1. Como é ser escritor no Brasil hoje? É uma profissão romantizada?
Ser escritor no Brasil hoje é uma gama de possibilidades muito maior do que era no século passado. Como toda a cultura pós internet, o mercado se fragmentou. Há escritores de autopublicação na Amazon que têm milhares de leitores e nem conhecemos. Tem os autorzões de respeito do Jabuti. Os bestsellers voltados a um público jovem. Autores do Tik Tok... Então existem romantismos de vários tipos. Você pode romantizar ser Itamar Vieira, ou romantizar ser Raphael Montes, Tati Bernardi, Theago Neiva ou Arlene Diniz... Isso não quer dizer que ficou mais fácil. Há espaço para todos... ou quase todos, mas o número de leitores não se ampliou, apenas se fragmentou.
2. É possível viver da escrita e da venda de livros no Brasil? Ou é necessário ampliar o leque de atividades para completar a renda e pagar os boletos?
Sim. Viver da escrita é uma realidade para muitos escritores nas últimas décadas, exatamente por essa fragmentação. O escritor pode dar aulas, escrever para jornal, fazer tradução, roteiros (que é um mercado que cresceu muito, primeiro com a retomada do cinema nacional, depois com a TV a cabo e depois com os streamings). Tudo isso É viver da escrita, são atividades que agregam ao escritor e, ao meu ver, fortalecem sua literatura. Agora, viver da venda de livros é outra coisa. Fora os bestsellers, geralmente conseguem aqueles que trabalham com literatura infantojuvenil, pelo simples fato de que conseguem escrever e publicar com mais frequência, têm mais livros, porque têm menos texto. Um autor de literatura infantil consegue publicar vários livros num ano, ganhando por cada um o mesmo que um romancista que ficou cinco anos escrevendo uma obra.
3. Quais são os principais obstáculos que você enfrenta para publicar e distribuir suas obras no mercado editorial brasileiro?
Aqui é uma percepção muito pessoal minha. O obstáculo para mim é que não me encaixo exatamente em nenhum desses fragmentos - eu não me encaixo no perfil autorzão de respeito, mas também não sou um autor comercial; lanço mais provocações do que bandeiras; sou um autor alternativo que publica por editoras grandes, então fico meio isolado, as próprias editoras não sabem direito como me vender. E tenho notado cada vez mais dificuldade nisso, meus temas, meus próprios títulos são barrados hoje pelos filtros que desmonetizam conteúdos... Quem vai colocar "Veado Assassino" numa programação oficial ou mesmo num título de Youtube? Mas a provocação é a marca da minha literatura, é isso que vim fazer aqui, e para isso há cada vez menos espaço, cada vez menos espaço para o controverso.
4. Quais foram as principais mudanças no fazer literário, especialmente depois do movimento que ampliou a publicação de obras que atendem a pautas sociais e identitárias?
Não acho que o fortalecimento das pautas identitárias tenha alterado o fazer literário. Sempre há ondas de pautas na literatura, e os autores identificam-se ou não, tentam fazer parte ou remar ao contrário. E ainda que a literatura dita de respeito (ou as "editoras ditas de respeito") tenha adotado essas pautas nos últimos anos, há também diversas outras correntes em paralelo - se o feminismo vem com força na literatura premiável, por exemplo, há também todo um submundo de livros de mulheres submissas, que encontram o grande amor num homem poderoso, autoritário, que se transforma em lobisomem.