12/11/2005

ONDE ESTÁ A FRUTA DA MINHA FEIRA?

Saiu hoje na Folha uma matéria sobre a profusão de "eventos literários no Brasil". Essa coisa de feiras, palestras, debates e Bienais que se alastraram por todo o país. Hoje em dia temos Flip, Flop, Flap, Flup, Flep e Bienal do Oiapoque ao Xuí.

Acho isso positivo. Aumenta a divulgação dos autores, tem-se um maior contato com os leitores, além de dar ao escritor oportunidade de viajar pelo país com despesas pagas. Já cachê é coisa rara. Acredita-se que, como o escritor está divulgando seu livro, não é preciso pagar nada além de passagem e hospedagem (quando pagam). Imagine se os produtores de shows de música pensassem da mesma forma? De qualquer forma, já é alguma coisa, não ajuda ninguém a viver DE literatura, mas ao menos propicia muitos a viver A literatura.

E foi exatamente isso o que eu disse para Julian Fuks, da Folha, por telefone. Ele não deve ter entendido direito, porque o que saiu na matéria foi:

A submissão a esse mercado - os escritores acabam servindo de propagandistas de seus próprios livros- é um assunto que preocupa Nazarian. "Eles perceberam que os autores estão dispostos e que o sistema gera lucros", diz. O curioso, neste caso, é que Nazarian deve grande parte de seu sucesso à Flip, que o revelou como jovem autor em 2003, poucos meses após a publicação de seu primeiro livro.

Desde quando eu me preocupo com os escritores serem propagandistas de seus próprios livros? Acho que eles têm de fazer isso mesmo. Logo eu, que comecei minha carreira numa boy band literária (hahaha, qual é o mal? O que falta nas boys bands é exatamente o literário). E nunca neguei a importância que a Flip teve na minha carreira - também disse isso ao Julian. Se eu não o conhecesse, diria que ele estava sendo maldoso, mas sei que foi apenas equivocado...

A matéria também tem depoimentos de Nelson de Oliveira e Luiz Ruffato.

Agora, eu acho que as feiras literárias também deviam ter pastel... Não, pastel é o que não falta. Devia ter mais caldo... de cana... hahaha.

É com você, Lorena:

Sol, tempo, sapatos, ando com muito cuidado, em salto alto, nesta rua. Feira de rua, minutos finais. A gente toma conta de casa e finge que é muito civilizada. Faz fila, faz coque, coloca tudo em saquinhos plásticos. Tudo muito colorido e perfumado. Pesado e medido. Mas quando o tomate escapa das mãos, quando o molho escorre pela boca, quando chega a hora de digerir, a gente percebe do que somos feitos realmente.

Carne, osso, animais mortos. E nem conseguimos achar macabro. Enrolamos em papel jornal e jogamos no congelador. Me dê mais um pedaço. Seus braços são fortes, seu cutelo é ainda mais, mas são os meus que fazem o serviço, estendendo o dinheiro, pagando o preço. Muito justo. E civilizado. Com sacos plásticos e cabelos em coque.

Uma corrida para vencer a fome. Nela eu acho que meus saltos não combinam. E minhas cicatrizes, na luz do sol, parecem um pedido de desculpas. Minha geladeira está vazia. Não sobrou nem suco de laranja. A feira tem muito mais a derramar na minha vida. Um batalhão, fazendo compras como eu. Quanta fome alimenta este mundo.

Nem só de vodca vive minha embriaguez. Tenho fome, tenho sede, preciso de muito mais. E preciso antes. E durante. Preciso agora. Tenho fome. Pastel. Tomate. Maionese. Fazendo compras embaixo do sol, tenho sede. Água, refrigerante, caldo de cana. Tenho calor. Me dê abrigo.

Sombra para descansar, água para refrescar, estômago cheio. A gente quase acredita que a vida é bela. Quando levanto os olhos, descanso nele. Vendendo peixe, à minha frente, satisfaz todas as minhas necessidades. Faca nas mãos, peixes retalhados, tão bonito, assim, meio oriental. Metade de cima, metade de baixo. Metade pela frente, metade por trás. Agora só preciso de você.

Seus olhos contam uma história, mais bonita quando estão fechados. Pelo sol, e pelo cansaço, deite-se ao meu lado. Contenha a gota que escorre das têmporas, no meu suor, e cai pelo seu peito, liso, sobre os peixes. Terei uma história bonita para contar, quando sair da sombra e for até você.

Meu estômago, na sua barriga, quando me pegar. Assim nossas cicatrizes se entendem. Sua faca me preenche, quando corta o peixe. Abre meu apetite, em cortes transversais. Olhe pra mim. Aqui, do outro lado. Abra seus olhos, orientais.

De "A Morte Sem Nome", claro.

NESTE SÁBADO!