19/07/2019

A FLIP É AQUI

Com Mariana Enriquez, Antonio Xerxenesky e Eric Novello.


 Tem sido um ano devagar. E a tendência é só piorar.

Tenho lido sobre o cancelamento de eventos literários por falta de recursos - Feira do Livro de Brasília, Jornada Literária de Passo Fundo -; mais grave tem sido o cancelamento de mesas por perseguição política. Miriam Leitão foi ameaçada de morte em Jaraguá do Sul e a coordenação da Feira do Livro achou por bem cancelar sua participação. Na Flip teve protestos contra Glen Greenwald. Tempos trevosos que vivemos... no pior sentido.

(E ainda vejo amigos "do bem" dizerem "bem feito" para Miriam Leitão, por ela ter apoiado o golpe. Assim não dá, amiguinho, não se pode apoiar ameaça de morte e censura, de nenhum lado. Mais nobre seria ir lá na Feira e confrontar a Miriam Leitão no debate.)

Eu participei só de duas mesas no primeiro semestre. Agora tem surgido uns convites interessantes para os próximos meses (que atualizo sempre na barra "agenda" aí em cima). Para a FLIP, como de costume, eu não fui; acho um clima pesado e é preciso uma disposição que eu não tenho - quem sabe ano que vem.

(Acho engraçado o tanto de gente que pergunta "vai na FLIP?"; gente que só segue o buchicho. Tem evento literário o ano todo, no Brasil todo, mas esse povo não dá as caras.)

Aproveitando o "pós-flip", acompanhei/participei de três mesas só esta semana.

(Esse registro roubei do colega trevoso Oscar Nestarez.)

Começando pela argentina Mariana Enriquez e a venezuelana Karina Sainz Borgo, mediadas por Antonio Xerxenesky na Livraria da Vila. Mariana é uma escritora que acompanho há um tempo - autora do excelente "As Coisas que Perdemos no Fogo" - uma querida e uma trevosa (no melhor sentido). Assim como sua conterrânea Samantha Schweblin (outra amiga querida), Mariana foi incensada pela crítica pelo flerte com o gênero do terror num contexto político. Em seu discurso, ela deixa claro seu compromisso com o gênero, sem ressalvas. "Quero que a história funcione antes de tudo como uma história de terror; se o leitor identificar também o aspecto político é um extra." Que bom que tem funcionado na Argentina - por aqui o (pós) terror ainda não encontrou seu respeito, e os autores do gênero também não têm histórico de se aprofundar no texto (não se aprofundam porque não têm publico ou não têm público porque não se aprofundam?)

Mas pouco a pouco vem surgindo um movimento... (O próprio Nestarez é um bom nome da nova safra). (Por acaso também acompanhei há algumas semanas uma tarde de debates sobre o Clive Barker no Sebo Clepsidra - um reduto de amigos trevosos das antigas, que têm se dedicado ao gênero com consistência, inclusive com edições de clássicos por um selo próprio.)

E tem mais debates sobre o gênero vindo em breve... do qual participarei inclusive como mediador.

Com Ilana Casoy e o mestre do terror brasileiro Dennison Ramalho. 

Ainda nessa toada, na terça participei de uma mesa de debates na premier do filme alemão "O Bar Luva Dourada", do Fatih Akin, com minha companheira Ilana Casoy, a maior autoridade sobre serial killers no Brasil. O filme não chega a ser um terror - é uma dramédia sórdida-kitsch baseada em fatos reais, a história de um assassino de Hamburgo dos anos 70. E no debate pude resgatar com ela nossa velha discussão de até que ponto se pode explorar o drama alheio, e quais são os limites no caso da ficção. (Para mim, na ficção, não deve haver limites; já na exploração dos fatos reais, tenho minhas ressalvas.)


O debate da AGBU Focus, de ontem. (queria colocar o nome dos palestrantes, mas esqueci de anotar e não consigo achar em lugar nenhum...)


E nessa quinta estive no AGBU Focus, um evento para jovens empreendedores armênios do mundo todo. Haviam me convidado para a mesa de abertura, mas eu não tinha certeza de como poderia contribuir (não sou mais jovem, não sou empreendedor, sou "mais ou menos armênio"...), mas fiz questão de estar presente para assistir. Levantou-se a velha questão de "o que é ser armênio", "o quanto somos armênios" (fazendo parte da diáspora), e o sentimento de "sentir-se armênio". Desde que estive na Armênia, em 2015, eu mergulhei na pesquisa sobre o tema, li muito, entrevistei personagens importantes da colônia, mas não tenho respostas claras ("Ninguém sabe quem são os armênios, nem eles mesmos", diz Michael Arlen em seu "Passagem para Ararat"). O que fica muito claro é que a armenidade é mais uma etnia do que uma nacionalidade. (Quando perguntam se meus avós nasceram na Armênia, gosto de lembrar: A Armênia como país só existe desde os anos 90.)

Os palestrantes de ontem também lutavam para responder essa questão. Levantou-se a questão da "porcentagem" (somos armênios, meio armênios, 1/4 armênios?) e a possibilidade de se seguir como uma família armênia casando fora da colônia. "Ser armênio é sentir-se armênio" é uma resposta que vejo com frequência - mas o que seria isso? Achei interessante que os palestrantes de ontem falaram muito em se "sentir uma família em qualquer lugar do mundo", ao encontrar outros armênios. Eu nunca tive essa sensação; talvez passe a sentir mais ao me reconhecer mais armênio - mas essa é a sensação que sempre tive em ser... gay. Essa sensação de fazer parte de uma comunidade internacional, e que em qualquer país que eu vá eu encontro iguais, com quem rola uma identificação imediata, porque passamos por coisas parecidas, somos segregados de forma igual. (Foi assim que formei amizades nas cidades em que morei, cidades em que não conhecia quase ninguém - Porto Alegre, Londres, Florianópolis, Helsinque. Onde havia uma boate gay eu era acolhido.)

Sou mais gay do que armênio.

Eram perguntas que eu poderia ter lançado no debate ontem: é possível ser armênio sendo gay? É possível ser armênio sendo ateu? Na dúvida se seria vaiado ou acolhido por meus "irmãos", achei por bem ficar quieto (e acho que fiz bem em declinar do convite para participar da mesa.)

Mas ainda vou discorrer muito sobre esse assunto... Ano que vem vocês se cansarão de me ouvir discorrer sobre isso...









NESTE SÁBADO!