Debate em Iguape com Chacal mediado por Reynaldo Damazio. |
Está chegando ao fim minha turnê com Ana Paula Maia
pelo interior do Rio. Quarta agora é a última das seis datas, em Nova Friburgo.
Tem sido uma experiência intensa esses debates
semanais com a mesma pessoa, mediados sempre pelo querido Marcelo Reis de Mello,
sob curadoria do Ramon Mello (não, eles não são parentes, nem um casal).
Poderia ser uma repetição constante dos mesmos discursos, e em parte é, mas a
diferença de público faz toda a diferença. Nas primeiras datas tivemos uma
plateia de adolescentes, o que fez com que a gente levasse a conversa para um
tom mais didático, explicando a cena literária atual, como funciona (ou não
funciona) o trabalho do escritor. Semana passada, em São Gonçalo, tivemos uma
plateia mais velha, gente que já escrevia, o que possibilitou uma conversa mais
aprofundada. E ontem, em Duque de Caxias, tivemos feministas na plateia, o que
levou a discussão para questões de ativismo até então não tocadas.
São debates entre uma mulher negra e um homossexual,
afinal. E mesmo não sendo essa a tônica da nossa escrita, não pode ser
desprezada. Foi uma questão latente durante todos os nossos encontros e ontem
se falou muito sobre o “lugar de fala”. Ana Paula Maia sempre tratou de um
universo muito masculino, machista, e considera que o fato de ela ser uma
mulher negra seja irrelevante em sua carreira. Tenho dúvidas –
independentemente da inegável qualidade de sua escrita, acho que o contraste
entre a figura dela e o texto é um grande chamariz. Ela, como mulher negra da
baixada fluminense, hoje pode escrever sobre o que quiser. Lancei o
questionamento se eu, como rapaz branco homossexual dos jardins me dispusesse a
escrever sobre o universo de miseráveis, de lixeiros, açougueiros, matadores,
presidiários, não seria visto com suspeitas.
Em Iguape. |
Questões que também discuti na sexta-feira no
Festival Literário em Iguape, em debate com Chacal. Ele, homem branco, de olhos
azuis, heterossexual, é um dos maiores nomes da poesia marginal desde os anos
70. Eu, vinte e cinco anos mais novo, garoto branco dos jardins, dividi com ele
a mesa sobre “literatura marginal”; a homossexualidade uma credencial inegável
de minoria que me pertence. Discorri sobre isso, que o fato de ser homossexual
não é apenas uma credencial imediata, mas leva a um percurso próprio que pode me encaixar na marginalidade. Claro que
há muitos gays integrados, coxinhas, cada vez mais; porém eu credito à minha
homossexualidade muito da visão maior de mundo que eu tenho. Se eu fosse
hétero, talvez ficasse acomodado entre meus pares paulistanos privilegiados – o
fato de eu ter de ir além para encontrar pessoas com gostos comuns (seja para
acasalar, seja apenas para compartilhar) é o que me tirou de casa, me fez ser
barman em Londres, surfista em Florianópolis, exilado em Helsinque; fez com que
eu me aproximasse de gente das periferias, de outras origens, outros universos,
porque a cota “gay branco paulistano classe média-alta” é pequena e não me
basta.
A viadagi me levou a essa cidade lindinha, Iguape. |
O debate em Iguape também teve a participação
especial de um morcego, que invadiu o palco montado na praça e ficou dando
rasantes em nós durante a apresentação. AMEI a cidade, uma espécie de Parati
pós-apocalíptica, meio desolada, totalmente vazia, mas lindinha-lindinha, com
um centro histórico rodeado de montanhas e mangues. Pena que fui e voltei no
mesmo dia - por causa do debate no Rio -, queria ter passado mais tempo, passeado mais pelas ruas, visto
outras mesas do Festival, que também teve nomes como Ferrez, Paulo Lins e
Arnaldo Antunes, sob a curadoria afiada do Eduardo Santana.
Iguape, lá de cima. |
Preciso dizer também que, sinceramente, para mim
tem sido mais interessante debater sobre questões amplas da literatura, ou
mesmo sobre a escrita da Ana Paula, como ontem, do que sobre a minha própria.
Não tenho mais muito a dizer sobre meus livros; pode ser por aquele velho
clichê “tudo o que tinha a dizer está lá escrito”, pode ser também porque o que
está escrito não tem mais a ver comigo. Em Iguape experimentei ler meu “clássico”
“Piranhitas”, como uma pequena amostra do que eu faço (como já fiz tantas
vezes). Tive a estranha sensação de que não me comunicava mais com o texto. Não
sou mais eu lá. E agora sinto um pouco isso com todos meus livros. Mesmo Neve Negra, que é bem recente e ainda
está por sair no próximo mês, me parece algo menos pessoal.
O querido Marcos Santos é leitor constante e atuante nos debates pelo Rio. |
O que importa é que o leitor se identifique. E
tem sido lindo ver na plateia as adolescentes fluminenses negras fascinadas com
a Ana Paula, os jovens viados se descobrindo comigo. Devemos inclusive
estender essa turnezinha para mais algumas datas em BH e São Paulo, no segundo semestre – por que você também não agenda um debate com a gente na sua cidade, no seu festival? ;) Mas antes,
me encontro com Paulo Scott e Daniel Galera dia 8 de junho, em Garopaba. Agora
o ano não está nada mal.
Quarta te esperamos para o último debate, no Sesc Nova Friburgo, 19h. |