10/07/2005

QUANDO EU TERMINAR ESTE CONHAQUE, QUERO VOCÊ, TESO, AO MEU LADO!

Fiquei sabendo sexta-feira que meu conto "Seis Dedos para Contar" (que pode ser lido aqui no blog, no link "Formigas...") será publicado numa antologia italiana de "jovens autores de língua portuguesa". Essa foi mais uma proeza da minha super agente Ray-Güede, que me representa internacionalmente desde o final do ano passado. Foi ela que conseguiu também a edição portuguesa de "A Morte Sem Nome" (que ainda não saiu, mas já recebi a grana faz tempo, inclusive já gastei...).

A Ray é uma das maiores agentes internacionais de autores em língua portuguesa. Além de mim, ela representa o Saramago, a Lygia (Fagundes Telles), Érico Veríssimo, e mais uma pá de fodões. Foi ela que me escolheu, por isso fico me achando.

No Brasil, não trabalho com agentes. Cheguei a começar uma parceria com um, que acabou desistindo de mim quando viu que eu não ganhava o suficiente nem para pagar as contas...

Pensam que eu tô brincando?

Ganhar grana com literatura é foda, fodíssimo, quase missão impossível. Sinto desestimular os jovens que visitam o blog e acham que um autor que foi ao Jô Soares deve estar montado na grana, haha. Eu queria passar uma mensagem positiva e dizer "a literatura pode salvá-los", mas não é assim. "Feriado de Mim Mesmo" está vendendo bem, sim, entrou na segunda edição em menos de dois meses. Isso é uma enorme proeza para um autor jovem, mas não chega a render grana. Os acertos de direitos autoral com a editora se dão de três em três meses, e ainda se desconta o dinheiro do adiantamento (que recebi ano passado) tem os impostos... Enfim, se no próximo acerto eu ganhar o suficiente para pagar as contas de UM mês, já vou pular de alegria.
Mesmo a grana de Portugal, pensam que foi muito? Descontando os impostos e comissão da agente deu menos do que as contas do mês...

O que sustenta a maioria dos autores é: coluna em jornal + direitos de adaptações + roteiros + traduções. Eu faço um pouco de tudo. Escrevo de vez em quando pra Folha, mas não tenho coluna fixa. Já fiz roteiro do "Feriado", mas nunca conseguimos captar os recursos para eu receber. Faço traduções quando aparecem; quando não aparecem, eu morro de fome. A coisa é foda!

Então, um bando de escritores, inconformados como eu, organizaram um documento para ser apresentado ao governo, pedindo verbas públicas para o incentivo da criação literária. Vocês estão sabendo, né? Trata-se daquele movimento "Literatura Urgente", sobre o qual eu falei aqui e que, nesta semana, teve uma crítica impiedosa (e maldosa) na Veja, assinada pelo Jerônimo Teixeira.

A matéria coloca que, para a criação literária, é preciso apenas lápis e papel. Não seria necessário então financiamento público, como acontece com artes mais caras (cinema, teatro). Isso é verdade (em termos). Há literatura que precisa de pesquisa, tempo, não apenas compromentimento. Eu até acho que algumas exigências do movimento são abusivas. Mas há muitas medidas reivindicadas que não dependem diretamente de investimento, apenas de isenção (ou melhor direcionamento) de impostos.

Por que motivo, por exemplo, paga-se impostos por direitos autorais? Por que não existem programas de intercâmbio e circulação de escritores brasileiros dentro do país e em países de língua portuguesa (como existem em váaaaaaaaarios países)? Por que não se incentiva, com isenção de impostos, projetos de incentivo a criação literária promovidos por empresas privadas?

Acho que essas questões é que deveriam ser pensadas, e algumas são propostas pelo movimento. Cheguei a ouvir deles que as exigências deveriam ser maiores (utópicas até), para então, no afunilamento, conquistarmos o básico. Enfim, eu não entendo de política e não participo mais das reivindicações. Fico feliz se algo mudar, mas a literatura depende de processos tão individuais, que acho difícil uma intervenção pública trazer resultados concretos.

O que está mudando realmente a literatura (e já disse isso aqui) é a ação individual de vários escritores, que assumem publicamente seus papéis e chegam até as pessoas. Quando Marcelino Freire organiza debates com escritores, quando a Clarah Averbuck conquista a molecada, quando as editoras percebem que os jovens escritores estão dispostos a mostrar a cara na mídia, investe-se mais nos autores, a literatura ganha mais espaço. Eu realmente acho que estamos num momento de efervescência. Claro que muitos dos novos autores que estão aí são uma merda, mas isso cabe ao leitor decidir. Há espaço para os bons, há espaço para os maus. Acho que, atualmente, há espaço para todos que sabem vender seu peixe, tendo qualidade ou não.

Ai, peraí que meu trem está descarrilhando...

Ainda há muito preconceito, claro. Parte da crítica literária ainda é conservadora e ainda vê com maus olhos o escritor que "aparece demais" (como se algum escritor aparecesse um décimo do que aparece uma pretendente do Ronaldinho...). Esse povo é extremamente contraditório, porque se diz conteudista e critica apenas a "imagem" do escritor. Veja o caso daquela perneta que passou por aqui falando (e mancando) "não li e não gostei. Escritor de verdade é Saramago, porque é velho."

Confesso que eu mesmo tenho várias ressalvas e preconceitos. Acho que, por exemplo, é muito difícil um escritor bom da nova geração participar de antologias, conseguir trabalho e até mesmo ser reconhecido se não se senta para beber com os colegas, se não faz social. Existem até (algumas) antologias de contos cujo critério de seleção é a freqüência de um determinado bar (e não estou falando só DAQUELA que vocês estão pensando). Mas não acho isso inteiramente errado. Quero dizer, admiro um BOM escritor que sabe se vender, que tem seu lado marketeiro, integrado. As limitações que EU tenho nesse campo, considero negativas. Eu, por exemplo, não bebo cerveja, não freqüento bares, não consigo ficar muito tempo sentado...

Tô falando sério, baby, não é de se invejar? O cara escreve bem, tem um universo interno, mas ainda consegue
conquistar os integrados, ainda sorri em voz alta, integra os colegas, organiza eventos. Conheço algumas pessoas assim...

Eu não posso reclamar. Honestamente, ninguém que fez críticas positivas dos meus livros eu conhecia pessoalmente (alguns fui conhecer depois). Mesmo meu contato na Folha, que me pede críticas de tempos em tempos, eu nunca vi. Não sei nem a cara. Ele chegou a mim pelos meus livros, ou por indicação de alguém, sei lá... Ainda há uma certa dignidade no ramo...

O que eu acho extremamente nocivo é esse pensamento de que "escritor deve sofrer" ou que "escritor tem de ficar quietinho" ou "deixar a barriga crescer". Porra, não é assim que se levanta a literatura. A gurizada tem de ver beleza, força, nobreza. O que eu acho é que é muito difícil um escritor conseguir conquistar isso. Ave, quem escreve é porque geralmente quer isolamento, quer trabalhar sozinho, tem enormes conflitos, é um problemático! Então esse cara não vai conseguir se integrar e fazer o jogo do marketing. Se o cara consegue - e é um escritor de verdade - do caralho!

Veja o caso do JT Leroy. O cara é um fodido, tomava drogas desde a infância, foi prostituto, só se fodeu. Hoje em dia é um moleque mirrado, que não consegue falar em público, cheio de traumas, mas deu um jeito. Coloca lá a peruquinha, os óculos escuros, veste um personagem e está nos jornais do mundo todo. Tá fazendo roteiros para o Gus Van Sant.

É escritor de verdade? Vai ler o livro dele. Eu acho bom demais.

(aliás, Jerônimo Teixeira também fez uma crítica do livro dele na Veja, semana passada. Não entendi direito. Ele meteu o pau, mas basicamente falando que ele era "bizarro". Bizarrice é uma característica negativa para um escritor? O Jerônimo até coloca um trecho ótimo do livro do JT, dizendo "veja como o cara é estranho...." Não estou entendendo esse tom rancoroso que a Veja vem adotando...)

(Não me venham falar que só defendo o JT porque o conheci pessoalmente e achei ele pitéuzinho... hahah.)

Bem, bem, o que eu queria é que a literatura fosse muito maior, enorme, IMENSA. Quando eu saio por aí, em entrevistas de emprego, em paquerinhas tolas, tenho quase vergonha de dizer que sou escritor. Ninguém sabe o que isso significa, não impressiona ninguém. O pessoal fica olhando meio desconfiado, achando que sou mesmo louco, que não tenho emprego, ou que sou deslumbrado...

Hum... quero escrever bastante... Hoje tô pilhado, volte mais tarde que ainda não acabou.

Ah, meu amorzinho, eu entrei em duas faculdades (inúteis), tenho diploma, três romances publicados, falo cinco línguas, não tenho fotolog. Por que ainda não paguei a conta de telefone que vencia dia primeiro? Não tô querendo ganhar dinheiro com meus livros, só queria que iso não fosse um ponto negativo no meu currículo.

O que eu tô achando é que daqui a um tempinho eu vou largar tudo isso. Quero dizer, não largar a literatura, porque isso eu faço com prazer, mas essa "máquina poética toda". Ficar publicando livrinhos, ganhando um troquinho, esmolando o resto do tempo, esperando algum prêmio com a velocidade de um jabuti...

Viver a literatura é ser "barman de prostíbulo gay"! Haha. É morar com traficantes em Paris, dormir em cemitério, quebrar dentes em Floripa, namorar um adolescente alemão, derramar sangue na praça da República, ouvir Velvet Underground em vinil, andar na estrada a pé, tacar fogo no apartamento... Ahhhhhhhhhhhhh, tô bonzinho demais!

* (repensei algumas questões, depois de ter postado aqui no blog no domingo, e atualizei o texto, dando ênfase em algumas questões, na segunda)

TIREM AS CRIANÇAS DA SALA

(Publicado na Ilustríssima da Folha deste domingo) Do que devemos proteger nossas crianças? Como não ofender quem acredita no pecado? Que ga...