Acabou essa Flip? Podemos voltar à programação normal?
Quinta agora farei o primeiro lançamento de Neve Negra, em Belo Horizonte, em companhia de Ana Paula Maia, que também estará lançando seu Assim na Terra como Embaixo da Terra. Teremos um bate-papo, seguido do autógrafo nos livros.
O evento faz parte do Sempre um Papo, de que já participei diversas vezes, organizado pelo queridíssimo Afonso Borges. Não à toa, Afonso é uma das pessoas para quem dedico o livro, por toda a força que me dá na carreira, como curador e amigo. E agora se torna uma inspiração também como autor.
Lançou no mês passado Olhos de Carvão, seu primeiro livro de contos, pela Editora Record, que tive o prazer de ler no começo do ano, ainda nos originais. Como bom mineiro, traz causos que flertam com a crônica - como bom jornalista -, e mergulham na prosa poética. É um olhar bem sensível e externo de casos de amor, de decepção, com uma nostalgia do outro; fico curioso para saber o que ele fará em romance.
"No sinal, parado no olhar da modelo do outdoor. Veio a Igreja de Lourdes, o juramento. Ambos com dezessete anos, um casal lindo de dar inveja. Mãos dadas, rezaram e pediram que Deus desse forças para que aquele amor se consolidasse. Promessas de amor eterno, os santos ao redor, as abóbadas, a luz roxa atrás da Nossa Senhora. O primeiro amor dos dois. Prevendo sofrimento, choraram. Mas não faziam ideia do que estava por vir."
Com os dois Borges, no Fliaraxá.
Falando de lançamentos alheios, recebi esta semana O Inferno É Logo Ali, do Mike Sullivan (que não, não é o parceiro do Paulo Massadas, e imagino quantas vezes ele ouviu essa piada na vida...). Daqueles que se pega para dar uma espiada e se acaba lendo inteiro numa sentada. São contos em prosa poética, ou poemas narrativos, que me impressionaram mais pelo lirismo do que pelo universo de michês, drogas e bebedeira. Não é um universo nada novo, mas (para mim) é sempre bem-vindo. E se já li coisas parecidas, raramente são escritas com tanta propriedade ou paixão. Gostei bem. "Gostar de dar o cu até posso entender. Agora insistir nessa porra de ser escritor também, aí já é demais. Vai morrer de fome! Seja só viado, meu filho. Dos males, o menor."
A neve enfim chegou. Semana mais fria do ano no Brasil
coincidiu com a publicação de meu nono livro, Neve Negra, pela Companhia das
Letras. Nove livros é muita coisa, mas nunca é apenas “mais um”; cada livro é
uma história dentro e fora das páginas, é uma conquista diferente, é um espaço
físico que minhas ideias ocupam no mundo.
O romance nasceu de um convite do Joca Terron e da RT Features, que pediu uma história de terror e já comprou os direitos para cinema. Tive o privilégio de publicar sempre por grandes editoras,
mas é um orgulho especial ser recebido com tanto carinho pela Companhia das
Letras, fazendo o que faço, sem concessões....
...bem, talvez só a concessão do título. O título original era
“Trevoso”, que se justifica bem para quem lê o livro, mas talvez não tivesse
tanto apelo literário e comercial. A editora pediu outras opções. Eu mesmo vim
com o “Neve Negra”, embora num Google básico já tivesse descoberto que havia um
filme com esse título. Ninguém viu problema. Assim temos a minha Neve Negra.
O livro tem muito de neve, afinal. É um “raro registro
ficcional da neve no Brasil” (na Serra Catarinense). Temos pouca neve no país,
e menos narrativas que foquem esse contraste com o “sonho tropical”. Achei
que essa noite tão única – anunciada por meteorologistas, esperada por turistas
– gerava um bom cenário de terror.
O texto completo de orelha:
Na noite mais fria do
ano, na cidade mais fria do Brasil, um pai de família volta para casa. Pintor
de sucesso com uma arte de gosto discutível, passa boa parte do seu tempo em
feiras e exposições no exterior. E ao chegar à sua cidade natal, na Serra
Catarinense, tem início uma sequência de eventos que porão em xeque suas
certezas.
Enquanto a neve cai lá
fora e sua família dorme, um estranho ronda a casa e sua pastora-belga agoniza
sangrando no quintal. Mas só quando seu filho de sete anos desperta é que de
fato começa o pesadelo que acabará com o aconchego do lar.
Ambientado num raro
cenário de neve no Brasil, este habilidoso misto de terror psicológico e drama
familiar expõe paranoias ancestrais da paternidade: Não reconheço mais meu
filho. O filho é mesmo meu? Há algo de errado com ele?
Nona obra de Santiago
Nazarian, um dos autores mais originais da cena brasileira contemporânea, Neve
Negra retrata a perturbadora luta de um pai contra os próprios demônios, num
romance que mescla questões existenciais com o humor nego de que só Nazarian é
capaz.
Para quem quiser um gostinho, as 20 primeiras páginas já
estão no site da Companhia:
As noites de autógrafo começam em agosto. Dê uma olhada na
aba “agenda”, aí de cima, que coloco tudo lá. Antes disso, já fui comemorar com
marido, amigos e coelha.
Menu degustação de quarta passada.
Quarta jantamos no Dom – Murilo ganhou de presente de onde
trabalha; só tivemos de vender um rim para pagar as bebidas. Já comi em ótimos
restaurantes pelo mundo, e consigo entender porque o Dom está lá no topo. É uma
experiência gastronômica essencialmente brasileira, que gourmets e críticos
internacionais não teriam em restaurantes estrelados em outros países.
Pessoalmente, se eu fosse pagar aquele valor exorbitante, preferia estar
comendo caviar, lagosta e foie gras a pirarucu, beiju e cumarú, mas vale como uma experiência
para se ter uma vez na vida (tirando o pão de queijo; o pão de queijo é
horrível-vergonhoso; colocaria a codorna como ponto alto).
Masterchefs na praia.
Quinta já viemos para Maresias, onde Murilo participou com o
Guató do Arraialbeneficente do Projeto
Buscapé, junto a grandes chefs e Masterchefs. Recebemos um casal de amigos em
casa e tivemos um ótimo fim de semana de
solzinho de inverno.
Bárbara e Ambooleg, amigos das antigas.
Passo a próxima semana aqui no litoral, já que temos uma casa grande e Murilo fica aqui por causa do restaurante. Como de costume não estarei na Flip, mas logo volto à estrada.
É aquele velho ranço: o autor que vende ressente
não ser levado a sério, o autor que é levado a sério não vende. Meu querido
amigo Raphael Montes tem tratado do tema há um bom tempo, e mais recentemente
martelou nessa tecla em seu programa na TV Brasil, em entrevista com o editor
da Record, Carlos Andreaza, e hoje em sua coluna no Globo (aqui: https://oglobo.globo.com/cultura/raphael-montes/).
Raphael é um autor comercial que vende bem, e tem
um bom trânsito entre meios mais literários – seu programa talvez seja uma
forma de manter esses laços -, mas levanta sempre a bandeira da literatura de
entretenimento, que realmente precisa de vozes mais inteligentes e
consistentes, como a dele. Entretanto, entra aí um ataque, muitas vezes velado,
elegante, à literatura mais densa, propriamente literária.
“Autores que falam para meia dúzia de pessoas” ou “que
escrevem apenas para outros autores” ou “chatos e herméticos” (como ele colocou
na boca de editores estrangeiros em seu último texto). Esses seriam os que
escrevem sem se preocupar com o leitor, mas que são destaque nos prêmios e
cadernos literários. E eu me pergunto: não está cada um em seu lugar?
Poderia-deveria haver prêmios específicos para livros mais
comerciais, categorias para livros de gênero, deveria afinal haver mais espaço
para a literatura como um todo, mas não é de se estranhar que veículos
literários divulguem as obras literárias, que veículos que falam para o meio
apresentem o que há de mais sofisticado no meio, que o Prêmio São Paulo reconheça
autores que talvez não sejam reconhecidos por milhares de leitores. Para os
autores comerciais, há o sucesso comercial; para os adolescentes e consumidores
de literatura comercial, já há uma infinidade de blogs, vlogs e canais de
youtube (ou acha que esse povo vai ler a Quatro Cinco Um?)
As pulsões que levam autores a escrever são
diversas. Vejo muito a molecadinha de hoje, que publica no Wattpad, que planeja
sagas, preocupados com essa comunicação com o leitor – não só na escrita, como também na interação pelas redes sociais. Pode se dizer que são esses que formam o
público leitor? – talvez formem um público leitor apenas para esse tipo de literatura. Mas há também
aqueles que não se comunicam com seu tempo, que têm uma visão particular de
mundo, que encontram na individualidade da escrita um canal para expor verdades pessoais... e discutíveis. Esses estão fazendo literatura. E talvez atinjam só meia dúzia de
pessoas, talvez só se comuniquem com um meio restrito, mas estão se comunicando
profundamente, e estão fazendo a diferença.
Em seu texto no Globo, Raphael sabiamente aponta
Machado de Assis, como um autor que foi popular no seu tempo. Bem, temos
autores literários populares hoje em dia. Mas Kafka, para citar um grande, não foi. E talvez esses
autores que falem com meia dúzia de leitores hoje, que ficam satisfeitos apenas
de terem conseguido imprimir sua voz, atinjam centenas de milhares no futuro,
fazendo realmente a diferença. Talvez para
se atingir milhares no futuro, para permanecer
(a grande pulsão de tantos grandes autores), seja preciso mesmo não dar ouvidos
as ondas do presente ou “ao mercado”, ou “ao público leitor”.
Seria ingenuidade colocar que todos os literários são motivados apenas por suas pulsões internas. Se os premiados hoje não estão preocupados com o grande público, muitos estão preocupados com o meio, formatam livros para o Jabuti, para o Prêmio São Paulo. Muitos fazem isso até inconscientemente, contaminados pelos vícios acadêmicos de seus mestrados, doutorados. Essa formatação envolve alto nível de qualidade, sim, por isso tem seu valor, mas também restringe os temas, as fórmulas...
Tenho feito muitas mesas e conversado muito com
poetas – autores que não só não têm expectativa de atingir um grande público,
muitas vezes produzem de forma a não
atingir um grande público. Há a poesia oral, que só é transmitida ao vivo no evento, há as diversas edições artesanais, cartoneras, de poucas dezenas de
exemplares, que são feitos para aquela ocasião e nunca mais. São como os atores
de teatro que não têm interesse em migrar para televisão.
Felizmente hoje os autores que “vendem meia dúzia
de exemplares” têm encontrado formas de sobreviver da escrita – com os eventos
literários, as oficinas, as traduções. Em Feiras e
Bienais, leitores da literatura comercial se deparam com “aquele
velhinho muito louco”, que fala coisas estranhas, que os faz pensar; podem não
comprar o livro dele, ou podem comprar o livro e não gostar, mas, no palco,
esses “autores de meia dúzia” ainda fazem a diferença, por isso muitas vezes
circulam mais pelo Brasil do que os autores que vendem, e que têm menos a
dizer. As Flips e Fests são encabeçados por autores cabeçudões porque esses têm o que dizer.
E há ainda os acidentes... as surpresas... tantos
autores que escrevem para “meia dúzia de seus pares” e que, por algum feliz acaso,
acabam rompendo a barreira, conquistando algumas dezenas de milhares, sem
concessões. Conquistas assim não têm mais sabor?
Onde eu me
encaixo nessa? Sempre me pergunto. Sinceramente, nunca esperei ser sucesso de
vendas, nem formatei livros para o Jabuti. Talvez eu esteja velho para ser tão
idealista, mas ainda acredito que tenho algo diferente a dizer, isso é o
que move, fazer algo diferente. Ganhei um prêmio ou outro de valor relativo, tive apenas um livro que
vendeu algumas dezenas de milhares (o do jacaré). Mais do que literato, mais do que comercial,
me vejo como um autor alternativo (termo que considero mais exato do que “underground” ou “maldito”, afinal sou
rapaz branco dos Jardins). Me formei em publicidade na FAAP, trabalhei até os 24
como publicitário, e se larguei a segurança financeira dessa vida, não foi para
me comunicar com o povão. Quero leitores, quero prêmios, mas isso só faz sentido para mim se for nos meus termos. Meus ídolos na literatura, na música, no cinema, nunca foram do primeiro time. Para mim a literatura será sempre o trunfo do
individuo, onde posso comunicar um universo particular, a quem possa
interessar.
Há algumas semanas me pediram indicações de escritores brasileiros com alguma relação interessante com a América Latina. Apenas de cabeça fui dizendo meia dúzia de nomes e qual era a relação; então me convidaram para mediar uma mesa no Fest Contrapedal, tradicional festival de cultura latina do Uruguai que chegou nesse fim de semana pela primeira vez a São Paulo.
Os autores eram Carola Saavedra - premiada escritora nascida no Chile -, Joca Terron – que organizou uma coleção de livros hispano-americanos -, Douglas Diegues – o grande nome da poesia em portugnol selvage -, Ronaldo Bressane – que lança um romance que passeia pela América Latina -, e o onipresente Marcelino Freire – que já trouxe tantos autores latinos para cá. Tivemos um debate na tarde do último domingo, no Centro Cultural São Paulo, dentro da programação do Contrapedal.
Lindo ver a plateia cheia e um bate-papo tão fluído, mesmo com tanta gente participando. Estou longe de ser especialista no tema, pesquisei bem sobre os autores, e uma boa mesa é construída assim, dando as deixas para que quem sabe possa discorrer. Esse é o lado fácil e gostoso de estar há quinze anos no meio, participando de mesas e acompanhando discussões. É uma pós-graduação em si. A gente aprende naturalmente. Eu, que “também escrevo”, tanto traduzo e escrevi dezenas de textos para Folha, Bravo, Estado, Suplemento Pernambuco poderia mediar mais mesas. Mas, ao menos este ano, não posso reclamar dos eventos literários – que abundam!
Com Dani Umpi.
O Contrapedal também teve cinema, gastronomia e música. Aproveitei meu domingo no CCSP para conferir. Encontrei meu querido amigo Dani Umpi – escritor e cantor uruguaio, com quem sempre cruzo nas andanças mundo a fora -, e assistimos ao show de encerramento, do incrível (cantor paraense) Jaloo. Eu já gostava do som, mas o menino tem uma puta presença de palco; trouxe o CCSP abaixo, com uma petizada que cantava junto, dançava, tirava selfies, menino com menino, menina com menina, uma energia que depois deixava difícil acreditar que no mundo lá fora os tiozões ainda falam que “órgão excretor não reproduz”, ou mesmo que a molecada está matando travestis a pedradas...
Jaloo em casa lotada.
Jaloo foi especialmente “refrescante” ´por um discurso que ouvi de alguns músicos e escritores no festival: da velha bandeira da latinoamerica contra o “Imperialismo” ou contra o “comercial”. Ele é um autor paraense mergulhado na música pop americana, nas divas gays, mas recicla isso com suas próprias referências, do techno brega, do urbano e do carimbó, canta (parte do repertório) em inglês (macarrônico) e com tudo isso cria uma identidade mais viva, de onde vive, do que se ficasse preso a purismos, regionalismos e tradicionalismos.
E essa foi uma ótima viagem que fiz em julho, a 40 minutos a pé de casa, cruzando a Paulista fechada.
O segundo semestre trará outras – já tem lançamento marcado em BH, RJ e SALVADOR, que nunca fui e tanto queria – e viagens pelo interior de SP e do Paraná. Vou atualizando tudo na aba “agenda.”