Esta semana reli O Diário de Anne Frank para um trabalhinho.
Impressionante como é mais relevante do que nunca – não só pelo relato de guerra, mas principalmente pelo enclausuramento, em tempos de pandemia, BBB... (Aquilo é BBB puro... er, imagino, não sei, nunca assisti a BBB, não estou dizendo que BBB tenha algo de literário...) (Curioso que o nome do programa tenha vindo de outro livro...)
Como obra literária, o diário também é uma maravilha, até pela própria consciência da Anne da importância histórica daquele registro, e suas ambições literárias. Mas é de se pensar o quanto foi editado, o quanto é cortado...
Ainda assim, é bastante ousado na questão sexual, contendo até fantasias lésbicas; natural para uma menina enclausurada em plena puberdade. Senti muito falta disso nos incontáveis relatos de sobreviventes do genocídio armênio, que li para a pesquisa do meu Fé no Inferno – a sexualidade parecia que podia ser freada pelos horrores da guerra. Talvez isso se dê principalmente por os livros serem escritos posteriormente, com intuito objetivo de publicação, não como um diário íntimo, como o de Anne; e talvez também pelo dogma religioso pesado dos armênios.
(Só encontrei um memoir do genocídio armênio que trata do despertar sexual em tempos de guerra de maneira deliciosa: Four Years in the Mountains of the Kurdistan, do Aram Haigaz – com um moleque-protagonista tarado que se apaixona por toda mulher que vê. Não tem tradução para o português, e eu adoraria fazer. Mas parece que o tema não interessa muito por aqui, vide o alcance do meu romance pela Companhia... Traduzi outro memoir sobre o genocídio – “A Um Fio da Morte”, do Hampartzoum Chitjian, que também não teve muita repercussão.)
Voltando à Anne, é lindo e triste. Ela consegue namorar e se apaixonar pelo único menino com quem tem contato, Peter van Daan, que inicialmente ela considera “um rapazinho molenga, tímido e desajeitado.” Fiquei pensando se Peter não seria gay, tão fascinado por estrelas de cinema, driblando as investidas de Anne...
Homossexualidade em tempos de guerra é ainda mais tabu. Mas no caso armênio há dezenas de relatos de transexualidade... ou ao menos cross-dressing, meninas que se passam por meninos para poder sobreviver, trabalhar, evitar estupros. “Durante a noite, seu ronco alto me acordou. Enquanto eu me esticava para mudar sua posição, fiquei espantado de notar que o menino era menina!” – narrou Chitjian no seu memoir (sem entrar em detalhes de como descobriu isso). Remete a histórias clássicas, de Zulvísia a Mulan, passando por Grande Sertão. (E obviamente também incorporei no meu Inferno.)
Terminando com Anne Frank, me lembrei de que visitei o museu-esconderijo dela, na primeira vez que fui a Amsterdam, há mais de 20 anos. Eu tinha comprado uns cogumelos... Achei que não tinha batido... Fui visitar o museu...
O que me lembro mistura o que li no Diário. Olhares atravessados de turistas. E gnomos.