01/03/2016

PEDAÇOS DE VIDA

Resenha que publiquei na Folha do último final de semana: 

O formato de observação do cotidiano da crônica requer não só um olhar atento do autor, mas um pertencimento a uma realidade comum. O talento de um cronista, mais do que causar estranheza ou incômodo, está em gerar identificação. Assim, o grande escritor do gênero é o que consegue dizer o que todos já sabem, de uma maneira absolutamente própria.
Fabrício Carpinejar cumpre esses requisitos em parte. Os volumes que trazem suas memórias como filho e como pai são fragmentos imediatamente identificáveis de infância, com um lirismo suave que gera um sorriso de canto de boca. São oito títulos divididos em duas coleções. Na “Vida em Pedaços”, com ilustrações de Eloar Guazzelli, Carpinejar narra uma infância praticamente arquetípica: futebol na rua, avó no fogão, maçãs para professora, fruta comida do pé. Mesmo a estranheza do personagem parece obedecer à rígida cartilha de infância. Não há nada de original no menino Fabrício. Já na coleção “Pedaços de Vida”, ilustrada por Ana Pez, Carpinejar conta sobre as inseguranças e certezas da paternidade, e sua relação com os dois filhos, um menino retraído e uma adolescente típica.
São relatos coloridos pelo talento de Carpinejar como poeta. Excelente frasista, consegue sintetizar verdades e senso comum de maneira precisa: “Amar é não ter paz.” “O caçula é dos filhos o que não se acostumou a nascer.”Quando criança, errar é poesia. Quando adulto, errar é malandragem.” “As olheiras são sonhos que se repetiram”. “Praça é quando duas ruas se casam.” “Uma mãe acabou de ser mãe. Frase engraçada. Mãe é nunca acabar de ser.” Porém em oito volumes (ainda que curtos e que possam ser comprados separadamente), alguns relatos mais tocantes acabam se perdendo numa coleção inchada. (Talvez funcione melhor numa leitura mais preguiçosa e despretensiosa do que a exigida para uma resenha de jornal).
O projeto gráfico em si, e a tradição da editora no segmento infanto-juvenil, geram certa confusão sobre a que público os livros se destinam. Apesar de se tratar da infância, não são de forma alguma livros para crianças; é literatura infantil para adultos, que pode também seduzir adolescentes mais sensíveis. Acertando em cheio nesse tom, as ilustrações da espanhola Ana Pez se sobressaem.
Como um todo, os oito volumes de memórias de Fabrício Carpinejar formam uma leitura prazerosa e inofensiva. E se o texto nunca chega a alcançar a genialidade, tem o mérito de jamais resvalar na pieguice.

Avaliação: Bom

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