19/11/2005

ARANHA GOSPEL E BICHO GÓTICO

Hoje fui num encontro da família Gasparian. Meu avô era Nazarian. Minha avó, Gasparian. Em geral, todos os "ian" são de origem armênia. É um sufixo que indica exatamente a descendência, "derivado de algo" ou "filho de", como o "son", em inglês (Wilson), "nen" em finlandês (Kastinen), "sem" em sueco e por aí vai.

Pois bem, o encontro dos Gasparian e derivados aconteceu num hotel chicoso em São Paulo, com um bom almoço e aquele papo aranha de família que não se conhece. Bom ver que o filtro das gerações conseguiu afastar o fenótipo armênio e que os Gasparian/Nazarian mais novos são todos bonitinhos. Eu inclusive tenho uma prima que é a cara da Cher (aha, isso é um elogio, e a Cher também é descendente de armênios).

Mas nesses encontros, sempre fico me achando um animal exótico. Me sentei na mesa dos "jovens" com minhas madeixas e tatuagens e logo um deles começou um papo:

- Você é gótico?
- É... pode-se dizer que tenho umas raízes góticas, sim.
- Eu sou gospel.

E entrou naquela de Jesus e inferno e sei lá o quê. Era um primo de um primo de um sobrinho de um tio meu, algo assim, mais novo do que eu. Por sorte, ele tinha uma irmã (ou prima) bem mais interessante, que disse que fazia São Francisco, mas adorava literatura. Para provocar, comentei com ela sobre a "tradição gótica" da São Francisco, berço do romantismo no Brasil, com os poetas que estudavam lá e morriam de tuberculose, Álvares de Azevedo e a patota. E realmente acho que, para quem quer ser escritor, a Faculdade de Direito do Largo São Francisco é melhor do que a Letras na USP (onde cheguei a entrar).

Enfim, o almoço foi esquisito e eu saí me sentindo mais gótico, embora não tenha mais idade para isso. Fui porque minha avó insistiu e ela mesma não foi, com problemas de saúde. Minha avó é uma mulher estranha. Gosto dela, mas não posso levá-la a sério. Ela solta pérolas como "ninguém pode dizer que sou racista porque todos os meus criados são de cor". Parou de comprar a revistas Caras (sua favorita) porque tinha muito comercial de lingerie. Sobre minhas "histórias bizarras", ela finge não saber. Mas sei que ela já catou, por acaso, algumas entrevistas minhas na TV (piores do que as do Jô), depois deletou do HD mental tudo o que eu disse.

Por sorte, minha mãe conseguiu fugir disso tudo (literalmente). Ela foi criada nessa família armênia, rica, tradicional, que obviamente não aprovava o namoro dela com um artista plástico malucão, já divorciado e não-armênio. No seu aniversário de 21 anos, ela fugiu de casa para morar com ele, meu pai. Depois, eu acabei sendo criado basicamente por ela, com raras saídas com meu pai (quando eu era expulso da escola, por exemplo).

Então, de minha mãe herdei o berço; do meu pai, a maldição.

Ai, ai, é isso, encontrar os velhos parentes sempre desperta nossa contestação adolescente. O melhor desses encontros é ver que meus tios maternos (assim como meu pai) já estão chegando nos sessenta anos e não são carecas, usam o cabelo comprido "lisztiano" e são magros. Que ao menos a genética venha a meu favor... (se eu chegar até lá).

MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...