Escrevi para o site da Rocco um pouco do processo de tradução de Vidas Reinventadas, um dos livros mais bacanas que fiz recentemente. Aqui:
Assim como a escrita, a tradução exige técnicas, que começam com um profundo conhecimento da língua, mas que nunca se restringem a isso, assim como nunca se restringem à técnica. Como um autor muito intuitivo, sempre adotei essa mesma postura na tradução, tentar “sentir” o tom do texto, viver a história, mais do que decodificá-la. Na prática, isso significa que faço uma tradução bem bruta, passando pelo texto de maneira grosseira, e revisando/readequando conforme avanço. Geralmente começo a tradução com o meu vocabulário (ou da tradução anterior) e vou encontrando aos poucos qual seria o vocabulário do texto, do personagem, quem é o personagem. Muitas vezes, ao chegar ao final do texto, encontro as melhores expressões para o começo, uma sugestão de título, mais ou menos como acontece com a escrita dos meus livros.
Dizer que Vidas reinventadas é um romance peculiar seria uma nulidade. Porém é um texto em que esse tom particular fica mais em evidência do que nunca. Para começar, já é narrado por um imigrante soviético (autor e narrador), com um inglês bem colorido. As expressões que ele usa não são as expressões que se usaria em inglês e não podem ser traduzidas pelas que se traduziriam em português. A história em si trata de um escritor tentando neutralizar seu tom de escrita para contar a história de outros – nesse processo sou tradutor de um tradutor fictício. Expor exemplos aqui seria detalhar um processo que provavelmente não interesse ao leitor (“só quem pode avaliar o trabalho do tradutor é quem não precisa dele”), mas a busca foi sempre manter as “cores” do texto original, uma certa estranheza com fluidez, sempre com fluidez. Obviamente minhas próprias raízes familiares na região (a Armênia, parte da antiga União Soviética), e conhecer pessoalmente um pouco de lá (Rússia, Estônia…), me ajudaram muito a visualizar o universo proposto por Fishman.
Talvez todo grande escritor seja universamente estrangeiro, observa o mundo de fora e tenta colocá-lo em palavras. Quem se propõe a escrever na sociedade de hoje já está contra a corrente. Mas Boris Fishman tem uma boa desculpa, a melhor desculpa. Para soar estranho, deslocado, e ainda assim encantador. Vidas reinventadas é a descoberta de um mundo novo, com leis próprias, a cada página.
Aclamado romance de estreia do russo radicado nos Estados Unidos, Boris Fishman, Vidas reinventadas é um livro sobre família, Holocausto, os limites entre a ficção e a realidade. Com uma linguagem fluida e elegante e uma história cheia de desvios e nuances, Fishman apresenta o protagonista e alter-ego Slava Gelman, um aspirante a escritor da revistaCentury.
Descendente de judeus russos que imigraram para os Estados Unidos quando ainda era criança, Slava vem se distanciando da família que vive no Brooklyn para se tornar mais americano e fazer algum sucesso escrevendo na América. Isso começa a mudar após a morte de sua avó – uma sobrevivente de um gueto nazista em Minsk – e de um pedido inusitado de seu avô: forjar um relato de como a avó sobrevivera à guerra.
Dois dias antes de morrer, a avó recebera pelo correio um formulário do governo alemão em que sobreviventes do Holocausto deveriam relatar suas histórias a fim de receberem uma indenização. Sua avó não falava sobre o assunto e nunca escreveu a carta. Seu avô, também um sobrevivente, não se enquadrava exatamente nos critérios do governo alemão para se candidatar: fugiu para o Uzbequistão no início da guerra, nunca esteve em um gueto ou um campo de concentração.
A princípio relutante, Slava acaba cedendo e escreve um relato para ser enviado no nome do avô. Em seguida, começa a escrever para toda uma comunidade de velhos imigrantes judeus da União Soviética, entrando de cabeça em um turbilhão de histórias – inventadas – sobre o Holocausto ao mesmo tempo que se reconecta com sua avó, suas origens e o restante de sua família. Tratando de temas muito sérios com humor, ironia e até mesmo aspereza, Boris Fishman nos apresenta questões sobre a verdade, a justiça e a história.
Com personagens tão humanos e verossímeis que quase podemos ouvi-los falando, Vidas reinventadas aborda temas sensíveis sem vitimização, o que confere profundidade à história. Aclamado pela crítica e carregado de referências literárias, desde Dostoiévski e Tolstói até García Márquez e música pop russa, o livro é repleto de jogos de linguagem, discutindo as limitações da língua adquirida, os contrastes com a materna, com pitadas de hebraico e ídiche.
Descendente de judeus russos que imigraram para os Estados Unidos quando ainda era criança, Slava vem se distanciando da família que vive no Brooklyn para se tornar mais americano e fazer algum sucesso escrevendo na América. Isso começa a mudar após a morte de sua avó – uma sobrevivente de um gueto nazista em Minsk – e de um pedido inusitado de seu avô: forjar um relato de como a avó sobrevivera à guerra.
Dois dias antes de morrer, a avó recebera pelo correio um formulário do governo alemão em que sobreviventes do Holocausto deveriam relatar suas histórias a fim de receberem uma indenização. Sua avó não falava sobre o assunto e nunca escreveu a carta. Seu avô, também um sobrevivente, não se enquadrava exatamente nos critérios do governo alemão para se candidatar: fugiu para o Uzbequistão no início da guerra, nunca esteve em um gueto ou um campo de concentração.
A princípio relutante, Slava acaba cedendo e escreve um relato para ser enviado no nome do avô. Em seguida, começa a escrever para toda uma comunidade de velhos imigrantes judeus da União Soviética, entrando de cabeça em um turbilhão de histórias – inventadas – sobre o Holocausto ao mesmo tempo que se reconecta com sua avó, suas origens e o restante de sua família. Tratando de temas muito sérios com humor, ironia e até mesmo aspereza, Boris Fishman nos apresenta questões sobre a verdade, a justiça e a história.
Com personagens tão humanos e verossímeis que quase podemos ouvi-los falando, Vidas reinventadas aborda temas sensíveis sem vitimização, o que confere profundidade à história. Aclamado pela crítica e carregado de referências literárias, desde Dostoiévski e Tolstói até García Márquez e música pop russa, o livro é repleto de jogos de linguagem, discutindo as limitações da língua adquirida, os contrastes com a materna, com pitadas de hebraico e ídiche.