Ontem fui jantar com amigos professores, acadêmicos, aniversário de um amigo querido que fez mestrado na minha obra.
Depois das azeitonas, começaram a conversar sobre um conto meu. Havia sido trabalhado em sala de aula. Me falaram da reação dos alunos, das discussões, da indignação...
Uma das professoras não conhecia o conto, e o mestre em Nazarian foi narrando suas impressões, fez sua análise.
"Não sou capaz de opinar", fiz a Glória Pires. Não só porque eu era o autor, incapaz de enxergar minha própria obra, a meleca debaixo do meu nariz, mas porque eu mal me lembrava dos detalhes do conto. Lembro pouco do que eu mesmo escrevi (menos ainda do que eu já li); quando tenho de dar uma entrevista sobre um livro antigo, me lembro mais do que eu já falei sobre o livro do que de fato o que eu escrevi.
Mas a conversa, a discussão, me demonstrou como nós (autores) não temos noção aonde chegam nossos textos. Sempre falo isso: livro não tem aplauso. A gente não sabe como o livro ecoa nos leitores, onde eles riem, o que eles acham uma merda.
A experiência mais próxima que tive disso foi uma vez que lemos BIOFOBIA inteiro em voz alta - eu, Beto Brant, Marçal Aquino e Renato Ciasca, na época em que estávamos trabalhando na adaptação para cinema (que nunca foi filmada). Lá eu tive a experiência única de ver um público rindo de determinada frase no livro, às vezes apontando: "isso é ótimo", às vezes deixando de apontar inconsistências...
Aconteceu de forma parecida quando o Evandro Affonso Ferreira, que tinha um sebo, me presentou com meu próprio primeiro livro - Olívio - numa cópia que tinha sido lida pelo Bernardo Carvalho - toda anotada por ele. Tinha passagens marcadas com "lindo" outras com "péssimo" (e não sei por que o Bernardo acabou se desfazendo do livro, parece que ele faz isso sempre; de todo modo, ele fez uma bela resenha na Trip).
Então é essa sensação que eu procuro dar ao autor quando faço uma leitura crítica. Sublinho frases e coloco o "péssimo", o "cafona", mas também o "adorei". Sei bem como a gente, como autor, carece de público...
Voltando à mesa de ontem, me admirei em saber da repercussão do conto. Pra mim, não havia tido repercussão nenhuma... e era um conto pesado... sobre pedofilia... publicado no excelente jornal literário Cândido, há uns bons anos. (Será que seria publicado hoje em dia? Sempre lamento o quanto retrocedemos, o quanto encaretamos, o quanto os tabus se reimpuseram.) Fiquei surpreso quando o jornal decidiu publicar. Achei que podia dar merda. Achei que não tinha dado nada. Sempre acho que não deu em nada. O autor nada sabe.
(Reli o conto hoje e me lembrei. Ainda gosto. Pode ser lido na íntegra aqui: https://www.bpp.pr.gov.br/Candido/Pagina/Conto-Santiago-Nazarian )