Pra lá de Bogotá.
E lá se foi nossa linda experiência em Bogotá...
Cheguei agora, nesta terça, do “Bogotá 39”, festival de literatura organizado pelo Hay Festival (do País de Gales) que reuniu “39 dos melhores escritores latino americanos com menos de 39 anos” (segundo eleição promovida por eles), na capital colombiana.
Não sei exatamente onde eu me encaixava na seleção, já que não tenho nada de chachachá (hohoho), mas o evento não poderia ter sido melhor, com certeza o melhor evento literário que já vi, que já fui, de que já soube. Tudo deu certo, todos se deram bem, e as pessoas estavam interessadas, e a divulgação foi incrível e todas as mesas estavam cheias.
Luz Mary Giraldo (moderadora), Nazarian, um leitor colombiano, Santiago Rongagliolo (Perú), Álvaro Bisama (Chile) e Ricardo Silva (Colômbia), antes de uma mesa no colégio americano Abraham Lincoln.
Foi uma maratona. Acordávamos cedinho de manhã e voltávamos tarde da noite. Passávamos o dia em debates em escolas, universidades, bibliotecas, livrarias. Entre os debates, dávamos entrevistas, tínhamos encontros com editores, com a Secretária de Cultura e passávamos horas nas vans que nos transportavam por todos os cantos da ciudad.
As ninfetas de Abraham Lincoln.
Havia cartazes do festival por toda Bogotá. E o evento teve cobertura intensa da imprensa, jornal, televisão. Depois das mesas, éramos cercados por crianças e adolescentes que queriam pegar autógrafos e tirar fotos. Nos tornamos algo como celebridades internacionais em Bogotá, no final eu até já estava sendo reconhecido pelas ruas.
Una pechuga embarazada
és demasiado escalofriante
Esso me hay dito Calamar,
nuestro hermoso presidente.
Aburrido, me recorde
de los consejos de mi grillo parlante:
Qui a tiburones, caimanes y perros calientes
non se de deve nunca mirar a los dientes.
Balas perdidas colombianas.
Também dei minha esticadinha para a noite, claro. Além dos jantares organizados para o festival, conheci o Theatron, uma balada enoooooooooooooooorme num antigo teatro, com várias pistas diferentes, bebida barata e gente lindíssima.
Prato típico: Ajiaco (sopa com frango, batata, abacate, creme de leite, arroz, alcaparras e milho)
Aliás, devo falar que me apaixonei pelos colombianos. Além de bonitos, lá é moda os meninos usarem cabelo comprido. Hum...
Voltei para casa com uma pilha de livros de vários dos escritores de lá. Só o festival em si já rendeu 3 textos meus publicados em revistas colombianas e numa antologia que reuniu os 39 escritores (e que está na vitrine de todas as livrarias por lá).
O que mais? Tanto que nem sei mais o que colocar aqui... Volto com mais consciência do meu lugar na América Latina, com uma visão mais próxima de todos os seus países e com saudades de amigos e colegas que espero ainda rever várias vezes, pelo mundo a fora.
Assim você fica por aqui até eu voltar, não?
Dois primos paravam à margem do rio. Quatorze e treze anos. Deviam ter nomes tolos de meninos - Ricardo, Gustavo - para se chamarem de Cadú e Guto. Garotos. Diminuíam um ao outro. Mas esticavam braços e pernas para dentro d’água. Para ver se estava fria. Se estava quente.
Não entravam, indecisos. Brincavam, precavidos, agitando a água, sentindo a temperatura, fingindo se preparar para mergulhar. Mergulharam tantas vezes, tantas outras, tantas antes, sem nem mesmo colocar um dedo, sem nem mesmo se importar com os graus. O calor já estava neles. E sempre havia um bom motivo para afundar, refrescar, fugir do arrepio dos mosquitos.
O mais novo sabia do que tinha medo: piranhas. Dentinhos afiados trabalhando em conjunto, consumindo tudo o que ele insistisse em afundar. Ele era mais novo, mas tinha mais carne. Era mais branco, serviria de isca. Como boi de piranha, seria devorado por elas, enquanto seu primo... seu primo cruzaria à salvo. Bastava um ferimento aberto. Bastava um sangramento mínimo. Um corte quase imperceptível, elas perceberiam. Devorariam o garoto no rio em que já nadara menino.
O mais velho tinha medo de outra coisa: doenças. Nadara entre piranhas - e as pescara - na ponta de sua vara, sabia que elas não lhe fariam mal. Ele era magro. Era moreno. Elas se assustariam com suas braços e pernadas. O perigo permaneceria imperceptível. Caramujos, platelmintos. Animais minúsculos que se alimentariam da sua puberdade, avançariam antes dele completar quinze. Comeriam suas entranhas, não deixariam nada para as piranhas.