Não havia placas de sinalização que direcionassem a um caminho. O asfalto estava cheio de rachaduras e depressões. Nenhum animal rastejava no acostamento. Nenhum pássaro no céu ou mesmo pousado em uma árvore. Nenhum arrulhar. Nenhum ninho. Nem mesmo o vento era possível ser sentido. Ao olhar para trás, não podia ter certeza de seguir para o início ou para o fim, pois ambas as direções se assemelhavam.
Na estrada, com 'Namaia. |
A pistoleira Ana Paula Maia acaba de voltar com livro novo: "Assim na Terra como Embaixo da Terra" (Record). Já falei exaustivamente dela aqui - está no topo entre minhas escritoras/escritores favoritos da vida. Para mim, ela tem o que é mais importante num autor: um universo próprio. Isso significa não apenas um estilo - que nela se reafirma numa prosa objetiva, com um lirismo cru pintando cenários desolados -, mas uma realidade própria, suburbana, habitada por homens brutos, personagens que ela revisita em diferentes contextos.
Assim também é sua "Assim na Terra", novela ambientada numa colônia penal fictícia, no meio do nada, onde os poucos sobreviventes caçam javalis e são caçados. Talvez seja o texto mais alegórico de Ana Paula - o cenário está mais próximo de um purgatório surrealista do que de uma representação realista de presídio, assim como ela já havia feito com os abatedouros no (excelente) "De Gados e Homens" (Record, 2013).
Para quem já a acompanha, é sempre uma delícia reencontrar seus personagens, saber mais sobre seus passados, como o índio Bronco Gil, que transforma o novo livro numa espécie de "prequel" do anterior. Para quem está chegando agora, "Assim na Terra" é uma boa introdução ao universo de Ana Paula Maia, que pode (ou deve) ser lido numa sentada, com seu fôlego trôpego, no melhor sentido.
Nossos livros em Campos dos Goytacazes. |
Recebi o livro em primeiríssima mão, semana passada, no Rio. Eu e Ana estamos fazendo uma turnê de debates pelo interior do RJ, a convite do Sesc, mediados pelo poeta Marcelo Reis de Mello. Ontem estive em Teresópolis (única data em que Ana não participa, porque está num evento na Colômbia). Com um debate às 15h de um dia de semana, não dava para esperar muita gente - e na hora de começar, com o imenso teatro vazio, achei que não haveria ninguém. Mas uma turma de vinte alunos que vieram com a professora garantiu o ótimo papo, numa mesa redonda que fizemos informalmente, falando não só da minha obra mas da profissão do escritor de modo geral.
Petizada de ontem em Teresópolis. |
Semana passada foi em Campos dos Goytacazes, também para um público de estudantes. Bem lindinho ver as meninas adolescentes negras fascinadas com uma escritora negra, da baixada fluminense, no palco. Eu mesmo sempre levantei essa bandeira, da diversidade, de mostrar outras caras e outros temas na literatura brasileira. Ontem, uma das estudantes me confessou: "Quando vi você chegando, achei que ia ser a palestra de um roqueiro." (Bem, você não estava errada, mocinha.)
E a turnê continua até o fim do mês - semana que vem será no Sesc Três Rios, às 19h, então acho que haverá um público mais adulto. Felizmente estou com uma agenda lotada de debates nos próximos meses, porque (também) vivo disso. E os diferentes públicos e horários garantem que as discussões não fiquem requentadas. Há quinze dias, por exemplo, tive um debate com André Fischer, na Fnac em Pinheiros, aqui em SP, para um público quase que exclusivamente LGBT; então pude falar da representatividade não apenas minha (porque afinal escrevo pouco sobre o tema), mas de novos autores que têm feito mais pela "causa", como Gabriel Spits,Vinícius Grossos, Augusto Alvarenga e Danilo Leonardi.
Debate na Fnac com André Fischer e os queridos do Põe na Roda. |
Estou mantendo a aba "agenda" aqui do blog atualizada, com todos os eventos que vão sendo confirmados. Confira lá, veja quando aparecerei perto de ti, e não me deixe só.
Sorvendo o sol de Teresópolis. |