Deu este final de semana na Folha, então
finalmente posso divulgar: “Neve Negra” é meu novo romance, que sai no inverno
pela Companhia das Letras, já com direitos para cinema vendidos para a RT
Features - produtora fodástica que tem no currículo, entre outros, “A Bruxa” e “Love”,
de Gaspar Noé.
No livro, após uma longa viagem, um renomado
artista plástico volta para a casa, na noite mais fria do ano, na cidade mais
fria do Brasil, na Serra Catarinense. Ao despertar de um sonho, seu filho de
sete anos também desperta suas dúvidas sobre a paternidade, que
se estenderão numa longa madrugada de pesadelos.
Há
algo de errado com meu filho. E não posso dizer que me surpreendo. Esperei a
vida toda por isso. Desde o primeiro dia, desde antes, espero algum sinal de
anomalia. A mancha vermelha na testa desapareceu, então esperamos os primeiros
passos. Ele engatinhou e se levantou, então esperamos as primeiras palavras.
Alvinho falou – acho que foi algo previsível como mamá– e esperamos as
convulsões. A cada frango servido, esperava o osso da sorte a travar-lhe a
garganta. Sempre que eu voltava de uma viagem, sempre que, de longe, perguntava
sobre ele, esperava, temia, ansiava pela má notícia que acreditava ser
inevitável recair sobre meu filho.
Já flertei bem com o thriller e o suspense em
livros como "BIOFOBIA" e "Feriado de Mim Mesmo" (os dois também vendidos para o cinema), e “Neve Negra” é um parente
próximo desses, na estrutura minimalista de um cenário contido, com poucos
personagens. Mas esse é assumidamente um livro de TERROR, ainda que um terror
psicológico, mais onírico do que fantástico. Foi um convite do Joca Terron, de
escrever um terror literário para ser lançado pelo selo principal da Companhia
das Letras. E se há algo que entendo é de terror (bem, de terror e de
coelhos... e há sim coelhos no livro novo).
A migração da Record, onde publiquei os últimos cinco livros, para a Companhia, se deu naturalmente, sem rusgas, por esse convite. O texto já está escrito, entregue, discutido;
agora está sendo ilustrado – há um livro infantil dentro do romance, que o
protagonista lê para o filho. O tema central é a paternidade e as paranoias que a rondam (estou perdendo a infância do meu filho. Há algo de errado
com ele? O filho é mesmo meu?). Também foi a oportunidade de retratar o raro
cenário de neve brasileira.
“Está
caindo neve...”, meu filho diz de costas para mim, com a cara encostada no
vidro.
“Viu
que legal?” Tento me lembrar se ele já viu neve antes, se tivemos neve por aqui
nos últimos anos, se eu estive aqui enquanto a neve estava. Mesmo na capital da
neve no Brasil, é preciso foco; uma piscada e ela pode derreter. Capaz de ele
ter perdido enquanto dormia. Perdeu a neve enquanto assistia TV. Perdeu a neve
enquanto tomava banho, lia um livro, colava bolas de algodão numa cartolina da
aula de artes da escolinha, reproduzindo um cenário imaginário de inverno.
[...]
Se
a neve nunca derretesse, os passos de meu filho permaneceriam assim,
congelados, infantis. Mas a neve derreterá e não sobrará nem rastro de por onde
aquele menino passou. Piso exatamente sobre, alargando seus passos até minha
maturidade. Será que um dia seus passos serão indistinguíveis dos meus? Será
que sobreviveremos para não distinguir?
A Neve Negra deve cair por aqui em julho. |