A COLHER DA DISCÓRDIA
"O que mais me perturba agora é saber que os críticos, jornalistas e até mesmo escritores não estão mais preocupados com a consistência da mousse de maracujá. Nas raras vezes que se dispõem a provar da iguaria só avaliam sua doçura ou acidez. Não podem nem ao menos diferenciar entre uma mousse, um creme e uma torta, tal o nível de alienação que chegaram sobre o assunto. Eu poderia deixar de insistir e simplesmente baratear minha receita, tanto financeira quanto ideologicamente, descansar meus braços e não bater com tanto vigor, mas assim eu estaria me entregando de vez e jamais chegaria perto de proporcionar a autor algum o mesmo prazer, calma e elevação espiritual que me proporcionam."
Carta de Joaquim Affonso Santana a seu pai, Emílio da Costa Santana, datada de 18.03.1929.
30/11/2005
29/11/2005
WHERE HAVE ALL THE FLOWERS GONE?
Acabo de voltar do 3o Prêmio Portugal Telecom de Literatura. É um dos maiores prêmios para escritores brasileiros, com valores em dinheiro de 15, 30 e 100 mil reais para os melhores livros do ano (passado). Eu ganhei o jantar, a sobremesa e as bebidas, tudo pago pelos portugas. Já não é algo, meus amigos?
O grande vencedor da noite foi Amílcar Bettega Barbosa, com "Os Lados do Círculo", que eu nunca li, mas minha sobrinha número 3 leu e disse que é ótimo. Hehe. Não, nunca li, mas ele é um cara simpático e disseram que foi merecido e coisa e tal, então fico feliz.
Mas ficaria mais feliz se Lorena estivesse lá.... Enfim, quando eu crescer e tiver barba...
O engraçado desses eventos é que se vê mais empresários, peruas e ricaços do que escritores. Isso eu não entendo. Alguém me explique, o que faz a rainha do basquete, HORTÊNCIA numa premiação literária? Além do mais, a cerimônia é chatíssima. No primeiro ano até que foi divertido, teve show do Cauby Peixoto, do Eduardo Dussek, da Wanderlea. Mas este ano colocaram a BANDA DO LUIS FERNANDO VERÍSSIMO, que é uma espécie de sexteto 11:30, um som agradável se você está esperando o dentista ou conversando amenidades com um copo de champagne na mão, não algo para se ouvir sentado, quieto, a seco, ANTES de servirem o champagne.
Aliás, me perdoem, de Veríssimo mesmo eu gosto do Érico (o homenageado do ano). E se for em matéria de música, fico com o Pedro, que tem uma banda de rock, o Tom Bloch.
Mas valeu por ter ido com o Marcelino, ter encontrado a Cintia Moscovich (uma das finalistas) e por todo o champagne, comidinhas e blablablá.
(De pitéu também, necas.)
Falando em navios e ataques de piratas, acabei de acabar a tradução de Fan-Tan, romance escrito por Marlon Brando e Donald Cammel, para a Nova Fronteira. É uma coisa bem Brando mesmo, sabe, com um marinheiro americano pegando prostitutas chinesas pelas cintura, levanto tapas na cara e dizendo, "oh, babe, não me deixe zangado." Romance passado no começo do século (XX) nos mares da China, cheio de aventuras e malucagens. Achei bem interessante, algo bem diferente do que eu estava acostumado a fazer. Eu gosto dessa coisa de pirata. Sempre gostei de luta de espadas...
(ai, esse champagne dos portugais me tirou dos trilhos)
Eu acho que tinha mais algo a dizer, mas não tem importância, não é algo importante. Aliás, importante mesmo é comer, já que literatura não alimenta ninguém...
Acabo de voltar do 3o Prêmio Portugal Telecom de Literatura. É um dos maiores prêmios para escritores brasileiros, com valores em dinheiro de 15, 30 e 100 mil reais para os melhores livros do ano (passado). Eu ganhei o jantar, a sobremesa e as bebidas, tudo pago pelos portugas. Já não é algo, meus amigos?
O grande vencedor da noite foi Amílcar Bettega Barbosa, com "Os Lados do Círculo", que eu nunca li, mas minha sobrinha número 3 leu e disse que é ótimo. Hehe. Não, nunca li, mas ele é um cara simpático e disseram que foi merecido e coisa e tal, então fico feliz.
Mas ficaria mais feliz se Lorena estivesse lá.... Enfim, quando eu crescer e tiver barba...
O engraçado desses eventos é que se vê mais empresários, peruas e ricaços do que escritores. Isso eu não entendo. Alguém me explique, o que faz a rainha do basquete, HORTÊNCIA numa premiação literária? Além do mais, a cerimônia é chatíssima. No primeiro ano até que foi divertido, teve show do Cauby Peixoto, do Eduardo Dussek, da Wanderlea. Mas este ano colocaram a BANDA DO LUIS FERNANDO VERÍSSIMO, que é uma espécie de sexteto 11:30, um som agradável se você está esperando o dentista ou conversando amenidades com um copo de champagne na mão, não algo para se ouvir sentado, quieto, a seco, ANTES de servirem o champagne.
Aliás, me perdoem, de Veríssimo mesmo eu gosto do Érico (o homenageado do ano). E se for em matéria de música, fico com o Pedro, que tem uma banda de rock, o Tom Bloch.
Mas valeu por ter ido com o Marcelino, ter encontrado a Cintia Moscovich (uma das finalistas) e por todo o champagne, comidinhas e blablablá.
(De pitéu também, necas.)
Falando em navios e ataques de piratas, acabei de acabar a tradução de Fan-Tan, romance escrito por Marlon Brando e Donald Cammel, para a Nova Fronteira. É uma coisa bem Brando mesmo, sabe, com um marinheiro americano pegando prostitutas chinesas pelas cintura, levanto tapas na cara e dizendo, "oh, babe, não me deixe zangado." Romance passado no começo do século (XX) nos mares da China, cheio de aventuras e malucagens. Achei bem interessante, algo bem diferente do que eu estava acostumado a fazer. Eu gosto dessa coisa de pirata. Sempre gostei de luta de espadas...
(ai, esse champagne dos portugais me tirou dos trilhos)
Eu acho que tinha mais algo a dizer, mas não tem importância, não é algo importante. Aliás, importante mesmo é comer, já que literatura não alimenta ninguém...
25/11/2005
SENTADO NA SARJETA, OLHANDO AS ESTRELAS
Está todo mundo falando bem deles, então vou ser só mais um.
Comprei o cd do Cansei de Ser Sexy. Só o nome dessa banda eu já acho genial. Ótimo. E o cd é ótimo também. Um rock com influências pesadas de elektro e technopop dos anos 80. Isso não faz com que seja exatamente um cd de elektrorock; elektro costuma ser mais simples, mais cru (tipo Peaches, Miss Kitten), e o Cansei de Ser Sexy tem uma produção mais elaborada, timbres complexos, nada daquela tosqueira.
As letras são divertidas, a maioria em inglês (com sotaque carregado, mas quem tem problema com sotaque não deveria escutar nem Björk) e alguns trechos, gírias e expressões em português, direto do "mundinho underground". Aliás, é legal ver como o Cansei vai além do seu berço underground e consegue conciliar isso com um puro pop mainstream, para ser tocado em rádio. É raro o povo hypado do mundinho paulistano ter um trabalho minimamente consistente (bem, é raro esse povo ter um "trabalho", pra começo de conversa). Então eles têm mais um motivo para se vangloriar.
Cheguei a vê-los ao vivo uma vez só, ano passado, na Galeria Olido. Gostei do show. (A vocalista) Lovefoxxx tem uma presença incrível de palco, parece uma criança de sete anos anfetaminada. E eles mandam bem, entregam o que propõem.
Quem cuida de tudo é o Adriano Cintra (baterista, produtor, guitarrista e compositor), um cara que está há anos na cena rock alternativa, e que eu conheço desde os tempos em que eu tocava teclado no Viva Violet (faz teeeempo). Nunca fomos próximos, mas ele sempre foi um sujeito simpático. Então fico feliz pelo sucesso deles.
As melhores faixas do álbum, na minha opinião são "Fuckoff Is Not the Only Thing You Have to Show" (que abre o disco com tecladinhos Depeche Mode), "Let’s Make Love and Listen Death From Above" (com uma pegada hiphop), "Alcohol" (que parece trilha de parque de diversões), "Music is My Hot Sex" (que lembra glam rock, tipo Joan Jet ou Gary Glitter) e o hit "Superafim" ("superafim, superafim, superafim de mim"). E eles ainda terminam com uma baladinha country.
O único porém é que o álbum tem faixas demais, apesar de ser curto na duração, e acaba ficando um pouco cansativo de ser escutado inteiro de uma vez só. Mas tá valendo. Eu daria uma nota 8.
E ontem fui no lançamento do livro "Contos Sobre Tela", onde uma pá de escritores da "nova geração" escreve contos baseados em quadros da arte brasileira. Eu ainda não li, mas os autores são fodões, tipo Nelson de Oliveira, Cuenca, Carpinejar, Ivana Arruda Leite e Ana Paula Maia (que dedicou seu conto a mim).
Pois é, a resistência prossegue, a nova literatura vai esticando seus tentáculos e os imortais pouco a pouco vão morrendo.
Está todo mundo falando bem deles, então vou ser só mais um.
Comprei o cd do Cansei de Ser Sexy. Só o nome dessa banda eu já acho genial. Ótimo. E o cd é ótimo também. Um rock com influências pesadas de elektro e technopop dos anos 80. Isso não faz com que seja exatamente um cd de elektrorock; elektro costuma ser mais simples, mais cru (tipo Peaches, Miss Kitten), e o Cansei de Ser Sexy tem uma produção mais elaborada, timbres complexos, nada daquela tosqueira.
As letras são divertidas, a maioria em inglês (com sotaque carregado, mas quem tem problema com sotaque não deveria escutar nem Björk) e alguns trechos, gírias e expressões em português, direto do "mundinho underground". Aliás, é legal ver como o Cansei vai além do seu berço underground e consegue conciliar isso com um puro pop mainstream, para ser tocado em rádio. É raro o povo hypado do mundinho paulistano ter um trabalho minimamente consistente (bem, é raro esse povo ter um "trabalho", pra começo de conversa). Então eles têm mais um motivo para se vangloriar.
Cheguei a vê-los ao vivo uma vez só, ano passado, na Galeria Olido. Gostei do show. (A vocalista) Lovefoxxx tem uma presença incrível de palco, parece uma criança de sete anos anfetaminada. E eles mandam bem, entregam o que propõem.
Quem cuida de tudo é o Adriano Cintra (baterista, produtor, guitarrista e compositor), um cara que está há anos na cena rock alternativa, e que eu conheço desde os tempos em que eu tocava teclado no Viva Violet (faz teeeempo). Nunca fomos próximos, mas ele sempre foi um sujeito simpático. Então fico feliz pelo sucesso deles.
As melhores faixas do álbum, na minha opinião são "Fuckoff Is Not the Only Thing You Have to Show" (que abre o disco com tecladinhos Depeche Mode), "Let’s Make Love and Listen Death From Above" (com uma pegada hiphop), "Alcohol" (que parece trilha de parque de diversões), "Music is My Hot Sex" (que lembra glam rock, tipo Joan Jet ou Gary Glitter) e o hit "Superafim" ("superafim, superafim, superafim de mim"). E eles ainda terminam com uma baladinha country.
O único porém é que o álbum tem faixas demais, apesar de ser curto na duração, e acaba ficando um pouco cansativo de ser escutado inteiro de uma vez só. Mas tá valendo. Eu daria uma nota 8.
E ontem fui no lançamento do livro "Contos Sobre Tela", onde uma pá de escritores da "nova geração" escreve contos baseados em quadros da arte brasileira. Eu ainda não li, mas os autores são fodões, tipo Nelson de Oliveira, Cuenca, Carpinejar, Ivana Arruda Leite e Ana Paula Maia (que dedicou seu conto a mim).
Pois é, a resistência prossegue, a nova literatura vai esticando seus tentáculos e os imortais pouco a pouco vão morrendo.
24/11/2005
A UTOPIA DO DEFUNTO
"Eles me deram um adiantamento de 300 mil(...)e querem reeditar todos os meus livros anteriores. Já consegui recuperar os direitos de todos - à exceção dos Morangos, que continua muito bem, vai para a quarta edição. Então, depois de todos esses anos, parece que finalmente, pelo menos nessa área profissional, as coisas começam a dar certo. Feitas as contas, com seis livros circulando no mercado, daqui pra frente, se Deus quiser, poderei viver talvez exclusivamente disso."
Carta de Caio Fernando Abreu à sua mãe, Nair Abreu, em 29/06/83, publicado no livro "Caio 3D- O melhor da Década de 80". Caio morreu em 96, em Porto Alegre, sem conseguir sobreviver de literatura.
"Eles me deram um adiantamento de 300 mil(...)e querem reeditar todos os meus livros anteriores. Já consegui recuperar os direitos de todos - à exceção dos Morangos, que continua muito bem, vai para a quarta edição. Então, depois de todos esses anos, parece que finalmente, pelo menos nessa área profissional, as coisas começam a dar certo. Feitas as contas, com seis livros circulando no mercado, daqui pra frente, se Deus quiser, poderei viver talvez exclusivamente disso."
Carta de Caio Fernando Abreu à sua mãe, Nair Abreu, em 29/06/83, publicado no livro "Caio 3D- O melhor da Década de 80". Caio morreu em 96, em Porto Alegre, sem conseguir sobreviver de literatura.
23/11/2005
JÁ DIZIA MICKEY MOUSE...
"Ao jovem que deseja escrever eu indicaria não olhar para os lados, nem mesmo para trás, a não ser para vislumbrar a própria sombra que possa ter sido produzida por um sol intenso que se coloca diante de seus olhos de forma a cegar seus passos futuros, queimar seu semblante, que pode ser tomado como um de preocupação, mas que estará revelado em todas as suas imperfeições e alegrias por um astro maior que, na realidade, não é nada além da mais absoluta vontade de viver, vencer e secar sobre uma terra onde faltam apenas suas lágrimas para germinar."
Augusto Capivari Soja, em entrevista para o jornal Tábuas de Minas
"Ao jovem que deseja escrever eu indicaria não olhar para os lados, nem mesmo para trás, a não ser para vislumbrar a própria sombra que possa ter sido produzida por um sol intenso que se coloca diante de seus olhos de forma a cegar seus passos futuros, queimar seu semblante, que pode ser tomado como um de preocupação, mas que estará revelado em todas as suas imperfeições e alegrias por um astro maior que, na realidade, não é nada além da mais absoluta vontade de viver, vencer e secar sobre uma terra onde faltam apenas suas lágrimas para germinar."
Augusto Capivari Soja, em entrevista para o jornal Tábuas de Minas
19/11/2005
ARANHA GOSPEL E BICHO GÓTICO
Hoje fui num encontro da família Gasparian. Meu avô era Nazarian. Minha avó, Gasparian. Em geral, todos os "ian" são de origem armênia. É um sufixo que indica exatamente a descendência, "derivado de algo" ou "filho de", como o "son", em inglês (Wilson), "nen" em finlandês (Kastinen), "sem" em sueco e por aí vai.
Pois bem, o encontro dos Gasparian e derivados aconteceu num hotel chicoso em São Paulo, com um bom almoço e aquele papo aranha de família que não se conhece. Bom ver que o filtro das gerações conseguiu afastar o fenótipo armênio e que os Gasparian/Nazarian mais novos são todos bonitinhos. Eu inclusive tenho uma prima que é a cara da Cher (aha, isso é um elogio, e a Cher também é descendente de armênios).
Mas nesses encontros, sempre fico me achando um animal exótico. Me sentei na mesa dos "jovens" com minhas madeixas e tatuagens e logo um deles começou um papo:
- Você é gótico?
- É... pode-se dizer que tenho umas raízes góticas, sim.
- Eu sou gospel.
E entrou naquela de Jesus e inferno e sei lá o quê. Era um primo de um primo de um sobrinho de um tio meu, algo assim, mais novo do que eu. Por sorte, ele tinha uma irmã (ou prima) bem mais interessante, que disse que fazia São Francisco, mas adorava literatura. Para provocar, comentei com ela sobre a "tradição gótica" da São Francisco, berço do romantismo no Brasil, com os poetas que estudavam lá e morriam de tuberculose, Álvares de Azevedo e a patota. E realmente acho que, para quem quer ser escritor, a Faculdade de Direito do Largo São Francisco é melhor do que a Letras na USP (onde cheguei a entrar).
Enfim, o almoço foi esquisito e eu saí me sentindo mais gótico, embora não tenha mais idade para isso. Fui porque minha avó insistiu e ela mesma não foi, com problemas de saúde. Minha avó é uma mulher estranha. Gosto dela, mas não posso levá-la a sério. Ela solta pérolas como "ninguém pode dizer que sou racista porque todos os meus criados são de cor". Parou de comprar a revistas Caras (sua favorita) porque tinha muito comercial de lingerie. Sobre minhas "histórias bizarras", ela finge não saber. Mas sei que ela já catou, por acaso, algumas entrevistas minhas na TV (piores do que as do Jô), depois deletou do HD mental tudo o que eu disse.
Por sorte, minha mãe conseguiu fugir disso tudo (literalmente). Ela foi criada nessa família armênia, rica, tradicional, que obviamente não aprovava o namoro dela com um artista plástico malucão, já divorciado e não-armênio. No seu aniversário de 21 anos, ela fugiu de casa para morar com ele, meu pai. Depois, eu acabei sendo criado basicamente por ela, com raras saídas com meu pai (quando eu era expulso da escola, por exemplo).
Então, de minha mãe herdei o berço; do meu pai, a maldição.
Ai, ai, é isso, encontrar os velhos parentes sempre desperta nossa contestação adolescente. O melhor desses encontros é ver que meus tios maternos (assim como meu pai) já estão chegando nos sessenta anos e não são carecas, usam o cabelo comprido "lisztiano" e são magros. Que ao menos a genética venha a meu favor... (se eu chegar até lá).
Hoje fui num encontro da família Gasparian. Meu avô era Nazarian. Minha avó, Gasparian. Em geral, todos os "ian" são de origem armênia. É um sufixo que indica exatamente a descendência, "derivado de algo" ou "filho de", como o "son", em inglês (Wilson), "nen" em finlandês (Kastinen), "sem" em sueco e por aí vai.
Pois bem, o encontro dos Gasparian e derivados aconteceu num hotel chicoso em São Paulo, com um bom almoço e aquele papo aranha de família que não se conhece. Bom ver que o filtro das gerações conseguiu afastar o fenótipo armênio e que os Gasparian/Nazarian mais novos são todos bonitinhos. Eu inclusive tenho uma prima que é a cara da Cher (aha, isso é um elogio, e a Cher também é descendente de armênios).
Mas nesses encontros, sempre fico me achando um animal exótico. Me sentei na mesa dos "jovens" com minhas madeixas e tatuagens e logo um deles começou um papo:
- Você é gótico?
- É... pode-se dizer que tenho umas raízes góticas, sim.
- Eu sou gospel.
E entrou naquela de Jesus e inferno e sei lá o quê. Era um primo de um primo de um sobrinho de um tio meu, algo assim, mais novo do que eu. Por sorte, ele tinha uma irmã (ou prima) bem mais interessante, que disse que fazia São Francisco, mas adorava literatura. Para provocar, comentei com ela sobre a "tradição gótica" da São Francisco, berço do romantismo no Brasil, com os poetas que estudavam lá e morriam de tuberculose, Álvares de Azevedo e a patota. E realmente acho que, para quem quer ser escritor, a Faculdade de Direito do Largo São Francisco é melhor do que a Letras na USP (onde cheguei a entrar).
Enfim, o almoço foi esquisito e eu saí me sentindo mais gótico, embora não tenha mais idade para isso. Fui porque minha avó insistiu e ela mesma não foi, com problemas de saúde. Minha avó é uma mulher estranha. Gosto dela, mas não posso levá-la a sério. Ela solta pérolas como "ninguém pode dizer que sou racista porque todos os meus criados são de cor". Parou de comprar a revistas Caras (sua favorita) porque tinha muito comercial de lingerie. Sobre minhas "histórias bizarras", ela finge não saber. Mas sei que ela já catou, por acaso, algumas entrevistas minhas na TV (piores do que as do Jô), depois deletou do HD mental tudo o que eu disse.
Por sorte, minha mãe conseguiu fugir disso tudo (literalmente). Ela foi criada nessa família armênia, rica, tradicional, que obviamente não aprovava o namoro dela com um artista plástico malucão, já divorciado e não-armênio. No seu aniversário de 21 anos, ela fugiu de casa para morar com ele, meu pai. Depois, eu acabei sendo criado basicamente por ela, com raras saídas com meu pai (quando eu era expulso da escola, por exemplo).
Então, de minha mãe herdei o berço; do meu pai, a maldição.
Ai, ai, é isso, encontrar os velhos parentes sempre desperta nossa contestação adolescente. O melhor desses encontros é ver que meus tios maternos (assim como meu pai) já estão chegando nos sessenta anos e não são carecas, usam o cabelo comprido "lisztiano" e são magros. Que ao menos a genética venha a meu favor... (se eu chegar até lá).
16/11/2005
GNOMOS NÃO FUMAM CIGARRO
Fui ver "Manderlay". Uma porra. Eu diria até que Von Trier quase conseguiu destruir tudo de novo que criou em "Dogville". Se o primeiro filme era bastante inovador, tanto na linguagem, na história, quanto na estrutura, esse segundo se tornou chato, repetitivo e falso. Quero dizer, falso "Dogville" já era, um filme cínico pra dedéu, com um dos melhores finais que eu já vi, que concluía de vez que tudo o que fora dito anteriormente era uma grande piada politicamente incorreta. Em Manderlay, já não há mais essa surpresa. O filme acaba sendo de um cinismo previsível, principalmente pelo péssimo, péssimo final. A história é chata, cansativa. Não há os desdobramentos e reviravoltas de caráter que há em "Dogville". E para piorar tudo, Bryce Dallas Howard, a atriz principal, é um horror. Nicole Kidman é uma diva hollywoodiana, que dava um tom totalmente diferente a "Dogville" ao sofrer o filme todo como uma cadela. Fazia parte da graça vê-la pastando. Toda a ironia era mais fina. Agora, essa mocinha nova acredita que está fazendo um dramalhão existencialista, não tem carisma algum para ser uma heroina, você torce mesmo para que ela se ferre. Bem, quem mandou Von Trier ferrar com suas atrizes. Nenhuma consegue fazer mais de um filme com ele.
E haverá um terceiro, não? Eu não vou ver. Aliás, meu conselho para quem gostou de "Dogville" é que nem veja "Manderlay."
No mais, meu feriado foi hardcore e nem "The Laughing Gnome" (Bowie) de trilha conseguiu torná-lo mais leve.
Fui ver "Manderlay". Uma porra. Eu diria até que Von Trier quase conseguiu destruir tudo de novo que criou em "Dogville". Se o primeiro filme era bastante inovador, tanto na linguagem, na história, quanto na estrutura, esse segundo se tornou chato, repetitivo e falso. Quero dizer, falso "Dogville" já era, um filme cínico pra dedéu, com um dos melhores finais que eu já vi, que concluía de vez que tudo o que fora dito anteriormente era uma grande piada politicamente incorreta. Em Manderlay, já não há mais essa surpresa. O filme acaba sendo de um cinismo previsível, principalmente pelo péssimo, péssimo final. A história é chata, cansativa. Não há os desdobramentos e reviravoltas de caráter que há em "Dogville". E para piorar tudo, Bryce Dallas Howard, a atriz principal, é um horror. Nicole Kidman é uma diva hollywoodiana, que dava um tom totalmente diferente a "Dogville" ao sofrer o filme todo como uma cadela. Fazia parte da graça vê-la pastando. Toda a ironia era mais fina. Agora, essa mocinha nova acredita que está fazendo um dramalhão existencialista, não tem carisma algum para ser uma heroina, você torce mesmo para que ela se ferre. Bem, quem mandou Von Trier ferrar com suas atrizes. Nenhuma consegue fazer mais de um filme com ele.
E haverá um terceiro, não? Eu não vou ver. Aliás, meu conselho para quem gostou de "Dogville" é que nem veja "Manderlay."
No mais, meu feriado foi hardcore e nem "The Laughing Gnome" (Bowie) de trilha conseguiu torná-lo mais leve.
12/11/2005
ONDE ESTÁ A FRUTA DA MINHA FEIRA?
Saiu hoje na Folha uma matéria sobre a profusão de "eventos literários no Brasil". Essa coisa de feiras, palestras, debates e Bienais que se alastraram por todo o país. Hoje em dia temos Flip, Flop, Flap, Flup, Flep e Bienal do Oiapoque ao Xuí.
Acho isso positivo. Aumenta a divulgação dos autores, tem-se um maior contato com os leitores, além de dar ao escritor oportunidade de viajar pelo país com despesas pagas. Já cachê é coisa rara. Acredita-se que, como o escritor está divulgando seu livro, não é preciso pagar nada além de passagem e hospedagem (quando pagam). Imagine se os produtores de shows de música pensassem da mesma forma? De qualquer forma, já é alguma coisa, não ajuda ninguém a viver DE literatura, mas ao menos propicia muitos a viver A literatura.
E foi exatamente isso o que eu disse para Julian Fuks, da Folha, por telefone. Ele não deve ter entendido direito, porque o que saiu na matéria foi:
A submissão a esse mercado - os escritores acabam servindo de propagandistas de seus próprios livros- é um assunto que preocupa Nazarian. "Eles perceberam que os autores estão dispostos e que o sistema gera lucros", diz. O curioso, neste caso, é que Nazarian deve grande parte de seu sucesso à Flip, que o revelou como jovem autor em 2003, poucos meses após a publicação de seu primeiro livro.
Desde quando eu me preocupo com os escritores serem propagandistas de seus próprios livros? Acho que eles têm de fazer isso mesmo. Logo eu, que comecei minha carreira numa boy band literária (hahaha, qual é o mal? O que falta nas boys bands é exatamente o literário). E nunca neguei a importância que a Flip teve na minha carreira - também disse isso ao Julian. Se eu não o conhecesse, diria que ele estava sendo maldoso, mas sei que foi apenas equivocado...
A matéria também tem depoimentos de Nelson de Oliveira e Luiz Ruffato.
Agora, eu acho que as feiras literárias também deviam ter pastel... Não, pastel é o que não falta. Devia ter mais caldo... de cana... hahaha.
É com você, Lorena:
Sol, tempo, sapatos, ando com muito cuidado, em salto alto, nesta rua. Feira de rua, minutos finais. A gente toma conta de casa e finge que é muito civilizada. Faz fila, faz coque, coloca tudo em saquinhos plásticos. Tudo muito colorido e perfumado. Pesado e medido. Mas quando o tomate escapa das mãos, quando o molho escorre pela boca, quando chega a hora de digerir, a gente percebe do que somos feitos realmente.
Carne, osso, animais mortos. E nem conseguimos achar macabro. Enrolamos em papel jornal e jogamos no congelador. Me dê mais um pedaço. Seus braços são fortes, seu cutelo é ainda mais, mas são os meus que fazem o serviço, estendendo o dinheiro, pagando o preço. Muito justo. E civilizado. Com sacos plásticos e cabelos em coque.
Uma corrida para vencer a fome. Nela eu acho que meus saltos não combinam. E minhas cicatrizes, na luz do sol, parecem um pedido de desculpas. Minha geladeira está vazia. Não sobrou nem suco de laranja. A feira tem muito mais a derramar na minha vida. Um batalhão, fazendo compras como eu. Quanta fome alimenta este mundo.
Nem só de vodca vive minha embriaguez. Tenho fome, tenho sede, preciso de muito mais. E preciso antes. E durante. Preciso agora. Tenho fome. Pastel. Tomate. Maionese. Fazendo compras embaixo do sol, tenho sede. Água, refrigerante, caldo de cana. Tenho calor. Me dê abrigo.
Sombra para descansar, água para refrescar, estômago cheio. A gente quase acredita que a vida é bela. Quando levanto os olhos, descanso nele. Vendendo peixe, à minha frente, satisfaz todas as minhas necessidades. Faca nas mãos, peixes retalhados, tão bonito, assim, meio oriental. Metade de cima, metade de baixo. Metade pela frente, metade por trás. Agora só preciso de você.
Seus olhos contam uma história, mais bonita quando estão fechados. Pelo sol, e pelo cansaço, deite-se ao meu lado. Contenha a gota que escorre das têmporas, no meu suor, e cai pelo seu peito, liso, sobre os peixes. Terei uma história bonita para contar, quando sair da sombra e for até você.
Meu estômago, na sua barriga, quando me pegar. Assim nossas cicatrizes se entendem. Sua faca me preenche, quando corta o peixe. Abre meu apetite, em cortes transversais. Olhe pra mim. Aqui, do outro lado. Abra seus olhos, orientais.
De "A Morte Sem Nome", claro.
Saiu hoje na Folha uma matéria sobre a profusão de "eventos literários no Brasil". Essa coisa de feiras, palestras, debates e Bienais que se alastraram por todo o país. Hoje em dia temos Flip, Flop, Flap, Flup, Flep e Bienal do Oiapoque ao Xuí.
Acho isso positivo. Aumenta a divulgação dos autores, tem-se um maior contato com os leitores, além de dar ao escritor oportunidade de viajar pelo país com despesas pagas. Já cachê é coisa rara. Acredita-se que, como o escritor está divulgando seu livro, não é preciso pagar nada além de passagem e hospedagem (quando pagam). Imagine se os produtores de shows de música pensassem da mesma forma? De qualquer forma, já é alguma coisa, não ajuda ninguém a viver DE literatura, mas ao menos propicia muitos a viver A literatura.
E foi exatamente isso o que eu disse para Julian Fuks, da Folha, por telefone. Ele não deve ter entendido direito, porque o que saiu na matéria foi:
A submissão a esse mercado - os escritores acabam servindo de propagandistas de seus próprios livros- é um assunto que preocupa Nazarian. "Eles perceberam que os autores estão dispostos e que o sistema gera lucros", diz. O curioso, neste caso, é que Nazarian deve grande parte de seu sucesso à Flip, que o revelou como jovem autor em 2003, poucos meses após a publicação de seu primeiro livro.
Desde quando eu me preocupo com os escritores serem propagandistas de seus próprios livros? Acho que eles têm de fazer isso mesmo. Logo eu, que comecei minha carreira numa boy band literária (hahaha, qual é o mal? O que falta nas boys bands é exatamente o literário). E nunca neguei a importância que a Flip teve na minha carreira - também disse isso ao Julian. Se eu não o conhecesse, diria que ele estava sendo maldoso, mas sei que foi apenas equivocado...
A matéria também tem depoimentos de Nelson de Oliveira e Luiz Ruffato.
Agora, eu acho que as feiras literárias também deviam ter pastel... Não, pastel é o que não falta. Devia ter mais caldo... de cana... hahaha.
É com você, Lorena:
Sol, tempo, sapatos, ando com muito cuidado, em salto alto, nesta rua. Feira de rua, minutos finais. A gente toma conta de casa e finge que é muito civilizada. Faz fila, faz coque, coloca tudo em saquinhos plásticos. Tudo muito colorido e perfumado. Pesado e medido. Mas quando o tomate escapa das mãos, quando o molho escorre pela boca, quando chega a hora de digerir, a gente percebe do que somos feitos realmente.
Carne, osso, animais mortos. E nem conseguimos achar macabro. Enrolamos em papel jornal e jogamos no congelador. Me dê mais um pedaço. Seus braços são fortes, seu cutelo é ainda mais, mas são os meus que fazem o serviço, estendendo o dinheiro, pagando o preço. Muito justo. E civilizado. Com sacos plásticos e cabelos em coque.
Uma corrida para vencer a fome. Nela eu acho que meus saltos não combinam. E minhas cicatrizes, na luz do sol, parecem um pedido de desculpas. Minha geladeira está vazia. Não sobrou nem suco de laranja. A feira tem muito mais a derramar na minha vida. Um batalhão, fazendo compras como eu. Quanta fome alimenta este mundo.
Nem só de vodca vive minha embriaguez. Tenho fome, tenho sede, preciso de muito mais. E preciso antes. E durante. Preciso agora. Tenho fome. Pastel. Tomate. Maionese. Fazendo compras embaixo do sol, tenho sede. Água, refrigerante, caldo de cana. Tenho calor. Me dê abrigo.
Sombra para descansar, água para refrescar, estômago cheio. A gente quase acredita que a vida é bela. Quando levanto os olhos, descanso nele. Vendendo peixe, à minha frente, satisfaz todas as minhas necessidades. Faca nas mãos, peixes retalhados, tão bonito, assim, meio oriental. Metade de cima, metade de baixo. Metade pela frente, metade por trás. Agora só preciso de você.
Seus olhos contam uma história, mais bonita quando estão fechados. Pelo sol, e pelo cansaço, deite-se ao meu lado. Contenha a gota que escorre das têmporas, no meu suor, e cai pelo seu peito, liso, sobre os peixes. Terei uma história bonita para contar, quando sair da sombra e for até você.
Meu estômago, na sua barriga, quando me pegar. Assim nossas cicatrizes se entendem. Sua faca me preenche, quando corta o peixe. Abre meu apetite, em cortes transversais. Olhe pra mim. Aqui, do outro lado. Abra seus olhos, orientais.
De "A Morte Sem Nome", claro.
09/11/2005
MEMÓRIAS FALSAS DE PUTAS TOSCAS
Recebi esta noite por email do (escritor/cineasta chileno) Alberto Fuguet, um artigo sobre "A Verdadeira Identidade de JT LeRoy".
Segundo o escritor Stephen Beachy, JT LeRoy seria a invenção de uma escritora de 39 anos chamada Laura Albert. Ele coloca diversas evidências, a história é bastante complexa, então quem quiser ler, clique aqui:
http://nymetro.com/nymetro/news/people/features/14718/
Realmente faz sentido, mas tem uma coisa estranha nisso tudo. Eu jantei com o "LeRoy", conversei com ele por horas, minha irmã também, várias pessoas da editora também. O tempo todo ele estava SEM óculos e sem peruca. E, de fato, eu não posso ter certeza de que era um homem... podia ser uma menina de uns... doze anos... parecia ser um menino dessa idade. Agora, uma mulher de 39 anos com certeza não era.
Quem era o pitéu? Ou pitéia?
Engraçado que uma coisa dessas só poderia funcionar nos EUA. Aqui no Brasil, teria sido o contrário. Aliás, vou soltar o boato de que os livros da Lya Luft são escritos por uma menina de 25 anos, tatuada e viciada em crack, haha. Claro, do jeito que a cena literária por aqui é preconceituosa, uma menina com esse perfil só poderia emplacar livros se passasse por uma escritora da terceira idade.
Enfim... acho que isso só deixa a história do JT mais interessante. E os livros têm qualidade. Se toda a história por trás é invenção, sinal de ainda mais talento do autor/autora.
"The Heart is Deceiftul Above all Things", segundo romance do LeRoy, traduzido por mim, já foi entregue à editora, mas acho que só sai no começo do ano que vem (provavelmente com o título "Coração Traiçoeiro" ou "Maldito Coração"). Em português vocês já podem encontrar o primeiro, "Sarah", que eu recomendo e que foi traduzido pelo Flávio Moura, que foi meu colega de escola.
Inclusive, encontrei ele e vários outros coleguinhas numa festa de "10 anos de formatura", final de semana passado. Acho que eu fui para me vingar de todo mundo, tipo Carrie, sabe? Mas acabou sendo gostosinho. Você vê aqueles moleques "primeiros do time", que agora estão barrigudos, bebendo cerveja, vivendo "como os nossos pais". Outros que juram que eram "outsiders", mas eram os mais integradinhos do colégio. E geralmente os nerds, creeps e losers (já que estamos nessa realidade bem americana) é que se tornaram as pessoas mais interessantes. Ah, é clichê, previsível, mas uma delícia ver que ainda funciona...
Como uma menina que estudou comigo e que estava lá. Era um canhãozinho, cara de cucaracha, de óculos, a primeira da classe, cdf de quem todo mundo zombava. Hoje em dia soltou os cabelos, tirou os óculos, virou uma latina caliente... com certeza uma das mulheres mais interessantes da festa. Eu, já num estágio avançado de fritura, tive a pachorra de dizer a ela que era um caso de "Betty, a Feia", hahaha. Tudo bem, ela levou na brincadeira. Afinal, não é toda mulher que pode se vangloriar de estar muito melhor aos 28 do que aos 15 anos. Muuuuuuuito melhor...
Eu também acho que estou bem melhor agora do que quando tinha 15. Mas quando tinha 25 estava melhor do que hoje aos 28...
Quem sabe eu não devesse escrever um livro de memórias toscas/sexuais? Posso não ter sido criado num lar destruído, como o (suposto) LeRoy, mas por isso mesmo tive de me esforçar bem mais para sair da casinha e fugir dos eixos. Haha. Com certeza as histórias REAIS que eu teria para contar também dariam um bom filme... de repente um pornô surrealista?
Recebi esta noite por email do (escritor/cineasta chileno) Alberto Fuguet, um artigo sobre "A Verdadeira Identidade de JT LeRoy".
Segundo o escritor Stephen Beachy, JT LeRoy seria a invenção de uma escritora de 39 anos chamada Laura Albert. Ele coloca diversas evidências, a história é bastante complexa, então quem quiser ler, clique aqui:
http://nymetro.com/nymetro/news/people/features/14718/
Realmente faz sentido, mas tem uma coisa estranha nisso tudo. Eu jantei com o "LeRoy", conversei com ele por horas, minha irmã também, várias pessoas da editora também. O tempo todo ele estava SEM óculos e sem peruca. E, de fato, eu não posso ter certeza de que era um homem... podia ser uma menina de uns... doze anos... parecia ser um menino dessa idade. Agora, uma mulher de 39 anos com certeza não era.
Quem era o pitéu? Ou pitéia?
Engraçado que uma coisa dessas só poderia funcionar nos EUA. Aqui no Brasil, teria sido o contrário. Aliás, vou soltar o boato de que os livros da Lya Luft são escritos por uma menina de 25 anos, tatuada e viciada em crack, haha. Claro, do jeito que a cena literária por aqui é preconceituosa, uma menina com esse perfil só poderia emplacar livros se passasse por uma escritora da terceira idade.
Enfim... acho que isso só deixa a história do JT mais interessante. E os livros têm qualidade. Se toda a história por trás é invenção, sinal de ainda mais talento do autor/autora.
"The Heart is Deceiftul Above all Things", segundo romance do LeRoy, traduzido por mim, já foi entregue à editora, mas acho que só sai no começo do ano que vem (provavelmente com o título "Coração Traiçoeiro" ou "Maldito Coração"). Em português vocês já podem encontrar o primeiro, "Sarah", que eu recomendo e que foi traduzido pelo Flávio Moura, que foi meu colega de escola.
Inclusive, encontrei ele e vários outros coleguinhas numa festa de "10 anos de formatura", final de semana passado. Acho que eu fui para me vingar de todo mundo, tipo Carrie, sabe? Mas acabou sendo gostosinho. Você vê aqueles moleques "primeiros do time", que agora estão barrigudos, bebendo cerveja, vivendo "como os nossos pais". Outros que juram que eram "outsiders", mas eram os mais integradinhos do colégio. E geralmente os nerds, creeps e losers (já que estamos nessa realidade bem americana) é que se tornaram as pessoas mais interessantes. Ah, é clichê, previsível, mas uma delícia ver que ainda funciona...
Como uma menina que estudou comigo e que estava lá. Era um canhãozinho, cara de cucaracha, de óculos, a primeira da classe, cdf de quem todo mundo zombava. Hoje em dia soltou os cabelos, tirou os óculos, virou uma latina caliente... com certeza uma das mulheres mais interessantes da festa. Eu, já num estágio avançado de fritura, tive a pachorra de dizer a ela que era um caso de "Betty, a Feia", hahaha. Tudo bem, ela levou na brincadeira. Afinal, não é toda mulher que pode se vangloriar de estar muito melhor aos 28 do que aos 15 anos. Muuuuuuuito melhor...
Eu também acho que estou bem melhor agora do que quando tinha 15. Mas quando tinha 25 estava melhor do que hoje aos 28...
Quem sabe eu não devesse escrever um livro de memórias toscas/sexuais? Posso não ter sido criado num lar destruído, como o (suposto) LeRoy, mas por isso mesmo tive de me esforçar bem mais para sair da casinha e fugir dos eixos. Haha. Com certeza as histórias REAIS que eu teria para contar também dariam um bom filme... de repente um pornô surrealista?
04/11/2005
PRIMOGÊNITOS, PREMIADOS, SUICIDAS E ENCALHADOS.
Agora é tarde, mas como acontece todo ano, fica aqui o aviso. Tirei o texto abaixo do site Paralelos:
[Concursos literários costumam ser uma boa opção para novos escritores que tentam quebrar a barreira do primeiro livro. Principalmente ser o prêmio for a publicação da obra. O Prêmio Sesc de Literatura, em seu terceiro ano, vem se firmando como um forte propulsor literário, já que os vencedores das duas primeiras edições vêm conquistando um ótimo espaço no mercado. “Santo Reis da Luz Divina”, de Marco Aurélio Cremasco, vencedor do ano de 2003, foi um dos dez finalistas do Prêmio Jabuti. “As netas da Ema”, de Eugenia Zerbini, vencedora de 2004, foi lançado na Bienal do Rio em maio e já está na sua segunda edição. As inscrições para a edição de 2005 estão abertas até 31 de outubro e o prêmio é, mais uma vez, a publicação da obra pela Editora Record. O regulamento pode ser encontrado no site www.sesc.com.br. ]
Muita gente me pede dicas para publicar o primeiro livro, então talvez essa seja a melhor. Você já tem uma certa avaliação da qualidade do seu texto, por ele estar competindo com outros. E a Record é uma editora grande, tem boa distribuição, isso ajuda o livro a ter mais repercussão. Foi assim que eu comecei (com o Prêmio Fundação Conrado Wessel - que levou à publicação de "Olívio", pela editora Talento), eu nunca tinha mandado originais para editoras. É bom ficar ligado, porque sempre tem outros concursos pipocando por aí.
Por falar em primeiro livro, o meu continua aqui, encalhado, haha. Sabe como é, primeiro livro, editora pequena ao menos serviu para abrir as portas para meus livros seguintes. E até teve ótimas resenhas na Istoé, TPM e Jornal do Brasil.
Eu acabei recebendo algumas centenas dele para saldar direitos autorais. Então, como sempre, ainda estou vendendo "Olívio" autografado, baratinho, 21 reais, já incluidas as despesar de envio. "A Morte Sem Nome" eu também tenho, mas bem poucos. Posso vender os dois juntos por 40 ("Feriado de Mim Mesmo" só mesmo nas livrarias). Quem quiser, é só me mandar um email (saintdragon@uol.com.br) que eu passo os dados da conta para depósito.
Ultimamente tem surgido bastante gente comentando sobre "Olívio", que nunca foi meu livro favorito. É o de várias pessoas, ainda bem, eu o considero uma boa estréia. Vai um trecho:
Com uma garrafa em mãos, com sorriso em lábios, bateria na porta de Lorena. E sorriria ainda mais alto para que ela sorrisse também. E sorriria ainda mais alto para que ela dissesse sim. Aceitasse o convite. Bebesse com ele. Comemorassem a solidão, gota por gota, beijo por beijo.
Mais uma vez, sorriu na frente do espelho. E achou que o sorriso amarrotava seu colarinho. Trocou de camisa e sorriu novamente, despenteando os cabelos. Deu mais um gole, para ajeitar o sorriso, mas achou seus olhos um pouco perdidos, na frente do espelho, por trás de um sorriso. Deu mais um gole, para ajeitar.
E nada se ajeitava. O ponteiro dos segundos passava por cima do ponteiro dos minutos e empurrava as horas daquela noite, tirando tudo do lugar. Era tarde. Olívio estava cansado. Olhava-se no espelho e só conseguia ver a garrafa. Pensava no esforço que teria de fazer para se arrumar. Arrumar a segunda-feira. Arrumar as palavras certas. Arrumar um amor. Com a garrafa em mãos, suas intenções escorriam pela testa.
Tropeçaria nos degraus. Rolaria escada abaixo. Diria a Lorena tudo o que não deveria dizer nem a si mesmo. Que vergonha. Se pelo menos ajeitasse o sorriso, poderia dizer menos, mas com eficiência. E salvaria sua noite. Salvaria uma morte. Salvaria Lorena, em seus braços. Da solidão.
Não quer comprar?
Agora é tarde, mas como acontece todo ano, fica aqui o aviso. Tirei o texto abaixo do site Paralelos:
[Concursos literários costumam ser uma boa opção para novos escritores que tentam quebrar a barreira do primeiro livro. Principalmente ser o prêmio for a publicação da obra. O Prêmio Sesc de Literatura, em seu terceiro ano, vem se firmando como um forte propulsor literário, já que os vencedores das duas primeiras edições vêm conquistando um ótimo espaço no mercado. “Santo Reis da Luz Divina”, de Marco Aurélio Cremasco, vencedor do ano de 2003, foi um dos dez finalistas do Prêmio Jabuti. “As netas da Ema”, de Eugenia Zerbini, vencedora de 2004, foi lançado na Bienal do Rio em maio e já está na sua segunda edição. As inscrições para a edição de 2005 estão abertas até 31 de outubro e o prêmio é, mais uma vez, a publicação da obra pela Editora Record. O regulamento pode ser encontrado no site www.sesc.com.br. ]
Muita gente me pede dicas para publicar o primeiro livro, então talvez essa seja a melhor. Você já tem uma certa avaliação da qualidade do seu texto, por ele estar competindo com outros. E a Record é uma editora grande, tem boa distribuição, isso ajuda o livro a ter mais repercussão. Foi assim que eu comecei (com o Prêmio Fundação Conrado Wessel - que levou à publicação de "Olívio", pela editora Talento), eu nunca tinha mandado originais para editoras. É bom ficar ligado, porque sempre tem outros concursos pipocando por aí.
Por falar em primeiro livro, o meu continua aqui, encalhado, haha. Sabe como é, primeiro livro, editora pequena ao menos serviu para abrir as portas para meus livros seguintes. E até teve ótimas resenhas na Istoé, TPM e Jornal do Brasil.
Eu acabei recebendo algumas centenas dele para saldar direitos autorais. Então, como sempre, ainda estou vendendo "Olívio" autografado, baratinho, 21 reais, já incluidas as despesar de envio. "A Morte Sem Nome" eu também tenho, mas bem poucos. Posso vender os dois juntos por 40 ("Feriado de Mim Mesmo" só mesmo nas livrarias). Quem quiser, é só me mandar um email (saintdragon@uol.com.br) que eu passo os dados da conta para depósito.
Ultimamente tem surgido bastante gente comentando sobre "Olívio", que nunca foi meu livro favorito. É o de várias pessoas, ainda bem, eu o considero uma boa estréia. Vai um trecho:
Com uma garrafa em mãos, com sorriso em lábios, bateria na porta de Lorena. E sorriria ainda mais alto para que ela sorrisse também. E sorriria ainda mais alto para que ela dissesse sim. Aceitasse o convite. Bebesse com ele. Comemorassem a solidão, gota por gota, beijo por beijo.
Mais uma vez, sorriu na frente do espelho. E achou que o sorriso amarrotava seu colarinho. Trocou de camisa e sorriu novamente, despenteando os cabelos. Deu mais um gole, para ajeitar o sorriso, mas achou seus olhos um pouco perdidos, na frente do espelho, por trás de um sorriso. Deu mais um gole, para ajeitar.
E nada se ajeitava. O ponteiro dos segundos passava por cima do ponteiro dos minutos e empurrava as horas daquela noite, tirando tudo do lugar. Era tarde. Olívio estava cansado. Olhava-se no espelho e só conseguia ver a garrafa. Pensava no esforço que teria de fazer para se arrumar. Arrumar a segunda-feira. Arrumar as palavras certas. Arrumar um amor. Com a garrafa em mãos, suas intenções escorriam pela testa.
Tropeçaria nos degraus. Rolaria escada abaixo. Diria a Lorena tudo o que não deveria dizer nem a si mesmo. Que vergonha. Se pelo menos ajeitasse o sorriso, poderia dizer menos, mas com eficiência. E salvaria sua noite. Salvaria uma morte. Salvaria Lorena, em seus braços. Da solidão.
Não quer comprar?
02/11/2005
O CALDO RALO DA MELANCIA
Amanhã termina a Mostra. Consegui ver filmes divertidos de canibalismo, aborto, pedofilia e putaria.
Ontem fui ver "Nuvens Carregadas", do Tsai Ming-Liang, diretor de Taiwan que é um dos meus favoritos. Seus filmes são extremamente silenciosos, com planos longuíssimos em quadros fixos. Ele estaciona a câmera e deixa a ação acontecer, passar, descansar e só então muda para outro plano.
Há dois anos, vi o filme que considero seu melhor, "Adeus Dragon Inn". É apenas a última sessão de um cinema clássico de Taiwan, que se tornou decadente com o tempo. O que assistimos é um filme sobre pessoas assistindo um filme. Olhamos para uma platéia que olha para nós, num exercício extremo de metalinguagem. O filme também tem planos dentro da sala de projeção, no banheiro do cinema e nos corredores, quase como uma câmera de segurança. E é isso. Duas horas de uma sessão de cinema, que formam a nossa. Genial.
O clima da Mostra tem um pouco disso. É gostoso. As pessoas parecem mais dispostas a conversar umas com as outras, com desconhecidos, comentar dos filmes. Outro dia conversei com um advogado de Fortaleza que estava me comentando sobre isso. Que a Mostra tem um pouco desse ritual, de ver as pessoas, a sala, como nos antigos teatros. É exatamente isso que Tsai Ming-Liang tentou resgatar em "Adeus Dragon Inn".
Entretanto, "Nuvens Carregadas" vai numa direção bem diferente. Conta a história de uma seca em Taiwan, que faz com que as autoridades recomendem à população beber apenas suco de melancia, para economizar água. Nesse contexto, um casal se conhece e passa a dividir seus "fluídos". Ela só não sabe que ele é ator pornô.
Ao contrário dos outros filmes de Tsai-Ming Liang - que se passam sempre debaixo de uma chuva severa, mas são bem mais secos no tom – "Nuvens Carregadas" é uma comédia, muitas vezes caindo no besteirol, o que me faz considerar esse seu pior filme, ainda que seja divertido. Há diversos números com figurinos e coreografias extremamente kitsch, coisa que eu gosto; mas ele já havia feito isso em seu filme "O Buraco", que é mais denso, mais sério e que tira melhor proveito das músicas para romper com a aridez da narrativa.
Ainda assim, eu daria nota 7, pois é bom ver que ele não se leva tão a sério e é capaz de fazer auto-paródia.
Para terminar, dei uma entrevista para o site do Eric Novello. Foi centrada no mercado literário atual e na relação com outras artes, não nos meus livros, o que achei positivo. Um trecho:
Acho que há mais espaço, tanto físico quanto midiático, para o escritor brasileiro do que demanda. Quero dizer, cada vez mais se vê discussões sobre literatura, escritores na mídia, eventos sobre o tema, mas isso não é acompanhado do crescimento no número de leitores, pelo menos não na mesma base. Então é natural que não haja espaço para a literatura brasileira nas livrarias. As pessoas não estão comprando. E, ao meu ver, isso não é culpa do governo, do preço do livro, nem de coisa alguma, é reflexo simplesmente dos tempos, das pessoas não terem tempo, disposição e hábito de ler.
Vocês podem ler a entrevista completa aqui: http://www.ericnovello.com.br/entrevistas_santiago.php
Valeu.
Amanhã termina a Mostra. Consegui ver filmes divertidos de canibalismo, aborto, pedofilia e putaria.
Ontem fui ver "Nuvens Carregadas", do Tsai Ming-Liang, diretor de Taiwan que é um dos meus favoritos. Seus filmes são extremamente silenciosos, com planos longuíssimos em quadros fixos. Ele estaciona a câmera e deixa a ação acontecer, passar, descansar e só então muda para outro plano.
Há dois anos, vi o filme que considero seu melhor, "Adeus Dragon Inn". É apenas a última sessão de um cinema clássico de Taiwan, que se tornou decadente com o tempo. O que assistimos é um filme sobre pessoas assistindo um filme. Olhamos para uma platéia que olha para nós, num exercício extremo de metalinguagem. O filme também tem planos dentro da sala de projeção, no banheiro do cinema e nos corredores, quase como uma câmera de segurança. E é isso. Duas horas de uma sessão de cinema, que formam a nossa. Genial.
O clima da Mostra tem um pouco disso. É gostoso. As pessoas parecem mais dispostas a conversar umas com as outras, com desconhecidos, comentar dos filmes. Outro dia conversei com um advogado de Fortaleza que estava me comentando sobre isso. Que a Mostra tem um pouco desse ritual, de ver as pessoas, a sala, como nos antigos teatros. É exatamente isso que Tsai Ming-Liang tentou resgatar em "Adeus Dragon Inn".
Entretanto, "Nuvens Carregadas" vai numa direção bem diferente. Conta a história de uma seca em Taiwan, que faz com que as autoridades recomendem à população beber apenas suco de melancia, para economizar água. Nesse contexto, um casal se conhece e passa a dividir seus "fluídos". Ela só não sabe que ele é ator pornô.
Ao contrário dos outros filmes de Tsai-Ming Liang - que se passam sempre debaixo de uma chuva severa, mas são bem mais secos no tom – "Nuvens Carregadas" é uma comédia, muitas vezes caindo no besteirol, o que me faz considerar esse seu pior filme, ainda que seja divertido. Há diversos números com figurinos e coreografias extremamente kitsch, coisa que eu gosto; mas ele já havia feito isso em seu filme "O Buraco", que é mais denso, mais sério e que tira melhor proveito das músicas para romper com a aridez da narrativa.
Ainda assim, eu daria nota 7, pois é bom ver que ele não se leva tão a sério e é capaz de fazer auto-paródia.
Para terminar, dei uma entrevista para o site do Eric Novello. Foi centrada no mercado literário atual e na relação com outras artes, não nos meus livros, o que achei positivo. Um trecho:
Acho que há mais espaço, tanto físico quanto midiático, para o escritor brasileiro do que demanda. Quero dizer, cada vez mais se vê discussões sobre literatura, escritores na mídia, eventos sobre o tema, mas isso não é acompanhado do crescimento no número de leitores, pelo menos não na mesma base. Então é natural que não haja espaço para a literatura brasileira nas livrarias. As pessoas não estão comprando. E, ao meu ver, isso não é culpa do governo, do preço do livro, nem de coisa alguma, é reflexo simplesmente dos tempos, das pessoas não terem tempo, disposição e hábito de ler.
Vocês podem ler a entrevista completa aqui: http://www.ericnovello.com.br/entrevistas_santiago.php
Valeu.
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