Eu detesto oficinas. Acho uma enganação. O
escritor não consegue sobreviver escrevendo livros, então decide ganhar a vida
ensinando outros a morrer escrevendo livros.
Mas eu também preciso sobreviver...
Cinismos à parte, sempre falei aqui, repeti aqui sobre isso: como não
gosto de oficinas, como não dou oficinas, sendo que já dei uma ou outra
oficina, quando não pude escapar (e me senti uma fraude). Eu queria mudar minha
opinião. O escritor precisa recorrer a tudo para sobreviver. Mas o que sempre
disse, o que sempre acredito, é que se escrever não é algo inevitável para você, se a escrita não vem como algo natural, uma
punção (ou “punição”, maldição), e um prazer, então para quê? Se é algo
difícil, doloroso, vá fazer algo que dê mais retorno! Por que ensinar algo que
não serve para nada?
Mas eu ainda preciso aprender...
Estou com dez livros publicados (além de um ou
outro com pseudônimo). Sem contar mais de 60 traduções. Escrever hoje para mim
é algo muito, muito fácil. Eu não tenho, nunca tive crise criativa. Se alguém
me encomenda um livro hoje para entregar daqui a três meses eu entrego em dois
meses e meio. Isso não quer dizer que escrevo bem. Isso eu não tenho como avaliar.
Escrevo fácil, mas queria escrever melhor. E isso passa também por tentar
dificultar as coisas – procuro sempre fazer o que não fiz; não por acaso este
ano publiquei meu primeiro infantil e ano que vem lanço um romance histórico.
Busco desafios. Mas como evoluir se não há de fato ninguém avaliando? As críticas
são poucas e ligeiras (o que mais sai hoje é entrevista, release, o autor
falando do próprio livro). Nos prêmios literários eu não estou... (significa?)
A publicação em si, a aceitação por uma grande editora também é um termômetro.
Mas é pouco.
O único modo de evoluir é seguir lendo, seguir
fazendo.
Ou participando de oficinas literárias...
Então resolvi ler o manual da MAIS CELEBRE oficina
literária do Brasil: “Escrever Ficção – Um Manual de Criação Literária”, do
Luiz Antonio de Assis Brasil. Há mais de 30 anos ele ministra essa oficina em
Porto Alegre, e por ela já passaram inúmeros autores de renome, amigos e
queridos, que só têm elogios a lhe fazer. Eu, que sempre vi oficinas com
cinismo, tinha suspeitas e curiosidade. E o livro as esclareceu.
O livro é exatamente o que eu esperava, para o bem
e para o mal. Não que eu discorde dele, pelo contrário. Ele sabe do que está
falando. Mas a maior parte do livro me pareceu puro... senso comum. Pareceu. Talvez não seja senso comum para o público em geral; e talvez eu não
seja o público. Mas quem é? (Aparentemente muita gente, porque o livro é um
sucesso – assim como as oficinas.) Então volto à pergunta: por que esse povo
quer tanto escrever?
(Me pergunto se a escrita pode ser levada como tocar violão, tocar piano, que se aprende sem pretensões de se tornar profissional... Tenho minhas dúvidas.)
O livro parece trazer consciência da utopia de sua
missão de ensinar a escrever. Então, embora se declare (na capa) como um
manual, não traz tantas respostas definitivas. Melhor assim. Para mim, trouxe algumas
questões interessantes de terminologia, como a diferença entre cena e sumário –
mas dessa parte técnica eu esperava mais, queria mais. Também traz bons (e bem poucos) exercícios de escrita.
O grosso do livro é a análise de trechos
literários de grandes autores. Daí para mim é como se explicasse a piada, revelasse
o truque de mágica, como se tentasse entender a personalidade de um cachorro
através de uma autopsia. Tira muito da magia de textos que eu já li, estraga o
interesse por textos que ainda não. Sei que é uma visão pessoal, que eu prefiro
ter uma relação mais afetiva com a leitura e mais intuitiva na escrita. Não à
toa sempre fugi da vida acadêmica. (Eu cheguei a entrar em letras na USP,
inclusive, em 2000, mas já estava me formando em comunicação na FAAP e desisti
do curso...[Para fazer doutorado em Harvard, é o que dizem.])
Com essa missão de “manual”, Assis Brasil mira num
grande público e cria uma moldura um tanto quanto... burguesa (que poderia
assumir um tom dândi mais divertido, se investisse um pouco mais na afetação). A narrativa que permeia o livro, de um
estudante tentando escrever seu primeiro romance, dá a impressão de que estamos
lendo um texto “médio”, aprendendo a escrever um livro “médio”, porque o livro
fala com um público médio.
Assim, acho que mais do que “aprender a escrever”,
tirará proveito do livro quem curtir análise literária. Não é meu caso. (Não
consigo nem ler as teses de mestrado feitas a partir da minha obra...).
(Oh, pensando agora.... Que visão tão negativa é essa? Por que ainda insisto? Eu deveria ter buscado outra carreira... Ainda há tempo de voltar atrás?)
Acho bonito quando vejo
autores com origens humildes declarando como a arte/literatura foi uma forma de
ascensão social/cultural (Ferrez, Marcelino, Henrique Rodrigues). Na minha família foi exatamente o contrário; tanto o
lado do meu pai quanto o da minha mãe trazem histórias de decadência
financeira ao se envolver com as artes. Eu devia ter aprendido e não cometer os
mesmos erros. Talvez por isso eu veja a literatura como uma maldição...
(E hoje os livros proliferam pela minha casa como fungos, tomam todas as superfícies planas. Se quero trazer alguém para cá preciso perguntar antes: "Tem rinite, TOC?" Se tiver os dois a pessoa MORRE ao entrar aqui...)
Por fim, quando postei a foto
desse livro, há algumas semanas, tive o comentário de um jovem escritor: “Queria [ler], mas resolveram vender essa coisa por um preço absurdo de 80 reais. Deixo pra outra encarnação.” Não
acho que o preço chegue a ser absurdo, por um manual de 400 páginas, mas
respondi com puro cinismo: “É um investimento. Depois de ler o livro você vai
ganhar horrooooores como escritor.”