17/01/2019

REVOLUÇÕES DE ANO NOVO


Este ano prometo não desejar nada, esperar nada, não prometer nada, apenas sobreviver. (Mas se não der também, tô de boa.)


Passei todas as festas em branco, sozinho em casa. Não tinha estômago para Natal em família, nem energia para me locomover até Maresias, tentar ser feliz. Passei metade do ano na praia, de todo modo, então decidi aproveitar que estava cheio de trabalho nesse final para me trancar aqui na Frei Caneca.

Nas vésperas das vésperas confesso que pesou um pouco...


Lembranças de natais passados. 


Acho fim do ano sempre deprimente, aquele saldo da vida, todo mundo comparando conquistas. Eu há tanto tempo que nada de novo conquisto, só posso me reapresentar avançado na velhice. Melhor ficar sozinho.

Mas viver sozinho também é difícil. Queria um homem para trocar meu chuveiro, uma mulher para lavar minha louça... E isso porque sou um homem casado - você vê como o casamento gay não vale de nada. Nas vésperas das ceias, só via todo o povo que reclamou da nova família fascista brasileira postando fotos com o tio do pavê. Mas eu não! Eu fui íntegro!




Fiz um peru só para mim, no Natal. Fiz um tender só para mim, no ano novo. Comi peru toda a semana do 24. Comi tender toda a semana do 31. (O tender estava dos melhores, mas o peru não estava grande coisa, já fiz melhores, desconfio que é porque era peru Sadia; o peru Seara é bem melhor - aguardo patrocínio. Pensei em comprar outro peru pós Natal para tirar a prova, mas comi tanto peru sozinho que acho que só aguento na próxima virada...)

(E ainda que tenha feito só para mim, fiz no capricho, meu tradicional peru marinado na laranja e vinho, com farofa de castanhas portuguesas; e o tender corroído na coca-cola.)

Até expus meu drama sutilmente nas redes sociais; compartilhei uma (bela) playlist natalina, mas não tive nenhum convite. Também fiquei com medo de que terminasse um agregado como aquele conto do Paulo Henriques Britto ("Coisa de Família"); melhor passar sozinho.

Quem acompanha aqui há tempos há de lembrar o Natal que passei com uma família finlandesa...

Não deixei de comprar presentes, pro Murilo, pra minha mãe, para uma amiga. Para minha sobrinha de 6 anos dei um teclado (musical), num anseio de que ela pudesse encarnar Mozart (em uma hora com ela percebi que na verdade eu queria castigar minha irmã).


Amaldiçoando a menina. 


Eu mesmo não recebi nem um panetone bauducco. Às 18h do dia 24 tocou o interfone com uma encomenda e achei que alguém havia se lembrado de que eu existia... Era um calendário da Melhoramentos.

(Valeu, Leila, foi meu único presente.)



Mas quem se importa! Que terminei o ano com trabalho! Dinheiro! Podia comprar o panetone que quisesse! (E digo que o convencional com frutas da Ofner é imbatível; comprei também um "exagerado" da Kopenhagen, mas era tanto chocolate, tanta calda, nesse calor horrível, nem dava para sentir o gosto da massa e acabei jogando metade fora.)



Daí dia 31 eu terminava o ano com as contas pagas, o trabalho adiantado, pensava no que eu queria fazer, aonde queria ir, com quem queria estar...

Passei a virada aqui na frente do computador, trabalhando no livro novo, bebendo uma vodca russa, enquanto a coelha expressava seu ódio pelos fogos destruindo um dos sofás.

Peguei ela no colo e olhei pela janela aqui da frei-caneca-herculano-baixo-augusta. Em todos os prédios da vizinhança eu via a mesma coisa: as pessoas olhando para fora. Podiam estar comemorando entre amigos, em festas de família, em orgias, mas em todas as janelas o pessoal olhava para fora - mesmo que não houvesse fogos, mar, uma grande vista. Cada um em sua festa, buscava na janela algo além do que tinha...

Essa é minha vista em São Paulo - nada mal, considerando que muita gente dá para direto para outro apartamento de frente. O bloco grande é o Shopping Frei Caneca, e descendo os três quadradinhos iluminados é a livraria Blooks, das mais bacanas da cidade; da minha janela dá até para ver as prateleiras. 

Voltei ao computador e terminei a virada mexendo no meu livro, que é a única coisa que me faz sentido.

O ano começou como terminou. Muitas traduções, uma ou outra encomenda de texto, livro novo nos arremates. Na vida lá fora é melhor não pensar, não há vista dos prédios desta cidade. Mas estou me esforçando, me empenhando, nem tanto, pretendendo, sair mais de casa, voltar para a academia, rever os amigos - nos últimos dias tenho conseguido marcar almocinhos, reatar contatos; não me falta uma perna, penso tanto, e ainda tanto me imobiliza a seguir em frente... Para onde?


ENTÂO VOCÊ SE CONSIDERA ESCRITOR?

Então você se considera escritor? (Trago questões, não trago respostas...) Eu sempre vejo com certo cinismo, quando alguém coloca: fulan...