27/05/2016

ODE À REDE DO ÓDIO

Num dia monotemático como o de ontem é que vejo como as coisas estão: bem.

Li dezenas de posts sobre o estupro coletivo da menina. Dezenas de pontos de vistas coincidentes. Um ou outro que tinha algo a acrescentar. Alguns que deveriam ter ficado calados.
A violência não é maior do que já foi. Mas a capacidade de discuti-la, condená-la, flagrá-la é. Antes não saberíamos desse caso. Antes não poderíamos debater. Teríamos de aceitar a versão oficial, jornal impresso, Jornal Nacional.

Não estamos mais na bolha em que a violência não existe. Nem na selva onde é cada um por si.

Hoje convivemos, ainda que virtualmente, com moleques que postam vídeos de estupro. Estamos sentados com os evangélicos vendo um vídeo do Porta dos Fundos, do Põe na Roda, da Ana Paula Valadão.

Se temos poucas razões para acreditar na raça humana, tenhamos esperança na sociedade que podemos criar. E, ao meu ver, as redes sociais são uma das ferramentas mais valiosas para isso.

Lembro de um post de um amigo, há algum tempo, que dizia: “triste dessa geração que se informa pelo Facebook.” Eu não acho. Triste era a geração que tinha de esperar todo sábado pela Veja. Hoje temos o link da matéria da Veja na timeline ao mesmo tempo que temos a visão do Pragmatismo Político ou podemos seguir Olavo de Carvalho, Eliane Brum, Leonardo Sakamoto ou deixá-los convivendo em nossa página de abertura. É isso que eu faço. Minha leitura diária dos jornais pela manhã se tornou a leitura da página inicial, links postados, diferentes pontos de vista, muitos deles independentes. E se suas redes não rendem nada, o problema são seus amigos.

Claro que a falta de filtro também tem seus dilemas. Cada um posta o que quer, então se posta muita merda – mas isso também faz parte da descoberta do que se pensa realmente. Compartilha-se muita notícia falsa. E muita gente reproduz o senso comum apenas para entrar na onda: “A cultura do estupro precisa acabar” – que pensamento original! (300 polegares positivos). Se a rede não tem filtro, precisamos criar nossos próprios. Quando não tenho nada a acrescentar, prefiro me manter em silêncio, só lendo, ainda que o silêncio passe muitas vezes por alienação.

E se eu fosse escrever sobre estupro... (como já escrevi sobre estupro), eu preferiria me colocar no lugar do outro tentar entender porque ocorre, como se pode praticá-lo. Porque condená-lo para mim é o mais senso comum, não vejo o que se pode discutir.


De BIOFOBIA


Mas talvez não seja a melhor tática... Porque as pessoas só querem ler o que elas já sabem. E meus livros mesmo (talvez por isso) sempre tiveram alcance limitado...


Voltando. Usamos exaustivamente as redes sociais e ainda assim só somos capazes de repercutir o lado negativo delas. Eu como “minoria”- homossexual começando a vida no final dos 90 - e como “diferentão”, que sempre teve gostos alternativos para literatura, música, cinema, não posso me esquecer do quanto a rede deu possibilidades de eu encontrar a mim mesmo.


16/05/2016

CAUBY! CAUBY!


1931-2016
Perdemos Cauby Peixoto. Para quem é fã do kistch, sempre foi um prato cheio. Se sua voz era indiscutível, o repertório e a interpretação passaram por todo tipo de coisa, a carreira teve seus altos e baixos. Mas não se pode esquecer de que, quando ele queria, também sabia ser delicado e sutil, inclusive em gravações mais recentes.

Assisti ao Cauby pela primeira vez em 2001, em Porto Alegre. Debilitado por uma ponte de safena, cantou o show todo sentado, e eu agradeci poder conhecer essa lenda que, imaginei, estava com os dias contados.

Eu e ele em 2007. 
Foi-se mais de uma década depois. E nesse tempo o assisti mais algumas vezes no Bar Brahma, sempre cantando sentado, com a voz grave afinadíssima - já não mais tão potente -; tive ainda o privilégio de entrevistá-lo para a Joyce Pascowitch em 2007 (de onde guardo essa foto).

A entrevista não rendeu tanto quanto eu esperava. Cauby soltava frases feitas, fugia das questões mais pessoais, com décadas de prática, parecia um personagem pré-programado. Tudo bem. Completei a matéria com depoimentos de amigos (entre eles o biógrafo Rodrigo Faour e meu querido amigo Arlindo Lopes, que fazia o musical dele no teatro).

Hoje acordei com a notícia de sua morte. Aos 85 anos e com tanta história, não se poderia pedir muito mais. Compartilho assim algumas de suas melhores (e piores) músicas, algumas das mais curiosas.



No começo dos 2000, debilitado, Cauby gravou um disco de canções suaves: "Cauby Canta as Mulheres", só com faixas com nomes femininos (incluindo Lígia, Carolina, Dindi e uma versão soft de Conceição). Tenho aqui em casa e, para mim, é uma prova de que ele não dependia dos excessos para brilhar.


"Meu Coração É um Pandeiro" é um álbum lançado mais ou menos na mesma época, onde ele revisitava grandes clássicos do samba. Os arranjos são de muito bom gosto. E tem a interpretação definitiva de "Retalhos de Cetim", na voz dele.



Indo aos antigos sucessos, a tarantela "Canção do Rouxinol" é das representações mais kitsch (e divertidas) da obra dele.


Dos álbuns mais recentes, o disco de sucessos de Roberto Carlos também é bem delicado. Ganhei de presente do querido Marcelino Freire, há um par de anos.


Cauby ressurgiu nos anos 80 puxado por esse sucesso que gravou com Ellis Regina, "Bolero de Satã". Ele entra apenas no final da música, mas arregaça com tudo.


Uma das parcerias mais bizonhas (e toscas) foi com a banda Tokyo, do Supla, nos anos 80.



Já a versão dele de "Cheek to Cheek", com Caetano, é deliciosa.



Sua parceira mais frequente era Angela Maria. O disco deles de 1982 é um clássico.


Um dos maiores sucessos da carreira dele é "Bastidores", escrita por Chico Buarque, que ele cantava mais contido nos últimos anos. Para você mesmo ver como não é fácil, experimente aí essa versão karaokê.



E não poderia encerrar sem… CONCEIÇAAAAAAAO… aqui no auge de sua potência vocal, com o mestre Sílvio.


 Ficam assim suas gravações, já que um substituto não será possível.

13/05/2016

OS 39


Enquanto o país desabava lá fora, passeávamos no zoológico.

Ontem fiz 39 anos e, como não fui viajar, decidi passar um dia de turista na minha própria cidade. Murilo estava livre e me acompanhou ao zoológico, que eu não visitava há quase trinta anos.

É um passeio um pouco triste, os bichos presos, um espaço absurdamente pequeno para jacarés, para grandes felinos. Só não chega a ser melancólico pelo grito incessante das excursões escolares. E as crianças ainda pararam o Murilo para fotos.

Na volta, fomos almoçar na Casa Garabed, lendário restaurante armênio em Santana, que devido à localização eu nunca tinha ido. É longe. E, para quem não mora na região, não sei se vale a viagem.

Brindando com arak. 

O carro chefe da casa são as esfihas, assadas na hora em forno à lenha, a preços salgados entre R$9 e R$13 (isso, a UNIDADE), que achei apenas ok. Pessoalmente eu prefiro as de massa macia às crocantes de lá. E os recheios de cordeiro e de bastrmá não se diferenciam muito das de carne convencional.

Já o homus e o kibe cru foram dos melhores que comi na vida, acompanhados de pães quentinhos também assados na  hora.

O ambiente é aquela coisa, basicamente um salão de espera de uma pizzaria. Já esperava algo "rústico", mas como o restaurante armênio mais conhecido de São Paulo não dava para ao menos colocar um retratinho do monte Ararat na parede? Tocar músicas típicas? Colocar um retrato das KARDASHIAN que fosse? É uma parede de azulejos sem referência alguma ao país dos meus antepassados.

(Vale lembrar que o que se come hoje na Armênia tem pouco a ver com essa culinária libanesa - que remete mais à antiga Armênia Ocidental. A culinária que encontrei ano passado em Erevan remete mais à herança soviética e do Cáucaso.)

O serviço também. Eu ainda esperava algo romântico com um velho proprietário armênio nos recebendo, perguntando de quem eu era neto, mas nada. Fomos atendidos pelos funcionários jovenzinhos-nordestinos num serviço eficiente e nada intimista.

Enfim, valeu pelo passeio, a comida, mas, pela distância, o ambiente e o preço, não compensa. E preciso dizer que Murilo… vomitou ao chegar em casa. Não sei do que foi, porque eu comi as mesmas coisas e não tive nada. De repente foi uma virose.

(Murilo voltou antes para casa, enquanto eu estava no mercado. Quando cheguei, toquei, toquei campainha e ele pedindo para eu esperar. Estava crente que ele estava decorando a casa, preparando a festa, mas era vômito mesmo.)

Meu aniversário terminou aqui em casa, só eu a coelha e o Murilo. Ele mesmo preparou um bolo lindo para mim, fizemos drinques de Stolichnaya e vimos filmes de terror de gosto discutível.


O bolo do Murilo. 


Daí acordei na sexta-feira 13 com os horrores desse novo país...






05/05/2016

CHRISTIAN

A vida se vai mesmo num sopro. Esta semana se foi o querido Christian Petermann, que estava internado há alguns dias por complicações de uma séria crise de asma. Grande crítico de cinema, fui a algumas sessões com ele, nos encontrávamos com frequência pelas ruas, eu o interrogava sobre lançamentos, sobre apostas para o Oscar. A última vez que nos falamos foi há poucas semanas; ele me entrevistou para uma matéria que ainda está por sair. Era um cara muito inteligente e carinhoso. Pensei muito nele esses dias. Força à família e amigos. Assim é a vida.

01/05/2016

PARAÍSO ASTRAL


Apesar da conjuntura, tem sido um ano tranquilo, no bom e no mau sentido. 

Nesse período entrelivros, parece que tudo fica em stand-by, sem viagens, sem eventos, sem grandes novidades desmotivadas pela crise. 

Mas não tem me faltado trabalho, traduções, a encomenda de um texto ou outro. É bom poder apenas abrir a caixa de email e ver que de tempos em tempos alguém se lembrou de mim. Assim pago as contas, sem grandes sobras ou entusiasmos. 

Então, aproveitando o marasmo, peguei esse final de mês para visitar minha amada ilha, às vésperas do meu aniversário. 

Galheta, ontem. 


Florianópolis é meu lugar favorito no mundo desde antes de eu morar lá, entre 2010 e 2011. Não tenho conseguido ir tanto quanto queria, mas sempre está a um pulo, principalmente com a recepção da pousada da Ida e da familinha que formei por lá. 

Também foi das últimas oportunidades que eu e Murilo teremos de viajar juntos por um bom tempo, agora ele que está se preparando para comandar um restaurante. 

Os indispensáveis camarões. 

Tivemos cinco dias daquelas longas caminhadas, pedaladas, remadas, muito camarão e papos regados a vodca. Ainda que à beira dos 40, e longe da minha melhor forma, ainda estou muito bem de resistência - a academia diária às vezes se paga. Na quarta pedalamos 40km da Barra até o Campeche e de volta, e eu praticamente nem senti. Murilo, sedentário aos 27, já está com dificuldade de me acompanhar. 

Mal das pernas, Murilo sugeriu irmos remar de caiaque. 
Não deu muito certo. 


Fez bastante frio durante a noite, dias frescos de céu claro. Para mim, o clima perfeito. O mar estava quente e as praias vazias. Voltamos num vôo de manhãzinha este domingo, para o aniversário de 4 anos de minha sobrinha.


O meu aniversário de 39 é na próxima semana. Não devo fazer nada. Para mim, já está muito bem comemorado.
O jantar com tainha grelhada na brasa de ontem na pousada.


Sigo agora na reta final de um novo romance (meu... NONO livro), que tenho de entregar até julho. Provavelmente sai no começo de 2017, como se o mundo precisasse disso.




NESTE SÁBADO!