27/07/2019

LEITURAS DE JULHO

61 autores dá um peso.

A editora Nós acaba de publicar a antologia "A Resistência dos Vaga-lumes", com contos e poemas de 61 autores LGBTQ, organizada por Cristina Judar e Alexandre Rabelo. 

Lançamento importante, que já deveria ter sido feito antes, mas que chega em bom momento, e da forma como deveria.

Para quem não se lembra, há mais de uma década eu planejava lançar uma antologia de contos gays, com clássicos e novos; chamei para a parceria o Marcelino Freire, fechamos contrato com a Record, mas fiz a besteira de comentar com o Luiz Ruffato, que correu para lançar antes uma antologia com o mesmo tema - que, apesar de ter sido uma publicação irrelevante, acabou travando nossa publicação na época.

Em face dessa antologia que sai agora, vejo como meu projeto ficou velho, e que não faria mais sentido hoje.

"A Resistência" mistura gente demais, prosa com poesia, e confesso que desconfiava do saldo final - boas intenções não fazem boa literatura. Mas terminando o livro agora vejo como é importante para o projeto essa pluralidade de vozes; e tem mais coisa boa do que eu imaginava.

Há olhares muito literários e raros sobre a condição trans. Amara Amoira faz um conto inteiro no pajubá (linguagem do gueto), em fluxo oral, muito divertido e bem escrito. Juno Cipolla aborda o universo trans-masculino também com muito lirismo. E Laila Oliveira tem um ótimo conto de cross-dressing.

A charge do Laerte (na pagina interna), é bem bacana. Cidinha da Silva e Daniela Stoll têm contos lésbicos bem bonitos - a segunda com uma imagem belíssima da descoberta da homossexualidade num salto para a piscina "no caminho entre o ar e a água." Leonardo Tonus foca a expulsão de jovens gays num belo poema. Mike Sullivan faz bonito (como sempre) com um continho otimista (ainda que melancólico). E há outras coisas bem boas, algumas meio tolas-pretensiosas ou apenas panfletárias-imaturas, mas no geral, como eu disse, o saldo é bem positivo.

Talvez as duas maiores surpresas do livro sejam os contos de Jean Wyllys e de Raphael Montes. Wyllys faz um ótimo registro dos encontros nos tempos de "chat-uol" - fico surpreso de ele mergulhar (tão bem) na ficção, sem pretensões de fazer discurso; e Montes trata da cura gay de forma bem mais literária do que sua produção costumeira, no que talvez seja o melhor texto do livro.

(Ah, sim, e eu também estou lá com "Sonho de Uma Noite de Verão", quase um conto de terror, de um homem que levanta da insônia da madrugada para abusar do filho pré-adolescente.)

Trechinho do meu. (clica que aumenta)


Só senti falta de explicarem melhor a "proposta" na apresentação do livro. O projeto inicial seria uma revista literária e o tema era "Para Além do Azul e do Rosa". Esse tema foi apagado, mas ainda aparece em diversos contos e poemas - então pode parecer estranho por que essa expressão aparece tantas vezes.

Samir Machado de Machado (de Rosa) também está na antologia - e fui ontem ver o debate dele com David Ebershoff (autor de "A Garota Dinamarquesa") e a excelente Halley Kaas. Ótimo para ampliar a discussão sobre representatividade.

Continuando na editora Nós, recentemente eles também publicaram uma nova novela do queridíssimo Evandro Affonso Ferreira. O excelente título - "Moça Quase-Viva Enrondilhada numa Amoreira Quase-Morta" - dá uma boa amostra do que esperar, um texto dândi, quase das antigas, mas cheio de ironia e niilismo. Seria um ótimo livro para se vender pela noite para casaizinhos em botecos - sem o menor demérito- , com ótimas sacadas para declamar para a mulher amada, no estilo "As Mais Belas Cartas de Amor." Evandro sabe o que faz.


Só foderam na leitura do título. 
Voltando ao Raphael Montes, ele também lançou romance novo por esses tempos, que está estourando nas vendas. "Uma Mulher no Escuro" (seu quinto livro) é um thriller bem típico seu, de uma mulher que tenta viver com um trauma de infância, quando o passado volta a assombrá-la. Montes sabe arquitetar trama como ninguém, manter o leitor fisgado, tem uma pegada trash deliciosa. (E fico lisonjeado que o psicopata se chame Santiago.)


Dá até para desconfiar que ele está fazendo escola na Coreia. "O Bom Filho", da coreana You-Jeong Jeong, recém lançado pela Todavia, tem muito a ver com o livro dele. (Em ambos o protagonista acorda para encontrar a família morta.) Também é um page-turner, um thriller que mantém o leitor grudado, mas sem o humor e o apelo trash de Montes, o livro acaba se levando muito a sério e se torna falso. (A ideia de o narrador-protagonista ir se "lembrando" aos poucos das coisas que fez no dia anterior é de doer). Eu me diverti. Mas talvez por ter sido lançado pela Todavia (com uma capa fooooda) eu esperasse mais literatura. É bem descartável. 


NESTE SÁBADO!