Lançado em 1993, Trainspotting, o
primeiro romance do escocês Irvine Welsh, foi uma sensação literária mundial,
retratando uma cena pop de sexo e drogas que ainda parecia fresca na literatura
e que gerou o cultuado filme dirigido por Danny Boyle em 1996. Vinte e oito
anos depois, a fórmula não é tão fresca nem tão impactante – mesmo a linguagem
oral (vertida de um inglês escocês no original, que pode ser um pesadelo para
tradutores) já não soa tão fascinante. Mas se o impacto é perdido, é o momento
de se apreciar com mais conforto o humor e o talento de Welsh como contador de
histórias.
Difícil precisar em qual número da
sequência de Trainspotting colocar “A Calça dos Mortos”, que a Rocco
acaba de lançar no Brasil. A editora coloca como quinto, mas a história traz
diversos personagens de Welsh, alguns até que não tinham relação com seu
romance original, em algo que poderíamos chamar de “welshverso” (o universo
compartilhado de personagens de Welsh, como se tornou comum fazer no cinema com
personagens de histórias em quadrinhos). Aqui, temos Mark Renton (o junkie
interpretado por Ewan McGregor no filme original) como um bem-sucedido
empresário de DJS; Sick Boy como um cafetão virtual de acompanhantes de luxo;
Franco Begpie como um artista plástico de gosto duvidoso e carreira em alta;
Daniel Spud trabalhando como “mula” do tráfico de órgãos e drogas. São todos
homens brancos héteros de meia-idade (caminhando para a terceira), ainda em
buscas juvenis, em crises com suas escolhas, que escorregam sempre da alta
sociedade para a sarjeta. Num cenário de viagens de trem e avião entre Los
Angeles, Berlim, Amsterdã e Edimburgo eles se reencontram e tentam acertar as
contas com esquemas arriscados e duvidosos.
Não deixa de ser divertido. Um
universo hiper masculino, de drogas, bebidas, gangsteres, mulheres e futebol. Mas
é um bom exemplo de que, ao contrário do que prega o senso comum, a maturidade
nem sempre vem a favor da literatura ou é a qualidade ideal a ser perseguida. O
frescor da juventude e das primeiras publicações de um autor pode trazer uma
força que se perde com o tempo – principalmente com as indulgências de uma
carreira bem-sucedida. Welsh parece querer discutir isso em seu subtexto, com
personagens de sua geração que, como ele, “chegaram lá”, e não se sentem
confortáveis com isso.
A proposta de “A Calça dos Mortos”
gera paradoxos. Como tudo na escrita (atual) de Welsh, não é nada novo – então
se o livro segue a toada do romance original, não segue a intenção de ser
original em si; se pode atrair quem acompanha seus personagens, também pode
cansar quem já conhece a fórmula; e quem é novo no “rolê” pode ser afastado
pelo excesso de referências e “easter eggs” destinados a quem já conhece (bem)
o trabalho do autor. Para um leitor ocasional do “welshverso” (como eu), dá
para acompanhar numa boa - é uma leitura bem prazerosa e descartável.
Santiago Nazarian é escritor e tradutor, autor de Fé
no Inferno (Companhia das Letras, 2020), entre outros.
Avaliação: Regular.