Resenha que publiquei na Folha do último final de semana:
O formato de observação
do cotidiano da crônica requer não só um olhar atento do autor, mas um pertencimento a uma realidade comum. O
talento de um cronista, mais do que causar estranheza ou incômodo, está em
gerar identificação. Assim, o grande escritor do gênero é o que consegue dizer
o que todos já sabem, de uma maneira absolutamente própria.
Fabrício Carpinejar
cumpre esses requisitos em parte. Os volumes que trazem suas memórias como
filho e como pai são fragmentos imediatamente identificáveis de infância, com
um lirismo suave que gera um sorriso de canto de boca. São oito títulos
divididos em duas coleções. Na “Vida em Pedaços”, com ilustrações de Eloar
Guazzelli, Carpinejar narra uma infância praticamente arquetípica: futebol na
rua, avó no fogão, maçãs para professora, fruta comida do pé. Mesmo a
estranheza do personagem parece obedecer à rígida cartilha de infância. Não há
nada de original no menino Fabrício. Já na coleção “Pedaços de Vida”, ilustrada
por Ana Pez, Carpinejar conta sobre as inseguranças e certezas da paternidade,
e sua relação com os dois filhos, um menino retraído e uma adolescente típica.
São relatos coloridos
pelo talento de Carpinejar como poeta. Excelente frasista, consegue sintetizar
verdades e senso comum de maneira precisa: “Amar é não ter paz.” “O caçula é
dos filhos o que não se acostumou a nascer.”Quando criança, errar é poesia.
Quando adulto, errar é malandragem.” “As olheiras são sonhos que se repetiram”.
“Praça é quando duas ruas se casam.” “Uma mãe acabou de ser mãe. Frase
engraçada. Mãe é nunca acabar de ser.” Porém em oito volumes (ainda que curtos
e que possam ser comprados separadamente), alguns relatos mais tocantes acabam
se perdendo numa coleção inchada. (Talvez funcione melhor numa leitura mais
preguiçosa e despretensiosa do que a exigida para uma resenha de jornal).
O projeto gráfico em
si, e a tradição da editora no segmento infanto-juvenil, geram certa confusão
sobre a que público os livros se destinam. Apesar de se tratar da infância, não
são de forma alguma livros para crianças; é literatura infantil para adultos,
que pode também seduzir adolescentes mais sensíveis. Acertando em cheio nesse
tom, as ilustrações da espanhola Ana Pez se sobressaem.
Como um todo, os oito
volumes de memórias de Fabrício Carpinejar formam uma leitura prazerosa e
inofensiva. E se o texto nunca chega a alcançar a genialidade, tem o mérito de
jamais resvalar na pieguice.
Avaliação: Bom