The Brazilian books are on the table |
Tem sido uma boa época para ler, para mim. Bem, deveria ter
sido para todos, desde o início da pandemia – mas toda a ansiedade daquele apocalipse iniciante
fez com que eu não conseguisse ler quase nada no começo de 2020. Começou a
melhorar no final do ano, e agora que as coisas estão funestamente estáveis,
que estou namorando e não perco tempo no Grindr, estou conseguindo devorar
regularmente as coisas que chegam aqui.
Ótimas coisas têm chegado aqui. A Companhia – que é minha
editora há mais de quatro anos – enfim está me mandando com regularidade
preciosidades- um alento em tempos de livrarias fechadas, abertas, fechadas. (Chegou HOJE aqui o novo do Bernardo Carvalho, que fica para um próximo post). As
editoras também voltaram a publicar, e encontrar novas formas de divulgação,
depois daquele primeiro momento de pânico (do qual meu último livro sofreu
tanto). Ainda não sei se é uma boa época para (um autor) se publicar. Ainda não
dá para fazer noite de autógrafos, o povo tá mais sem dinheiro que no ano
passado, e os temas passam todos pelo crivo da “relevância em tempos de guerra.”
Mas quando é uma boa época para se publicar?
Então escrevo aqui sobre quatro livros que li nas
últimas semanas. Todos brasileiros. Todos publicados recentemente. Alguns
são amigos. Nenhum comi. Do Paulo Henriques Britto, que só vi
uma vez na vida e sou fã, não exatamente amigo, sugeri resenhar pra Folha, mas me falaram
que já tinham encomendado resenha por lá. Então fica tudo mesmo pro blog, em textos ligeiros:
NADA VAI ACONTECER COM VOCÊ, SIMONE CAMPOS (Companhia das
Letras)
Uma modelo desaparece e sua irmã vai em busca dela. Narrado
do ponto de vista das duas, o romance é um thriller de sequestro, que talvez
seja a obra mais comercial da carioca Simone Campos. Para além da trama
instigante, traz reflexões importantes sobre raça, poder econômico, e moralismo em tempos
pré-pandemia. Acho a segunda metade um tanto quanto novelesca. Mas é daqueles
que você não consegue largar. (E a capa é uma beleza)
O CASTIÇAL FLORENTINO – PAULO HENRIQUES BRITTO (Companhia
das Letras)
Segundo livro de contos do festejado tradutor-poeta, que nem se enxerga muito como ficcionista, apesar de ser de mão cheia. O primeiro volume de contos dele, “Paraísos Artificiais” de 2004, é uma pérola, dos meus livros de contos favoritos da VIDA – e disse isso pra ele na primeira e única vez que o encontrei, o que ele pareceu receber com muita surpresa. Eu não diria que esse está muito atrás, mas eu estou mais velho... Os hiatos, os absurdos, que pareciam ser uma marca sua como contista, aparecem menos aqui, e com menos impacto (para mim). Entretanto, há contos nostálgicos, mais conclusivos, que afirmam o talento dele para a trama, não só para linguagem – como os primeiros, do rapaz certinho que se envolve com uma trupe de teatro ou do aluno de conservatório que constrói a carreira usurpando o talento do colega. Postei o trecho acima e um amigo comparou com Noll - acho que tem a ver sim (e Noll é meu autor nacional favorito de todos os tempos). Bem bom.
Eu com o Paulo Henriques Britto (e meu namorado da época, o Fábio), eras atrás.
VISTA CHINESA – TATIANA SALEM LEVY (Todavia)
Bons tempos em que a Todavia me mandava livros todo mês. (Será que ressentiram
que falei mal de algum, ou que não falei de vários, ou que só falei merda, ou acharam
que o que eu falava não importava mesmo?) Esse da Tatiana eu acabei
comprando (por ebook), quando as livrarias estavam fechadas. E hoje em dia tem que ser assim
mesmo, né? A gente se acostumou a comprar livro de amigo em noite de autógrafo
(que, para quem é escritor experiente, em São Paulo, acontecia TODA SANTA
NOITE), agora fica mais fácil dar perdido e não prestigiar. A Tatiana nem é amiga próxima, o perdido
era bem fácil, mas o livro PULSAVA para eu ler, como lançamento dos mais importantes
da temporada. E mais do que faz jus.
É o relato em primeira pessoa de um estupro, e da investigação, com uma crítica dos métodos policiais duvidosos. Tão orgânico que assusta. Ótimo.
BAIXO ESPLENDOR – MARÇAL AQUINO (Companhia das Letras)
Começa assim... |
Primeiro romance do Marçal em mais de quinze anos (poderiam
ter sido quinze anos em que ele ficou bêbado, perdido pelas ruas; poderiam ter
sido quinze anos em que ele lamentava o assassinato da família; mas foram
quinze anos em que ele escrevia sobre isso na Rede Globo) – e traz a grata surpresa
de ser full Marçal Aquino.
Aqui, durante a ditadura militar, um investigador se infiltra numa gangue de roubo de carga, se envolve com a irmã de um deles, e tem de equilibrar desejo e dever, amor e tiroteio. É beeem gostoso de se ler. Um universo totalmente “aquiniano”, um "brutalismo kitsch", com a marca do autor - embora nunca o vejamos como um dos personagens. Ótimo.
O triste é que tenho lido todos esses livros cedo de manhã, meu namorado ainda dormindo, para aproveitar a luz que vem das janelas. Porque sempre tive uma visão excepcional, mas estou me tornando mais um que não consegue ler sem óculos...
E se a natureza me impede de ler, por que devo insistir?