22/11/2022

APOCALIPSE FUTEBOLÍSTICO

 


Acho curioso criticarem, boicotarem a Copa atual pela homofobia, misoginia, exploração. Futebol não foi sempre isso?

Fui daquelas crianças viadas com horror. E a total falta de interesse, de talento com a bola minaram muitas das minhas relações sociais durante toda a infância, até meados da adolescência. “Para que time você torce”, é das primeiras perguntas que um menino escuta ao entrar numa nova turma. Geralmente eu dizia “Corinthians”, só pela cor (porque sempre fui um trevosinho); levou muitos anos para eu conseguir admitir: “Não gosto de futebol.”

O fato de ser trevosinho, por sinal, é o que me salvava de ser totalmente excluído, que me denotava certa masculinidade: gostar de filmes de terror, HQs, videogame, ainda era considerado um traço masculino. E talvez eu até pudesse ter sido mais popular, ter tido mais amigos, se não fosse pela aula de educação física...

Na educação física ficava clara minha inadequação: ninguém me queria. A clássica cena de dois meninos (os “dois melhores”) escolhendo seus times e eu sobrando com os mancos, com os vesgos, com os gordos. Mal conseguia tocar na bola, meio que eu fugia, e nunca consegui marcar um gol na vida. (Alguns diriam que nem na literatura...)

(Até pouco tempo... até agora, acho, eu poderia ter dito que na educação física eu só era bom em queimada. Mas fico pensando se era mesmo um talento em fugir da bola, ou se os meninos nem se importavam em mirar primeiro em mim. Eu só era um dos últimos que sobrava.)

Eu tinha um primo rico que era dos meus melhores amigos. Quando estávamos só nós dois, a gente se divertia com o Nintendo, com o He-man, Comandos em Ação. Quando tinha outros amigos – e ele era cheio de amigos – ele ia jogar futebol no campinho da própria casa. Eu continuava na TV, até zerar o “Simon’s Quest.”

Foi uma falha na minha criação. Na minha casa, nunca se teve o menor interesse por futebol, nem os homens. Era dado um interesse exagerado pelas artes. (E deu no que deu...) Futebol só se assistia em Copa do mundo, o que pra mim era um martírio, não fazia sentido. Mesmo depois de entender minha sexualidade, a hipermasculinidade dos jogadores nunca me foi um atrativo. Nesse quesito, acho bem mais interessante as Olimpíadas, onde há de fato celebração de diversidade.

(Nota: Essa ilustração foi outra feita pelo meu irmãozinho Alexandre Matos, para um texto de jornal antigo, mais ou menos com esse mesmo tema, que o jornal não quis publicar...)

NESTE SÁBADO!