28/05/2021

QUATRO BRASILEIROS


The Brazilian books are on the table

Tem sido uma boa época para ler, para mim. Bem, deveria ter sido para todos, desde o início da pandemia – mas toda a ansiedade daquele apocalipse iniciante fez com que eu não conseguisse ler quase nada no começo de 2020. Começou a melhorar no final do ano, e agora que as coisas estão funestamente estáveis, que estou namorando e não perco tempo no Grindr, estou conseguindo devorar regularmente as coisas que chegam aqui.

Ótimas coisas têm chegado aqui. A Companhia – que é minha editora há mais de quatro anos – enfim está me mandando com regularidade preciosidades- um alento em tempos de livrarias fechadas, abertas, fechadas. (Chegou HOJE aqui o novo do Bernardo Carvalho, que fica para um próximo post). As editoras também voltaram a publicar, e encontrar novas formas de divulgação, depois daquele primeiro momento de pânico (do qual meu último livro sofreu tanto). Ainda não sei se é uma boa época para (um autor) se publicar. Ainda não dá para fazer noite de autógrafos, o povo tá mais sem dinheiro que no ano passado, e os temas passam todos pelo crivo da “relevância em tempos de guerra.” Mas quando é uma boa época para se publicar?

Então escrevo aqui sobre quatro livros que li nas últimas semanas. Todos brasileiros. Todos publicados recentemente. Alguns são amigos. Nenhum comi. Do Paulo Henriques Britto, que só vi uma vez na vida e sou fã, não exatamente amigo, sugeri resenhar pra Folha, mas me falaram que já tinham encomendado resenha por lá. Então fica tudo mesmo pro blog, em textos ligeiros: 

 

NADA VAI ACONTECER COM VOCÊ, SIMONE CAMPOS (Companhia das Letras)

Uma modelo desaparece e sua irmã vai em busca dela. Narrado do ponto de vista das duas, o romance é um thriller de sequestro, que talvez seja a obra mais comercial da carioca Simone Campos. Para além da trama instigante, traz reflexões importantes sobre raça, poder econômico, e moralismo em tempos pré-pandemia. Acho a segunda metade um tanto quanto novelesca. Mas é daqueles que você não consegue largar. (E a capa é uma beleza)

 

O CASTIÇAL FLORENTINO – PAULO HENRIQUES BRITTO (Companhia das Letras)

Segundo livro de contos do festejado tradutor-poeta, que nem se enxerga muito como ficcionista, apesar de ser de mão cheia. O primeiro volume de contos dele, “Paraísos Artificiais” de 2004, é uma pérola, dos meus livros de contos favoritos da VIDA – e disse isso pra ele na primeira e única vez que o encontrei, o que ele pareceu receber com muita surpresa. Eu não diria que esse está muito atrás, mas eu estou mais velho... Os hiatos, os absurdos, que pareciam ser uma marca sua como contista, aparecem menos aqui, e com menos impacto (para mim). Entretanto, há contos nostálgicos, mais conclusivos, que afirmam o talento dele para a trama, não só para linguagem – como os primeiros, do rapaz certinho que se envolve com uma trupe de teatro ou do aluno de conservatório que constrói a carreira usurpando o talento do colega. Postei o trecho acima e um amigo comparou com Noll - acho que tem a ver sim (e Noll é meu autor nacional favorito de todos os tempos). Bem bom. 

 

Eu com o Paulo Henriques Britto (e meu namorado da época, o Fábio), eras atrás. 

VISTA CHINESA – TATIANA SALEM LEVY (Todavia)



Bons tempos em que a Todavia me mandava livros todo mês. (Será que ressentiram que falei mal de algum, ou que não falei de vários, ou que só falei merda, ou acharam que o que eu falava não importava mesmo?) Esse da Tatiana eu acabei comprando (por ebook), quando as livrarias estavam fechadas. E hoje em dia tem que ser assim mesmo, né? A gente se acostumou a comprar livro de amigo em noite de autógrafo (que, para quem é escritor experiente, em São Paulo, acontecia TODA SANTA NOITE), agora fica mais fácil dar perdido e não prestigiar. A Tatiana nem é amiga próxima, o perdido era bem fácil, mas o livro PULSAVA para eu ler, como lançamento dos mais importantes da temporada. E mais do que faz jus.

É o relato em primeira pessoa de um estupro, e da investigação, com uma crítica dos métodos policiais duvidosos. Tão orgânico que assusta. Ótimo. 

 

BAIXO ESPLENDOR – MARÇAL AQUINO (Companhia das Letras)


Começa assim...

Primeiro romance do Marçal em mais de quinze anos (poderiam ter sido quinze anos em que ele ficou bêbado, perdido pelas ruas; poderiam ter sido quinze anos em que ele lamentava o assassinato da família; mas foram quinze anos em que ele escrevia sobre isso na Rede Globo) – e traz a grata surpresa de ser full Marçal Aquino.

Aqui, durante a ditadura militar, um investigador se infiltra numa gangue de roubo de carga, se envolve com a irmã de um deles, e tem de equilibrar desejo e dever, amor e tiroteio. É beeem gostoso de se ler. Um universo totalmente “aquiniano”, um "brutalismo kitsch", com a marca do autor - embora nunca o vejamos como um dos personagens. Ótimo. 


O triste é que tenho lido todos esses livros cedo de manhã, meu namorado ainda dormindo, para aproveitar a luz que vem das janelas. Porque sempre tive uma visão excepcional, mas estou me tornando mais um que não consegue ler sem óculos... 

E se a natureza me impede de ler, por que devo insistir?

15/05/2021

44



Aniversário na praia. 


Aniversário é uma data esquisita. Deveria ser o dia mais importante do ano para cada um de nós... e para mais ninguém. É assim que sempre sinto, embora saiba que algumas pessoas têm famílias, amigos, companhias que fazem com que o dia pareça realmente especial. (Fiquei espantado, por exemplo, ao ver a Cintia Moscovich compartilhando no aniversário dela o quanto recebeu de presentes, mensagens, bolos. Eu nunca recebo absolutamente NADA, de ninguém, nem um bolinho - nunca fariam uma festa para mim. Mas sempre fui muito independente, solitário). Assim, o aniversário acaba sendo um lembrete de nossa (minha) irrelevância no mundo. 


Meu jantar de aniversário este ano. 

Não poderia ser muito diferente em plena pandemia. Ano passado passei trancado, sozinho, só deu para fazer uma "live". Este ano cogitei fazer o mesmo, este ano cogitei não fazer nada - se eu quisesse que o dia fosse especial, teria eu mesmo de tomar a iniciativa. Então arrisquei ir para a praia. E tive uma boa companhia. 

Com Nicklauz. 

Ficamos na Pousada Tupinambá, em Juquehy (litoral norte de SP). A pousada é linda, estava vazia, com ótimo custo-benefício. O tempo variou entre chuva, mormaço e raras aberturas de sol, mas deu para aproveitar tudo... inclusive o quarto. Adoro comidinhas e bebidinhas de praia. Foram três dias de respiro que valeram a pena... se eu continuar respirando. 

Pousadinha delícia. 

Chego em 44 anos em boa forma - já tive melhores, mas já tive BEM piores. Acordo sempre cedo, malho, tenho bastante trabalho, muita energia, namorando um menino bacana. A cabeça também está ok, na medida do possível. O problema é o resto do mundo...


Na casa da minha mãe no interior, preparando a feijoada de dia das mães. 

Foi uma semana toda de comemorações: antes teve o dia das mães, em que também escapei para o interior e preparei uma feijoada para Dona Elisa - que está devidamente vacinada com as duas doses. 


O resultado. 

Sigo este ano apocalíptico sem grandes planos. Se chegarmos a 2022 já estamos no lucro. 


(Postei essa com a hashtag irônica "sem filtro" - mexi tanto na foto que ficou parecendo pintura.)

05/05/2021

A CALÇA DOS MORTOS

 

Resenha que publiquei ontem na Folha: 


 

Lançado em 1993, Trainspotting, o primeiro romance do escocês Irvine Welsh, foi uma sensação literária mundial, retratando uma cena pop de sexo e drogas que ainda parecia fresca na literatura e que gerou o cultuado filme dirigido por Danny Boyle em 1996. Vinte e oito anos depois, a fórmula não é tão fresca nem tão impactante – mesmo a linguagem oral (vertida de um inglês escocês no original, que pode ser um pesadelo para tradutores) já não soa tão fascinante. Mas se o impacto é perdido, é o momento de se apreciar com mais conforto o humor e o talento de Welsh como contador de histórias.

Difícil precisar em qual número da sequência de Trainspotting colocar “A Calça dos Mortos”, que a Rocco acaba de lançar no Brasil. A editora coloca como quinto, mas a história traz diversos personagens de Welsh, alguns até que não tinham relação com seu romance original, em algo que poderíamos chamar de “welshverso” (o universo compartilhado de personagens de Welsh, como se tornou comum fazer no cinema com personagens de histórias em quadrinhos). Aqui, temos Mark Renton (o junkie interpretado por Ewan McGregor no filme original) como um bem-sucedido empresário de DJS; Sick Boy como um cafetão virtual de acompanhantes de luxo; Franco Begpie como um artista plástico de gosto duvidoso e carreira em alta; Daniel Spud trabalhando como “mula” do tráfico de órgãos e drogas. São todos homens brancos héteros de meia-idade (caminhando para a terceira), ainda em buscas juvenis, em crises com suas escolhas, que escorregam sempre da alta sociedade para a sarjeta. Num cenário de viagens de trem e avião entre Los Angeles, Berlim, Amsterdã e Edimburgo eles se reencontram e tentam acertar as contas com esquemas arriscados e duvidosos. 

Não deixa de ser divertido. Um universo hiper masculino, de drogas, bebidas, gangsteres, mulheres e futebol. Mas é um bom exemplo de que, ao contrário do que prega o senso comum, a maturidade nem sempre vem a favor da literatura ou é a qualidade ideal a ser perseguida. O frescor da juventude e das primeiras publicações de um autor pode trazer uma força que se perde com o tempo – principalmente com as indulgências de uma carreira bem-sucedida. Welsh parece querer discutir isso em seu subtexto, com personagens de sua geração que, como ele, “chegaram lá”, e não se sentem confortáveis com isso.

A proposta de “A Calça dos Mortos” gera paradoxos. Como tudo na escrita (atual) de Welsh, não é nada novo – então se o livro segue a toada do romance original, não segue a intenção de ser original em si; se pode atrair quem acompanha seus personagens, também pode cansar quem já conhece a fórmula; e quem é novo no “rolê” pode ser afastado pelo excesso de referências e “easter eggs” destinados a quem já conhece (bem) o trabalho do autor. Para um leitor ocasional do “welshverso” (como eu), dá para acompanhar numa boa - é uma leitura bem prazerosa e descartável.

 

Santiago Nazarian é escritor e tradutor, autor de Fé no Inferno (Companhia das Letras, 2020), entre outros.

Avaliação: Regular. 

ENTÂO VOCÊ SE CONSIDERA ESCRITOR?

Então você se considera escritor? (Trago questões, não trago respostas...) Eu sempre vejo com certo cinismo, quando alguém coloca: fulan...