28/05/2017

AS VIAGENS DE MAIO

Debate em Iguape com Chacal mediado por Reynaldo Damazio. 

Está chegando ao fim minha turnê com Ana Paula Maia pelo interior do Rio. Quarta agora é a última das seis datas, em Nova Friburgo.


Tem sido uma experiência intensa esses debates semanais com a mesma pessoa, mediados sempre pelo querido Marcelo Reis de Mello, sob curadoria do Ramon Mello (não, eles não são parentes, nem um casal). Poderia ser uma repetição constante dos mesmos discursos, e em parte é, mas a diferença de público faz toda a diferença. Nas primeiras datas tivemos uma plateia de adolescentes, o que fez com que a gente levasse a conversa para um tom mais didático, explicando a cena literária atual, como funciona (ou não funciona) o trabalho do escritor. Semana passada, em São Gonçalo, tivemos uma plateia mais velha, gente que já escrevia, o que possibilitou uma conversa mais aprofundada. E ontem, em Duque de Caxias, tivemos feministas na plateia, o que levou a discussão para questões de ativismo até então não tocadas.

São debates entre uma mulher negra e um homossexual, afinal. E mesmo não sendo essa a tônica da nossa escrita, não pode ser desprezada. Foi uma questão latente durante todos os nossos encontros e ontem se falou muito sobre o “lugar de fala”. Ana Paula Maia sempre tratou de um universo muito masculino, machista, e considera que o fato de ela ser uma mulher negra seja irrelevante em sua carreira. Tenho dúvidas – independentemente da inegável qualidade de sua escrita, acho que o contraste entre a figura dela e o texto é um grande chamariz. Ela, como mulher negra da baixada fluminense, hoje pode escrever sobre o que quiser. Lancei o questionamento se eu, como rapaz branco homossexual dos jardins me dispusesse a escrever sobre o universo de miseráveis, de lixeiros, açougueiros, matadores, presidiários, não seria visto com suspeitas.   

Em Iguape. 

Questões que também discuti na sexta-feira no Festival Literário em Iguape, em debate com Chacal. Ele, homem branco, de olhos azuis, heterossexual, é um dos maiores nomes da poesia marginal desde os anos 70. Eu, vinte e cinco anos mais novo, garoto branco dos jardins, dividi com ele a mesa sobre “literatura marginal”; a homossexualidade uma credencial inegável de minoria que me pertence. Discorri sobre isso, que o fato de ser homossexual não é apenas uma credencial imediata, mas leva a um percurso próprio que pode me encaixar na marginalidade. Claro que há muitos gays integrados, coxinhas, cada vez mais; porém eu credito à minha homossexualidade muito da visão maior de mundo que eu tenho. Se eu fosse hétero, talvez ficasse acomodado entre meus pares paulistanos privilegiados – o fato de eu ter de ir além para encontrar pessoas com gostos comuns (seja para acasalar, seja apenas para compartilhar) é o que me tirou de casa, me fez ser barman em Londres, surfista em Florianópolis, exilado em Helsinque; fez com que eu me aproximasse de gente das periferias, de outras origens, outros universos, porque a cota “gay branco paulistano classe média-alta” é pequena e não me basta.

A viadagi me levou a essa cidade lindinha, Iguape. 

O debate em Iguape também teve a participação especial de um morcego, que invadiu o palco montado na praça e ficou dando rasantes em nós durante a apresentação. AMEI a cidade, uma espécie de Parati pós-apocalíptica, meio desolada, totalmente vazia, mas lindinha-lindinha, com um centro histórico rodeado de montanhas e mangues. Pena que fui e voltei no mesmo dia - por causa do debate no Rio -, queria ter passado mais tempo, passeado mais pelas ruas, visto outras mesas do Festival, que também teve nomes como Ferrez, Paulo Lins e Arnaldo Antunes, sob a curadoria afiada do Eduardo Santana.  

Iguape, lá de cima. 

Preciso dizer também que, sinceramente, para mim tem sido mais interessante debater sobre questões amplas da literatura, ou mesmo sobre a escrita da Ana Paula, como ontem, do que sobre a minha própria. Não tenho mais muito a dizer sobre meus livros; pode ser por aquele velho clichê “tudo o que tinha a dizer está lá escrito”, pode ser também porque o que está escrito não tem mais a ver comigo. Em Iguape experimentei ler meu “clássico” “Piranhitas”, como uma pequena amostra do que eu faço (como já fiz tantas vezes). Tive a estranha sensação de que não me comunicava mais com o texto. Não sou mais eu lá. E agora sinto um pouco isso com todos meus livros. Mesmo Neve Negra, que é bem recente e ainda está por sair no próximo mês, me parece algo menos pessoal.

O querido Marcos Santos é leitor constante e atuante nos debates pelo Rio. 


 O que importa é que o leitor se identifique. E tem sido lindo ver na plateia as adolescentes fluminenses negras fascinadas com a Ana Paula, os jovens viados se descobrindo comigo. Devemos inclusive estender essa turnezinha para mais algumas datas em BH e São Paulo, no segundo semestre – por que você também não agenda um debate com a gente na sua cidade, no seu festival? ;) Mas antes, me encontro com Paulo Scott e Daniel Galera dia 8 de junho, em Garopaba. Agora o ano não está nada mal. 

Quarta te esperamos para o último debate, no Sesc Nova Friburgo, 19h. 

ENTÂO VOCÊ SE CONSIDERA ESCRITOR?

Então você se considera escritor? (Trago questões, não trago respostas...) Eu sempre vejo com certo cinismo, quando alguém coloca: fulan...