Bozo says: "E aí, amiguinho, quer a cobrinha verde, a amarela ou a malhada?"
Na minha atual busca pela santidade, comecei cortando a carne (inclusive branca), depois o sexo, o álcool, as drogas, as baladas, e agora resolvi acordar às... SEIS DA MANHÃ!!!
Mas isso está difícil.
É que estou num estágio/laboratório com sétimas e oitavas séries (13 e 14 anos) da minha antiga escola, para meu livro novo. Assisto as aulas com eles, converso, faço entrevistas, e basicamente observo a vida selvagem como as lentes do National Geographic Channel.
(Aliás, outro dia estava revendo um documentário de um cara que procurava os maiores crocodilos do mundo. E ele tinha a melhor técnica para medi-los: fotografava, esperava o bicho sair do lugar, depois ia até o local, se deitava na mesma posição que os bichos e tirava outra foto. Assim, comparando seu comprimento com os dos bichos, podia ter o tamanho exato sem tocar no animal. Esse sim é um método saudável de medição, sem estresse para o bichol. Acho tão hipócrita os pesquisadores que fazem questão de manusear para mostrar o tamanho, o comportamento... De qualquer forma, no final do documentário o cara faz uma JAULA para tentar capturar um crocodilo, daí fode tudo).
Mas voltando aos mamíferos...
Acho bem babaca essas pesquisas e análises de "vamos ver o que a juventude de hoje pensa", como se fossem seres de outro planeta. Na verdade, minha intenção com o laboratório nem é tanto me ATUALIZAR sobre a adolescência/puberdade, é mais rever velhos conceitos, perceber o que permanece, identificar os tipos...
E é tão claro. Ao se entrar na classe você já nota quem é o fodão, quem é o deslocado, quem são as patricinhas, quem é a CDF... Depois eu converso com eles e peço para que façam uma auto-avaliação, como se vêem dentro do grupo, como vêem os colegas, etc. Eles são divertidíssimos e queridos. Mas eu não agüentaria essa rotina muito tempo....
No meu tempo, eu detestava a escola. Não era um aluno popular, não tinha ótimas notas, era dos vagais freaks, góticos, mas não era perseguido, e conseguia passar com uns 7... 8. Lembro que eu fui o primeiro aluno a usar piercing naquela escola. Hoje em dia, até as professoras têm.
Também tem sido legal observar os professores, me colocar um pouco mais do lado deles, estudar como se dá essa passagem, de antigos alunos para atuais professores. É uma vida selvagem, de fato.Ainda não sei como isso vai entrar objetivamente no meu livro novo (que já está bem avançado), é só uma maneira de ter novas idéias, de aprofundar um pouco mais os personagens que já criei etc. E a experiência talvez renda também um texto para alguma revista, ainda estou pensando...
O mais divertido até agora foi participar com eles de uma "oficina de contos de suspense". Aliás, foi minha primeira aula. Eles têm idéias ÓOOOOOOOOOOOOOTIMAS, eu diria que são mais criativos do que quase todos os "jovens escritores" que estão publicando por aí (isso para nem mencionar os velhos...). Oh, o que estraga é quando queremos passar por "escritores de respeito", não?
Outra aula divertida foi hoje, quando abriram um peixe em Ciências (inclusive com minha antiga professora; é a mesma). Veja só, toda minha poesia derramada em sala de aula...
E acredita que na primeira mesa em que sentei, encontrei a edição de "O Senhor das Moscas" para a qual fiz a apresentação, com meu nome na capa? Eles estão lendo para a escola. E tem tudo a ver. Tudo a ver com eles, tudo a ver com meu livro novo (inclusive faço uma citação ao "Senhor" no meu romance, sim). Então reli minha apresentação, porque tinha certas dúvidas quanto a ela... Mas até que gostei. Coloco o texto mais abaixo.
E nesse clima de "volta à infância perdida", fui também ao Instituto Butantã, gravar uma entrevista. Ahhhh, as cobras continuam tão bonitinhas. Estavam excepcionalmente ativas naquele dia, tinha até uma cascavel que ficou me paquerando. "O chocalho chocante de Charonne chacoalha."
Vai aí o "Senhor das Moscas".
A Força, a Inteligência e o Carisma
O paraíso perdido, a volta às origens, o fim da civilização. Histórias de náufragos sempre trazem temas como esses e mexem com imagens do inconsciente coletivo. Parece que a idéia de se encontrar perdido numa ilha deserta já está dentro de nós, muito antes de tomarmos conhecimento de Robinson Crusoé ou pegarmos “A Lagoa Azul” numa sessão da tarde (bem, agora as novas gerações têm ainda a série “Lost”, não é?). Quando William Golding pisou nesse terreno, em 1953, já não era algo novo na ficção, ainda assim, ele conseguiu lidar com todo o simbolismo da trama de naufrágio e levá-la a uma dimensão psicológica a que poucos chegaram.
O paraíso perdido, a volta às origens, o fim da civilização. Histórias de náufragos sempre trazem temas como esses e mexem com imagens do inconsciente coletivo. Parece que a idéia de se encontrar perdido numa ilha deserta já está dentro de nós, muito antes de tomarmos conhecimento de Robinson Crusoé ou pegarmos “A Lagoa Azul” numa sessão da tarde (bem, agora as novas gerações têm ainda a série “Lost”, não é?). Quando William Golding pisou nesse terreno, em 1953, já não era algo novo na ficção, ainda assim, ele conseguiu lidar com todo o simbolismo da trama de naufrágio e levá-la a uma dimensão psicológica a que poucos chegaram.
Não estamos sozinhos. Essa seria a grande mensagem por trás de “O Senhor das Moscas”, com todas suas implicações. Através do isolamento numa ilha, um grupo de meninos tem a dura tarefa de aceitar que, de fato, eles são um grupo. De que existe sim o outro e que esse também pode ser visto como o invasor, o “bicho”, aquele que vem de fora para limitar suas liberdades e testar suas selvagerias. Por tudo isso, “O Senhor das Moscas” é afinal um romance interno, um thriller psicológico, onde o cenário é apenas um palco, convidando a natureza humana a se manifestar plenamente. No atual momento em que vivemos - do isolamento do indivíduo na metrópole, de rompimento das relações tradicionais entre as pessoas – é especialmente interessante ver a questão do individualismo levada de volta às origens. Parece que tudo mudou e, ainda assim, nada é diferente. Nos faz pensar como a natureza humana pode se manifestar de forma semelhante, em situações tão diversas.
Em “O Senhor das Moscas”, essa natureza é dividida em três conceitos- a força, o carisma e a inteligência - representados respectivamente por três personagens - Jack, Ralph e Porquinho. Existe ainda um quarto personagem que seria a junção desses três aspectos anteriores, e que poderíamos chamar de “o gênio”, e é exatamente esse que pôde trazer o título do romance. Na dramatização da natureza humana, esses personagens-conceito se alternam e medem seus poderes. Caminham para a destruição mútua ou a harmonia? Conseguem viver isolados, precisam de cooperação ou um acaba se sobrepondo aos demais? São essas as perguntas propostas ao decorrer de “O Senhor das Moscas”. E a pergunta pessoal que eu, durante a leitura, muitas vezes me fiz é “com quem está a minha concha”? Qual desses três personagens tem a voz ativa em minhas próprias ações, qual deles eu estou disposto a ouvir?
Cá entre nós, confesso que ao ler o livro a maior vontade que tive foi quebrar os óculos de Porquinho e tirar de vez ele do páreo (Hahá). Será essa uma demonstração da minha grande falha de caráter? Será que o autor, como artista, realmente não favoreceu o personagem da beleza/carisma? Ou será que parte da beleza da obra está aí, em dar o leitor a possibilidade de escolher seu próprio herói?
Isso é você quem vai descobrir, ao fazer sua escolha. Cada um poderá decidir se o melhor é se isolar por proteção, curtir a natureza ou colocar fogo na floresta. Uma coisa eu tenho certeza, você vai adorar se perder com esses personagens. Vai querer passar mais tempo com eles, assim como eu quis. E é isso o que uma boa leitura pode proporcionar de mais gostoso - ainda que, provavelmente, “O Senhor das Moscas” será o último livro que você vai querer levar para uma ilha deserta.
O que estou ouvindo?
O de sempre.