Eu e Raphael, apocalípticos e integrados. |
É aquele velho ranço: o autor que vende ressente não ser levado a sério, o autor que é levado a sério não vende. Meu querido amigo Raphael Montes tem tratado do tema há um bom tempo, e mais recentemente martelou nessa tecla em seu programa na TV Brasil, em entrevista com o editor da Record, Carlos Andreaza, e hoje em sua coluna no Globo (aqui: https://oglobo.globo.com/cultura/raphael-montes/).
Raphael é um autor comercial que vende bem, e tem
um bom trânsito entre meios mais literários – seu programa talvez seja uma
forma de manter esses laços -, mas levanta sempre a bandeira da literatura de
entretenimento, que realmente precisa de vozes mais inteligentes e
consistentes, como a dele. Entretanto, entra aí um ataque, muitas vezes velado,
elegante, à literatura mais densa, propriamente literária.
“Autores que falam para meia dúzia de pessoas” ou “que
escrevem apenas para outros autores” ou “chatos e herméticos” (como ele colocou
na boca de editores estrangeiros em seu último texto). Esses seriam os que
escrevem sem se preocupar com o leitor, mas que são destaque nos prêmios e
cadernos literários. E eu me pergunto: não está cada um em seu lugar?
Poderia-deveria haver prêmios específicos para livros mais
comerciais, categorias para livros de gênero, deveria afinal haver mais espaço
para a literatura como um todo, mas não é de se estranhar que veículos
literários divulguem as obras literárias, que veículos que falam para o meio
apresentem o que há de mais sofisticado no meio, que o Prêmio São Paulo reconheça
autores que talvez não sejam reconhecidos por milhares de leitores. Para os
autores comerciais, há o sucesso comercial; para os adolescentes e consumidores
de literatura comercial, já há uma infinidade de blogs, vlogs e canais de
youtube (ou acha que esse povo vai ler a Quatro Cinco Um?)
As pulsões que levam autores a escrever são
diversas. Vejo muito a molecadinha de hoje, que publica no Wattpad, que planeja
sagas, preocupados com essa comunicação com o leitor – não só na escrita, como também na interação pelas redes sociais. Pode se dizer que são esses que formam o
público leitor? – talvez formem um público leitor apenas para esse tipo de literatura. Mas há também
aqueles que não se comunicam com seu tempo, que têm uma visão particular de
mundo, que encontram na individualidade da escrita um canal para expor verdades pessoais... e discutíveis. Esses estão fazendo literatura. E talvez atinjam só meia dúzia de
pessoas, talvez só se comuniquem com um meio restrito, mas estão se comunicando
profundamente, e estão fazendo a diferença.
Em seu texto no Globo, Raphael sabiamente aponta
Machado de Assis, como um autor que foi popular no seu tempo. Bem, temos
autores literários populares hoje em dia. Mas Kafka, para citar um grande, não foi. E talvez esses
autores que falem com meia dúzia de leitores hoje, que ficam satisfeitos apenas
de terem conseguido imprimir sua voz, atinjam centenas de milhares no futuro,
fazendo realmente a diferença. Talvez para
se atingir milhares no futuro, para permanecer
(a grande pulsão de tantos grandes autores), seja preciso mesmo não dar ouvidos
as ondas do presente ou “ao mercado”, ou “ao público leitor”.
Tenho feito muitas mesas e conversado muito com
poetas – autores que não só não têm expectativa de atingir um grande público,
muitas vezes produzem de forma a não
atingir um grande público. Há a poesia oral, que só é transmitida ao vivo no evento, há as diversas edições artesanais, cartoneras, de poucas dezenas de
exemplares, que são feitos para aquela ocasião e nunca mais. São como os atores
de teatro que não têm interesse em migrar para televisão.
Felizmente hoje os autores que “vendem meia dúzia
de exemplares” têm encontrado formas de sobreviver da escrita – com os eventos
literários, as oficinas, as traduções. Em Feiras e
Bienais, leitores da literatura comercial se deparam com “aquele
velhinho muito louco”, que fala coisas estranhas, que os faz pensar; podem não
comprar o livro dele, ou podem comprar o livro e não gostar, mas, no palco,
esses “autores de meia dúzia” ainda fazem a diferença, por isso muitas vezes
circulam mais pelo Brasil do que os autores que vendem, e que têm menos a
dizer. As Flips e Fests são encabeçados por autores cabeçudões porque esses têm o que dizer.
E há ainda os acidentes... as surpresas... tantos
autores que escrevem para “meia dúzia de seus pares” e que, por algum feliz acaso,
acabam rompendo a barreira, conquistando algumas dezenas de milhares, sem
concessões. Conquistas assim não têm mais sabor?
Onde eu me
encaixo nessa? Sempre me pergunto. Sinceramente, nunca esperei ser sucesso de
vendas, nem formatei livros para o Jabuti. Talvez eu esteja velho para ser tão
idealista, mas ainda acredito que tenho algo diferente a dizer, isso é o
que move, fazer algo diferente. Ganhei um prêmio ou outro de valor relativo, tive apenas um livro que
vendeu algumas dezenas de milhares (o do jacaré). Mais do que literato, mais do que comercial,
me vejo como um autor alternativo (termo que considero mais exato do que “underground” ou “maldito”, afinal sou
rapaz branco dos Jardins). Me formei em publicidade na FAAP, trabalhei até os 24
como publicitário, e se larguei a segurança financeira dessa vida, não foi para
me comunicar com o povão. Quero leitores, quero prêmios, mas isso só faz sentido para mim se for nos meus termos. Meus ídolos na literatura, na música, no cinema, nunca foram do primeiro time. Para mim a literatura será sempre o trunfo do
individuo, onde posso comunicar um universo particular, a quem possa
interessar.