Nora pôs o disco para tocar e examinou a fotografia da capa, olhou os
homens com seu aspecto moreno e depois a jovem entre os dois, que parecia mais
feliz quanto mais ela a observava.” Passagens como essa pessoalmente me
fizeram gritar por mais sangue! Sabor! Testosterona! No final, me pareceu um
exemplo clássico de romance que seria mais legal se fosse pior. Ou concluo da
mesma forma dizendo: é bom, mas é chato.
Avaliação: regular
28/06/2015
23/06/2015
A ARTE DE MENTIR DIZENDO NADA ALÉM DA VERDADE
Escrevi para o site da Rocco um pouco do processo de tradução de Vidas Reinventadas, um dos livros mais bacanas que fiz recentemente. Aqui:
Assim como a escrita, a tradução exige técnicas, que começam com um profundo conhecimento da língua, mas que nunca se restringem a isso, assim como nunca se restringem à técnica. Como um autor muito intuitivo, sempre adotei essa mesma postura na tradução, tentar “sentir” o tom do texto, viver a história, mais do que decodificá-la. Na prática, isso significa que faço uma tradução bem bruta, passando pelo texto de maneira grosseira, e revisando/readequando conforme avanço. Geralmente começo a tradução com o meu vocabulário (ou da tradução anterior) e vou encontrando aos poucos qual seria o vocabulário do texto, do personagem, quem é o personagem. Muitas vezes, ao chegar ao final do texto, encontro as melhores expressões para o começo, uma sugestão de título, mais ou menos como acontece com a escrita dos meus livros.
Dizer que Vidas reinventadas é um romance peculiar seria uma nulidade. Porém é um texto em que esse tom particular fica mais em evidência do que nunca. Para começar, já é narrado por um imigrante soviético (autor e narrador), com um inglês bem colorido. As expressões que ele usa não são as expressões que se usaria em inglês e não podem ser traduzidas pelas que se traduziriam em português. A história em si trata de um escritor tentando neutralizar seu tom de escrita para contar a história de outros – nesse processo sou tradutor de um tradutor fictício. Expor exemplos aqui seria detalhar um processo que provavelmente não interesse ao leitor (“só quem pode avaliar o trabalho do tradutor é quem não precisa dele”), mas a busca foi sempre manter as “cores” do texto original, uma certa estranheza com fluidez, sempre com fluidez. Obviamente minhas próprias raízes familiares na região (a Armênia, parte da antiga União Soviética), e conhecer pessoalmente um pouco de lá (Rússia, Estônia…), me ajudaram muito a visualizar o universo proposto por Fishman.
Talvez todo grande escritor seja universamente estrangeiro, observa o mundo de fora e tenta colocá-lo em palavras. Quem se propõe a escrever na sociedade de hoje já está contra a corrente. Mas Boris Fishman tem uma boa desculpa, a melhor desculpa. Para soar estranho, deslocado, e ainda assim encantador. Vidas reinventadas é a descoberta de um mundo novo, com leis próprias, a cada página.
Aclamado romance de estreia do russo radicado nos Estados Unidos, Boris Fishman, Vidas reinventadas é um livro sobre família, Holocausto, os limites entre a ficção e a realidade. Com uma linguagem fluida e elegante e uma história cheia de desvios e nuances, Fishman apresenta o protagonista e alter-ego Slava Gelman, um aspirante a escritor da revistaCentury.
Descendente de judeus russos que imigraram para os Estados Unidos quando ainda era criança, Slava vem se distanciando da família que vive no Brooklyn para se tornar mais americano e fazer algum sucesso escrevendo na América. Isso começa a mudar após a morte de sua avó – uma sobrevivente de um gueto nazista em Minsk – e de um pedido inusitado de seu avô: forjar um relato de como a avó sobrevivera à guerra.
Dois dias antes de morrer, a avó recebera pelo correio um formulário do governo alemão em que sobreviventes do Holocausto deveriam relatar suas histórias a fim de receberem uma indenização. Sua avó não falava sobre o assunto e nunca escreveu a carta. Seu avô, também um sobrevivente, não se enquadrava exatamente nos critérios do governo alemão para se candidatar: fugiu para o Uzbequistão no início da guerra, nunca esteve em um gueto ou um campo de concentração.
A princípio relutante, Slava acaba cedendo e escreve um relato para ser enviado no nome do avô. Em seguida, começa a escrever para toda uma comunidade de velhos imigrantes judeus da União Soviética, entrando de cabeça em um turbilhão de histórias – inventadas – sobre o Holocausto ao mesmo tempo que se reconecta com sua avó, suas origens e o restante de sua família. Tratando de temas muito sérios com humor, ironia e até mesmo aspereza, Boris Fishman nos apresenta questões sobre a verdade, a justiça e a história.
Com personagens tão humanos e verossímeis que quase podemos ouvi-los falando, Vidas reinventadas aborda temas sensíveis sem vitimização, o que confere profundidade à história. Aclamado pela crítica e carregado de referências literárias, desde Dostoiévski e Tolstói até García Márquez e música pop russa, o livro é repleto de jogos de linguagem, discutindo as limitações da língua adquirida, os contrastes com a materna, com pitadas de hebraico e ídiche.
Descendente de judeus russos que imigraram para os Estados Unidos quando ainda era criança, Slava vem se distanciando da família que vive no Brooklyn para se tornar mais americano e fazer algum sucesso escrevendo na América. Isso começa a mudar após a morte de sua avó – uma sobrevivente de um gueto nazista em Minsk – e de um pedido inusitado de seu avô: forjar um relato de como a avó sobrevivera à guerra.
Dois dias antes de morrer, a avó recebera pelo correio um formulário do governo alemão em que sobreviventes do Holocausto deveriam relatar suas histórias a fim de receberem uma indenização. Sua avó não falava sobre o assunto e nunca escreveu a carta. Seu avô, também um sobrevivente, não se enquadrava exatamente nos critérios do governo alemão para se candidatar: fugiu para o Uzbequistão no início da guerra, nunca esteve em um gueto ou um campo de concentração.
A princípio relutante, Slava acaba cedendo e escreve um relato para ser enviado no nome do avô. Em seguida, começa a escrever para toda uma comunidade de velhos imigrantes judeus da União Soviética, entrando de cabeça em um turbilhão de histórias – inventadas – sobre o Holocausto ao mesmo tempo que se reconecta com sua avó, suas origens e o restante de sua família. Tratando de temas muito sérios com humor, ironia e até mesmo aspereza, Boris Fishman nos apresenta questões sobre a verdade, a justiça e a história.
Com personagens tão humanos e verossímeis que quase podemos ouvi-los falando, Vidas reinventadas aborda temas sensíveis sem vitimização, o que confere profundidade à história. Aclamado pela crítica e carregado de referências literárias, desde Dostoiévski e Tolstói até García Márquez e música pop russa, o livro é repleto de jogos de linguagem, discutindo as limitações da língua adquirida, os contrastes com a materna, com pitadas de hebraico e ídiche.
05/06/2015
TEMATICAGAY
Semana que vem, reencontro o querido amigo Marcelino Freire para discutir sobre literatura e homossexualidade.
Terça-feira, 9 de junho, às 19h30, na Casa das Rosas (Avenida Paulista, 37)
com: Marcelino Freire e Santiago Nazarian
mediação: André Fávero
Entrada franca e tudo mais. Apareça.
01/06/2015
OS CRENTE PIRA
Lia hoje sobre a atual polêmica do Boticário, boicotado pelos evangélicos por apresentar um casal gay em sua campanha de dia
dos namorados. Voltou também a discussão do conceito de “família”, sendo
formado apenas por homem e mulher. Nesses temas, sempre chovem comentários da
crentaiada toda, um povo que nunca teve acesso à educação, mas que agora tem
internet e poder de consumo (e de boicotar).
“É por isso que o Brasil está assim, sem valores”,
pregam alguns que vêem a aceitação da homossexualidade como um sintoma de
decadência moral do país. Gente certamente que não viajou muito, não parou para
pensar que a aceitação da homossexualidade é coisa de país rico, de primeiro
mundo.
Um amigo gay militante falou em “emburrecimento”
da população. Não acho que a população esteja mais burra – é só que os
ignorantes agora têm mais meios para se expressar. “Deus criou Adão e Eva, não
Adão e Ivo”, é um clichê repetido à exaustão. O clichê mais óbvio nunca é
cogitado: “Deus não existe.”
Sou ateu, sem convicção. Não acredito em Deus, mas
não tenho certeza de que Deus não exista – como poderia ter? Acima de tudo,
acho muita soberba do ser humano tentar entender o seu “criador”, se é que há
um criador. Se Deus existe, está muito bem escondido - talvez prefira ficar
assim. Se o ser humano foi “criado” por alguém, como pode procurar entender
esse ser? Pode ser uma criação de laboratório, alienígenas, forças
desconhecidas – o que me parece óbvio é que se algo foi capaz de criar a vida,
não pode ser explicado por ela.
Venho de família católica, mas nunca fui batizado.
Meus pais nunca acreditaram, e sabiamente se abstiveram de batizar os filhos,
já que não iriam hipocritamente seguir os rituais (ao contrário de tantas
famílias que batizaram apenas para seguir a tradição de batizar). Estudei em
boas escolas. Li bons livros. Pude entender um pouco que a ideia de religião,
Deus, Jesus e tantos outros muda conforme a época, conforme o interesse. A
Bíblia pode ser interpretada de diversas maneiras.
Sei que é certo preconceito – há grandes
pensadores com crença religiosa – mas, para mim, de antemão, se o cara acredita
em Jesus-Deus-Bíblia, eu já fico com pé atrás. Já acho que é um coitadinho
suburbano que cresceu sem uma boa escola, que teve a educação e o lazer
centralizados na igrejinha da rua. É como um adulto que ainda acredita em Papai
Noel. Aliás, se o cara acredita em Jesus, tem de acreditar em Inferno, não?
Então o cara acredita num diabo chifrudo queimando pessoas... Acredita em
possessão, exorcismo? Acredita também em lobisomens? Bem, certamente acredita
em fantasmas, não? Acreditar em Jesus não obriga que se acredite em fantasmas,
zumbis? Enfim, é um adulto que acredita em contos de fadas.
Os que acreditam cegamente... tapam os olhos para
os próprios pecados. Tanto moleque comentando por aí que gay vai queimar no
inferno, que ser gay é errado. Deve ser tudo virgem, né? Claro. Porque transar
antes do casamento é pecado... Por sinal
sexo oral também, não? Já que não reproduz... Isso sem mencionar tantos e
tantos outros pecados citados na Bíblia e cometidos diariamente por todos, tipo
usar roupas com tecidos diferentes, cortar a barba, etc, etc. Enfim, é uma
condenação seletiva. Sinceramente, a Bíblia é só uma desculpa que esse povo usa para outros problemas que tem com a
homossexualidade.
Não tenho certeza nenhuma. Não tenho certeza de
que Deus, Jesus, nem coelho da Páscoa não existam. Só acho que que cobrar uma fé cega, irracional, é burrice. Devemos cada um fazer o
melhor, seguindo o puro bom senso, educação. Acreditar é o de menos. Se Deus
existe, ele não precisa que acreditemos nele.
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