31/05/2009

ESSENCIAL



Toda vez que vou ver Denise Stoklos no teatro eu penso: isso não vai dar certo. Ela entra no palco, começa a neurose e eu fico tentando lembrar e reafirmar para mim mesmo por que ela é minha Deusa e o que seu teatro tem de tão essencial...

Toda vez quando a peça termina, eu já sei.

Denise Stoklos trabalha como ninguém a poética do exagero, da neurose, a repetição e a recontextualização, porém no contexto mais minimalista. É só ela e o texto. Ator e texto. E deve dizer tanto aos atores (eu não sei, porque nunca fui um) quanto aos escritores. A mim me diz. É muito trabalho de texto (dela própria). Você vê o texto sendo escrito, sendo retrabalhado, o ator (a atriz) está lá para materializá-lo.

Isso também é literatura.

E isso é totalmente teatro.

Ver artistas como ela me motiva (e me inspira) mais como escritor do que ler quase tudo o que está por aí em livro. Me motiva a escrever livros e me dá (obviamente) vontade de escrever peças. (Mas me dá certo receio porque percebo que, em teatro, ainda estou longe, longe, tão longe de materializar...)

Enfim, é algo meio contraditório.

Na peça que fui ver hoje, me incomodou um pouco foi a platéia. Acho que o pior do teatro é a platéia. Acho que é a platéia que acaba afastando o público e faz com que as pessoas em geral tenham medo do teatro. Tipo, a platéia está assistindo, mas sabe que também está sendo assistida. Sabe que o ator está lá ao vivo e que precisa dar uma resposta para ele,; então risadas mais altas, respostas pronunciadas. Odeio essa coisa de público de teatro que acha que tem de rir alto de qualquer gracinha que o ator faz só para deixar claro para que achou engraçado...

Enfim, neurose.

Denise é uma Deusa para mim. E já tentei me aproximar dela. Acho que fiz mal. Já mandei flores. Já mandei email. Já entreguei a linda edição portuguesa de "A Morte Sem Nome" (nas mãos de uma produtora). Ela nunca me respondeu. Ela nunca me deu atenção. Ela sempre me desprezou, cuspiu no meu amor, não quis me dar nem um autografozinho depois do espetáculo. Tudo bem. Por que a gente acha que um artista deveria dar mais pra gente do que a gente já recebe? Por que a gente não se satisfaz e não acha que a arte é o suficiente? Para mim é o bastante.

Sinéad O'Connor (que também é uma Deusa) certa vez colocou no seu site: "Se você gosta realmente de um artista, aconselho que nunca tente falar com ele. Recomendo até que, se encontrá-lo na rua, atravesse para o outro lado, não olhe nem em seu olho..." Ou algo assim.

Será que precisamos chegar a tanto?

Mas enfim, Denise sempre reafirma para mim que - mais do que caráter, mais do que humildade, mais do que simpatia e acessibilidade - o que importa num artista é só sua arte. E isso mais do que basta.

Quando crescer, quero ser igual a ela. Por enquanto, ainda sou super fofo.

(Haha.)

Serviço: Denise Stoklos está apresentando "Calendário da Pedra", peça de seu repertório permanente, na Funarte (Al Nothman, 1058). Fica em cartaz só até o próximo final de semana (sexta e sábado, 21h; domingo, 20h), e está baratinho: R$ 10. Recomendo chegar uns 40 minutos antes, porque hoje lotou.

29/05/2009

ERIKA LADO A LADO

Erika e eu, 30 minutos atrás.


Acabei de dar uma entrevista bem bacana para Erika Palomino na Casa de Criadores.


Ela está fazendo um programinha para o site do evento, pegando estilistas, fashionistas, e gente estrambólica como eu.

Erika é sempre super querida. E a conversa rendeu bem; falamos do livro novo, moda, Neil Gaiman, meu método de trabalho, a imagem do escritor no Brasil, traduções e Tetris!

Dependendo de quanto você estiver lendo isso aqui, já dá para assistir.

26/05/2009

POÉTICA DO EXAGERO


Está chegando, está chegando. O livro já está revisado, diagramado, capa e ilustrações prontas. Agora é imprimir.

- O Prédio, o Tédio e o Menino Cego começou a ser escrito na virada do dias das crianças para uma sexta-feira 13, em 2006. Terminei de mexer no texto este ano, após muitas idas e vindas e troca de editora.

- O livro sai em julho. Agora sai mesmo. Mas ainda preciso pensar sobre o evento de lançamento... É algo que me chateia um pouco...

- Sairá com 343 páginas divididas em 21 capítulos, divididos em 3 partes. (7 capítulos em cada parte, para quem não é bom em matemática.)

- Cada parte é separada por uma ilustração “em torre” e cada capítulo tem uma pequena vinheta do (ilustrador) Alexandre Matos.

- Apesar da narrativa ser essencialmente linear, há alguns flashbacks e histórias dentro da história. Num dos capítulos, por exemplo, um dos meninos conta três fábulas (de três páginas cada) que serão revistas num contexto mais “realista” dentro do próprio livro, constatando que aquelas fábulas de fato aconteceram, mas de forma um pouco diferente da que foram relatadas.

- Sim, é um livro bastante excessivo. Não sou artista de concisão ou economia. O que me interessa é a poética do exagero.

- O livro não tem um protagonista, mas sete, sete meninos: um gordo, um negro, um andrógino, um atleta, um cego, um narciso e um junkie. O “menino cego” do título não é o principal, nem se refere exclusivamente a esse personagem, é mais um conceito em si.

- Apesar dos sete protagonistas, e dos sete capítulos de cada parte, cada capítulo não é dedicado exatamente a cada personagem. Ou melhor, é, mas brinco um pouco com essa estrutura, de forma que não fica tão rígida.

- Tem até dois capítulos inteiros no livro em que nenhum dos meninos aparece e praticamente não têm personagem algum.

- Os meninos também são mais símbolos do que seres objetivos. A própria idade deles não é definida, oscila entre algo como 12 e 16 anos.
- A cidade em que se passa a história também não é definida (como em todos meus outros livros). É uma cidade litorânea, um pouco baseada em Santos, mas lá também neva.

- O livro faz referência a várias de minhas obras anteriores, e alguns personagens fazem pequenas aparições, como Miguel (de “Feriado de Mim Mesmo”) e Artur Alvin (de “Mastigando Humanos”).

- Sim, Thomas Schimidt está no livro.

- O livro não tem animais falantes, não, mas tem um homem caranguejo e uma mulher que vira urso polar.

- (A mulher urso polar é tanto referência a um clipe da Björk quanto àquele filme pedofílico da Xuxa, Amor Estranho Amor).

- Minha maior intenção ao fazer o livro era criar personagens e uma história que o leitor realmente quisesse acompanhar, que quisesse saber o que iria acontecer em seguida, sentisse falta dos personagens e saudades quando o livro acabasse. Essa são as melhores sensações que tive ao ler um livro – e que podem se comparar a seguir uma novela, um seriado, qual obra que exija algumas, ou várias, noites para ser completada – e eu me esforcei para trazer isso ao livro.

- Se eu consegui, é você quem vai dizer.

22/05/2009

INCLUSÃO DIGITAL

Antônia, aqui em casa com Alceu.


Fiquei trabalhando hoje aqui o dia todo com minha faxineira assobiando uma música famíliar nos meus ouvidos...

"Tu vens... Tu vens..."

Que é isso mesmo? Pergunto eu.

"Não sei. Queria saber, tão bonita essa música... Vou ter de ir lá na loja de disco cantar pro vendedor."

Acho que é Alceu Valença.

"Seu Valença? Não é Zé Ramalho?"

Google: "Alceu Valença"+ "Tu Vens". Resposta: Anunciação, Alceu Valença.

"Anota pra mim?"

Soulseek + Nero. Em cinco minutos a música estava gravada em cd. Presente para Antônia.

"Que maravilha. Olha, não precisa nem me pagar semana que vem..."

Mais uma brasileira conhece as maravilhas da inclusão digital.

E uma venda a menos para Seu Alceu. Sorry...

(O problema agora é tirar essa porra da cabeça "Tu Vens... Tu Vens...")

21/05/2009

Recebi hoje o PDF do meu livro novo diagramado...

Deu 343 páginas, tamanho bom. Agora é a última olhada e... gráfica!

O lançamento: Falei junho? Junho/julho, ok? Junho/julho... começo de julho... Mas ainda estou pensando na (e "se") noite de autógrafos... "se" noite de autógrafos... Você faz questão? Não prefere comprar em silêncio, ler sozinho e manchar as páginas em seu próprio colchão?

O livro começa assim:

O menino emergiu do quarto como um inseto envenenado. Segurando-se nos móveis, nas paredes, apoiando-se no batente, chegou até a sala tentando reconhecer o tempo e o espaço em que caminhava, desequilibrava. O prédio estava inclinado. Mas a isso ele já estava acostumado. O problema era o horário em que dormira, o horário em que acordara, com uma luz indecisa alaranjando a janela. Final da tarde ou começo do dia? Sempre era difícil se situar, quando dormia fora do horário...

O prédio estava inclinado. Mas a isso ele já estava acostumado. O problema era o horário em que dormira, o horário em que acordara, fora de hora. Isso acontecia cada vez com mais freqüência, agora que ele não tinha aulas. O menino ficava em casa, jogado pelos cantos, escorando-se na cama, deixando o cabelo crescer. Crescia além de sua masculinidade, cada vez mais branca, cada vez mais magra. Com uma compleição tão delicada que – aliada a seu longo cabelo escuro – os amigos não podiam evitar de chamá-lo de andrógino. Ele não se importava.

16/05/2009

MARSHMALLOW QUEIMADO





Tenho aprendido muito com Neil Gaiman.

Estou traduzindo umas coisas dele aqui – que ainda não posso dizer o que é – e estou, como sempre, encantado com as possibilidades de criação que são dadas para o povo lá de fora.

Digo “como sempre” porque sempre me parece que nos países de língua inglesa há espaço para você fazer o que quiser fazer, e ainda ser razoavelmente bem remunerado e reconhecido por isso.

Mas pode ser besteira minha. Talvez eu pense isso porque só vejo os que se destacam dentro de uma minoria. (E eu não poderia reclamar, porque me destaco dentro de uma minoria aqui. Meus livros sobre jacarés assassinos no esgoto de São Paulo são comprados aos milhares pelo governo – vide “Mastigando Humanos @ PNBE”, que pagou as champagnes do meu aniversário - e eu estou soterrado de trabalho... O problema é que escrevo em português e ganho em reais.)



Mastigando Humanos, por Marco Tulio.

Voltando ao Gaiman, é interessante notar toda sua paixão pela literatura, pelas histórias, que parece que acabou se manifestando quase que incidentalmente nos quadrinhos. Ele é um escritor. Fez fama em comics talvez por ser o veículo mais fértil às suas idéias tresloucadas. Mas essa não é uma possibilidade oferecida aos brasileiros. Aqui, o criador não tem a alternativa dos quadrinhos (vendem menos do que literatura), nem a alternativa do cinema (pffff). Que alternativa temos? Me pego pensando que o “contador de histórias” brasileiro tem apenas a opção da televisão... E da literatura.

Talvez por isso ambas andem tão mal das pernas...



Meu "Artur Alvin" por J Lestrange.

Comecei a achar que a literatura anda mal das pernas. Comecei a achar que a literatura anda capenga. Comecei a achar que não há nada de novo sendo escrito neste país, após anos e anos glorificando minha própria geração e exaltando “como a nova literatura brasileira anda avançada”.

Anda nada.

Alexandre Matos em O Prédio, o Tédio e o Menino Cego.

Fico pensando que talvez seja culpa da TV, talvez seja culpa do cinema. Talvez seja a falta de efeitos especiais que mina a imaginação como um todo, de técnicos, diretores e roteiristas, e acabe contaminando os escritores. Onde estão os navios piratas? Ainda estamos muito condenados à realidade. Escritor brasileiro escreve sobre problemas amorosos, as contas a pagar, a violência das cidades, mas não sobre a praga de zumbis que subcutaneamente assola todos nós. Falta imaginação.

Ao menos, ninguém escreve à sério, com imaginação.

Santiago Nazarian por Jotapê Pabst/Estadão.

Já disse isso aqui, na verdade. Já falei muito sobre isso. Agora apenas constato (novamente) que é verdade. Como não podemos ser fabulosos, fabulares, formidáveis e formicidas. Como não podemos colocar explosões, nem contidas entre páginas. Como são limitadas e infantis as divisões entre literatura séria e literatura infantil. A literatura infantil não pode amadurecer e a literatura adulta está caducando. Não é preciso dizer que, entre elas, praticamente não existe literatura juvenil neste país.

Mas talvez seja apenas eu o caduco. Talvez eu esteja só ranzinza. Talvez o Brasil tenha sim, sua tradição narrativa – como todo país tem – e essa seja mais calcada na crônica do cotidiano; natural. Eu, como fantasioso antipático ao tema, talvez vá contra a corrente e tenha me sentido excluído. Mas é assim mesmo...

(Marco Tulio @ Mastigando Humanos)
Também não deixo de ser cronista do cotidiano em coisas como "Feriado de Mim Mesmo" e "Olívio". Talvez esses livros sigam bem essa tradição brasileira, ainda que involuntariamente. Não dá para escapar totalmente disso.

E preciso dizer que não li o seu livro. Tenho lido praticamente só a trabalho (o que não é pouco – considerando 4 livros que tenho para traduzir, fora os pareceres semanais para editoras). As coisas que tenho lido em juvenis têm me entusiasmado mais do que romances adultos. E tenho me inspirado muito em videogames – embora não tenha tido mesmo muito tempo para jogar. Acho muito interessante esse foco narrativo fracionário dos games- fase 1: floresta, fase 2: mar, fase 3: caverna no gelo - esses cenários arquetípicos bem definidos e separados. Tenho tentado trabalhar com isso em literatura. Pode parecer meio tolo um escritor se inspirar em videogames, mas é apenas porque esta é uma referência narrativa recente. E acho bem natural que gente que nasceu dos anos 80 pra cá, que cresceu jogando videogame, acabe incorporando isso também como um repertório a se manifestar nas letras. Lá fora isso já acontece, sem medo.
O contrário seria delicioso também, hein? Como eu gostaria de ter um jogo de "Mastigando Humanos" no meu DS. Sebastian Salto seria o chefão final.

Voltando à literatura, estou mergulhado no processo de criação do meu livro novo. Um livro de contos – sim – mas gosto de considerá-lo diferente desses livrinhos de contos que todo escritorzinho jovem publica, que tem meia dúzia de observações sobre seu cotidiano, ok? Tem uma dúzia de observações sobre meu cotidiano, mas estou me esforçando. Estou me esforçando para colocar navios piratas, zumbis, lobisomens, estou me esforçando para que seja um cotidiano enriquecido pela imaginação mais fabulosa a nos libertar.



"Lorena" de André Coelho.

Não é fácil.


O conto em que trabalho atualmente (cada conto tem me tomado meses, já que são mini novelas), por exemplo, é um conto onde todos os personagens dos outros contos do livro aparecem como crianças assando marshmallow na fogueira, contando histórias de terror que narram seus próprios pais, irmãos e professores sendo mortos violentamente.

O título para esse conto eu já tenho: “Marshmallow Queimado”. Falta desenvolver. É que você estava me detendo aqui.

Tem também um livro (assumidamente) juvenil, que a Editora anda me cobrando. Este deve sair ano que vem. Mas é quase diversão pura.

Ilustração de André Tanaka. Um dos meus presentes desta semana.

13/05/2009

LEMBRANÇAS DE VIDAS PASSADAS




Jingle - 30"


O bezerro pasta, mas é o pardal que voa triste
por não poder mamar e viver comendo alpiste
O caranguejo tem desejo de viver como um cão
Pra tomar leite contente mas não é cachorro não
O peixinho dourado não quer ser só enfeite
Quer ser livre como um gato e poder tomar seu leite
Quem não chora não mama, quem não mama quer beber
um copo, dois copos, três copos de Leite Elegê
Loc: Leite Elegê - Até quem não é mamífero gosta.


(Campanha para Leite Elegê, Agência Escala - RS, 2001. Redação: Santiago Nazarian,; Arte: Telmo Lanes & Rafael Boherer)

10/05/2009

ITS MY PARTY AND I CRY IF I WANT TO


32 anos, com corpinhode 31.

Esqueci de te convidar!

É final de semana do meu aniversário, mas não teve festa não. Na verdade era pra ser um esquenta para baladas mais peligrosas, mas baixou o anjo exterminador e a gente acabou afundando no champagne e nos drinques aqui em casa. Até porque, nessa época de gripe suína não dá para arriscar muvucagem...

Mas não adiantou. Porque o espírito de porco estava solto...



A galera malemolente.


Drinques bizarros (em copo plástico - pra eu não precisar lavar - e posso usar a desculpa do contágio.)

We are the pigs!


Fábio na pista.


A ração.





Alê, Strausser, Luis Fernando, Fábio, Marcelino.

A gripe se aproxima de Ambooleg.

Luis Fernando vai espirrar.

Saúde!


Contágio pelas vias respiratórias.

Bárbara e Ambooleg.

Saiu pau.


E fogos de artifício pra terminar.

08/05/2009

PRIMEIRA MATÉRIA DO LIVRO NOVO



Nota - em ótimo destaque - na Joyce deste mês.

07/05/2009

ENTREVISTA

Preciso me corrigir...

Acabo nunca postando os links das entrevistas que dou pela net, e muitas vezes eu mesmo me esqueço, não vejo, não confiro nem se foi ao ar e não prestigio...

Achei dia desses essa aqui, ótima, que saiu há quase um ano na revista Samizdat:

http://www.revistasamizdat.com/

Reproduzo na íntegra, porque ainda acredito em quase tudo...



Você foi um dos quatro autores brasileiros convidados para o Bogotá 39 (encontro literário que reuniu 39 escritores com menos de 39 anos, representantes da nova literatura latino-americana – denominada de boomcito). Tendo participado do grupo, você identifica uma preocupação comum entre estes vários autores? Você se sente com uma responsabilidade maior após este encontro? Como ele tem influenciado sua visão da literatura?

Santiago Nazarian: Para mim, o encontro serviu para identificar a proximidade do Brasil com a América Latina de uma maneira mais geral, não apenas literária. Aliás, 2007 foi um ano em que eu estava descobrindo a América Latina, viajando pelo continente, Chile, Argentina, Colômbia – antes disso eu conhecia muito melhor a Europa. Mas num encontro desses, com escritores de vários países vizinhos, você vê como somos muito mais próximos na questão cultural, no humor, na afetividade e até mesmo na aparência física do que com os europeus. Claro, pode parecer uma constatação óbvia, mas serve também para nos lembrar o quanto desprezamos os países vizinhos. Brasileiro viaja pra Argentina, Chile no máximo, e acha que no resto dos países são todos cucarachas. Bom, cucarachas somos todos nós. É engraçado notar também que o oposto não é verdadeiro, os outros países têm uma relação mais próxima entre eles e até mesmo com o Brasil. Um exemplo é como havia jornalistas argentinos, uruguaios, cobrindo o Bogotá 39, mas não havia nenhum jornalista brasileiro. Os jornais daqui, inclusive, ignoraram totalmente o encontro – a organização do evento, e nós escritores, oferecemos a pauta. Talvez se fosse um encontro em Paris, fosse interessante para os jornais daqui, mas um encontro de escritores latino-americanos em Bogotá... Não gerou nem notinhas. Então acho que foi isso, o evento serviu para eu me identificar como latino-americano, mas não mudou muito minha visão da literatura em si, ou da minha responsabilidade, continuo encarando a literatura como uma trilha pessoal; tenho meus temas pessoais, minha visão particular e prefiro me ver assim do que encaixado num movimento ou mesmo numa geração.

Qual é, na sua opinião, o maior desafio que o autor brasileiro tem de enfrentar?

S.N: A falta de leitores. Isso se dá por questões culturais, econômicas e sociais diversas. A falta de leitores é um mal que aflige cada vez mais a literatura mundial, mas o Brasil, como um país subdesenvolvido, sente com especial ênfase. Há também questões particulares que dificultam a difusão da literatura brasileira, como a própria barreira da língua, já que o português é tão pouco falado no mundo. Até mesmo as traduções se tornam mais difíceis, à medida em que as editoras têm menos leitores de português para avaliar as obras, traduzir, etc.

O site da revista piedepágina, edição nº 12, inclui o texto Literatura para despertar zumbis, de sua autoria. Nele, há um trecho com a seguinte frase: Talvez com a maturidade literária, eu tenha apenas me tornado realmente jovem, tenha aceitado minhas referências, meu universo, sem medo ou barreiras para expressar minha arte.Você pode falar mais sobre que influências são essas? O que é influência na sua opinião e até que ponto um escritor é influenciado?

S.N: Influência é a manifestação e transformação do repertório. Todos nós temos um vasto repertório, que incluiu literatura, música, moda, etc. Algumas vezes, informações que obtivemos em determinado momento da vida se manifestam inconscientemente na nossa arte. Já outras vezes, essas manifestações são conscientes, nos dão elementos, idéias, para nossa própria arte. Na literatura, como arte elitista, convencionou-se a desprezar a influência da cultura pop. Mas qualquer um que nasceu dos anos 60 para cá está mergulhado em cultura pop – filmes, música, TV – por mais que negue essa influência. Durante algum tempo eu tentei – conscientemente – abordar na minha literatura apenas os elementos da alta-arte, desprezar esse lado pop também, porque achava que ele poderia ralentar minha escrita. Com o tempo fui percebendo que a grande conquista poderia ser assumir essas influências e tentar trabalhá-las de uma forma genuinamente literária. Essa tem sido umas das minhas principais preocupações, em matéria de estilo de uns quatro anos para cá.

Ainda no texto Literatura para despertar zumbis, encontra-se: Talvez, a cada romance que eu escreva, bata um sino no meu inconsciente: “como posso fazer para ofender acadêmicos e perder prêmios?” Não sei desde quando – ao menos no Brasil – escritores se aproximaram mais de professores do que de artistas. Escritores se tornaram aliados das instituições. Quero ser aliado dos transgressores...Isso soa muito bem, tendo a arte como o caminho possível, dentro da civilização, para darmos um destino aos nossos impulsos transgressores, mesmo perversos... Aliás, Elizabeth Roudinesco está lançando um livro na Flip, falando sobre essa questão da perversão e da perversidade.Você concorda com essa idéia, de que a criação artística em geral, e a literária em particular, já que trabalha com palavras, é a melhor das hipóteses para dar conta dos impulsos transgressores que temos dentro de nós?

S.N.: Eu acho que a literatura, como arte de uma minoria (e para uma minoria) pode e deve tratar de questões que não são tratadas em outros lugares. E mais, por ser uma arte conteudista, não conceitual, tem o dever de se aprofundar nas discussões. Então, enquanto no campo jornalístico e no discurso demagógico se diz “criança precisa estar na escola”, no campo literário pode-se ver o outro lado da questão, o quanto o modelo de ensino atual é precário, o quanto a posição do professor é muitas vezes uma posição hipócrita, o quanto o ensino pode ser mais uma forma de exercer poder do que de gerar discussão. Isso é só um exemplo, mas um exemplo real de uma das discussões eu ofereço nos meus livros. Enquanto o discurso demagógico diz: todos os homens são iguais, o discurso literário pode dizer “não, as pessoas têm diferenças e essa sociedade não admite diferenças.” E a literatura de ficção deve se permitir ser politicamente incorreta, revelando preconceitos, perversões, porque não se pode fingir que essas coisas não existem, que não existem no mundo e que não existem na cabeça das pessoas; que uma dona de casa de meia-idade não pode querer torturar uma criança, por exemplo. Se passa na cabeça das pessoas, se passa na cabeça do escritor, precisa ser colocado no papel, porque a arte é a melhor ponte entre a vida subjetiva de cada um, talvez a única ponte entre essas vidas internas. A literatura tem de ir além da verdade oficial, da verdade permitida, a literatura tem de ir além da verdade, oferecer essa possibilidade além. Sua única barreira é a criação humana.

Sobre seu romance Mastigando Humanos: o que você tem lido, ouvido, visto sobre ele? Você mesmo diz que ele é diferente dos três anteriores. O que o motivou para essa mudança? E por que um jacaré?

O romance foi escrito com essa consciência do meu papel de “jovem escritor”. Quero dizer, enquanto jovem, eu me sinto no dever de trazer algo novo, trazer novas referências, novas estéticas. Em “Mastigando Humanos” procurei fazer isso de forma bem radical, todo o tom pop e bem humorado do livro vai nesse caminho. A escolha do jacaré foi uma escolha afetiva – já que eu sempre gostei e estudei répteis, e também por ser um pouco como eu vejo o adolescente: agressivo, com um enorme apetite, mas ainda com certa timidez, um pouco desajeitado. O livro trata basicamente da passagem da adolescência para a idade adulta. Em geral, foi bem recebido, as críticas foram melhores do que eu esperava.

Tendo em vista sua participação em sites, incluindo seu blog Amor & Hemácias, como você percebe a influência da internet no mundo literário?

É uma forma de comunicação com o leitor, com outros autores, uma forma do escritor mostrar o que está fazendo, o que tem lido, etc. Para mim, serve apenas para isso. Já é o suficiente.

Em seu blog, você fala sobre comprar ou baixar um filme para ter e rever quando quiser. O mesmo que acontece às músicas que marcam certos momentos de nossa vida. Quando você usa o verbo ter, significa ser uma espécie de co-autor com o artista? O que você pensa da obra artística depois que ela deixa as mãos de seu autor?

Não, quando eu uso o verbo “ter” eu me refiro apenas ao objeto cultural, que pode até ser um objeto virtual, no caso de uma música ou um filme. Acho que a obra nunca pertence tanto ao público quanto ao artista, e digo isso me colocando nos dois lados da questão. Como público, eu nunca me sinto tão “possuidor” de uma obra de arte, em identificação intensa com ela quanto com minha própria obra. É como eu disse anteriormente, a obra de arte - a literatura - é uma ponte entre a vida subjetiva do artista e a vida do receptor, mas essa troca sempre é limitada. Você tem a ponte, pode chegar até lá, dar uma olhada, mas não vai residir naquele castelo, entende? É uma visita turística, limitada. Pode parecer pouco, mas não é, porque a chave final estará sempre no autor. E se basta para ele, se responde às perguntas dele, é válido, responderá a perguntas diversas de várias outras pessoas.

Como é a relação com seus romances enquanto estão no rascunho? Você é verborrágico ou meticuloso? Planeja o texto todo antes ou deixa que as coisas vão acontecendo?

Verborrágico, claro. Meus romances mais recentes eu até tive certo planejamento, criei os personagens, sabia exatamente onde queria chegar, como iria terminar, mas as frases vão surgindo espontaneamente, é como uma pintura em que vou pincelando por cima. Nada é apagado.

Em seus trabalhos de tradução, nota-se que você não os faz apenas por encomenda de editoras, mas também por prazer próprio. Isso reflete uma preocupação em apresentar, no Brasil, autores estrangeiros que você julga de qualidade, mas que são ignorados por nossos editores. Diante disso, qual sua opinião sobre a política editorial brasileira?

Eu já sugeri algumas coisas para as editoras com que trabalho, já tentei emplacar algumas traduções, mas é muito raro eles aceitarem as sugestões. Achava que isso era uma limitação que eu tinha, mas recentemente vi o Paulo Henriques Britto dizendo que a Cia das Letras raramente aceitava as sugestões dele também. Então eu faço mais trabalhos por encomenda. Até porque, tenho um gosto um pouco atípico. Grande parte dos autores estrangeiros que gosto, sei que não seriam comercialmente viáveis no Brasil. É preciso saber separar, encarar com certo olhar mercadológico.

Pode nos adiantar algo sobre o enredo do seu novo romance O Prédio, o Tédio e o Menino Cego? Ele seguirá a linha psicodélica de Mastigando Humanos?

Sete meninos entrando na adolescência se apaixonam por uma professora, que é uma infanticida serial. É isso. Um pouco menos psicodélico do que o Mastigando Humanos, porque não tem toda a alegoria com animais e tal, mas ainda assim tem certa dose pop, certo humor negro, eu diria que é um romance existencialista bizarro.

Coordenador da entrevista:Carlos Alberto Barros
Perguntas feitas por:
Alian Moroz
Carlos Alberto Barros
Henry Alfred Bugalho
Marcia Szajnbok
Volmar Camargo Junior
Zulmar Lopes

05/05/2009

I WAS A TEENAGER SWINE ZOMBIE


Otto.


“Zumbis são os novos vampiros,” disse minha editora dia desses. Verdade. Ao menos para os mais realistas, que percebem que, se há uma chance de continuar após o fim, é perdendo qualquer consciência e racionalidade, entregando-se à demência de caminhar sobre a Terra apenas para aplacar a foooome. A alegoria dos vampiros só sobrevive agora para os românticos iludidos (não é à toa que a série “Crepúsculo” faz sucesso entre a petizada...). O pessoal tem sentido na carne que até as maldições não são mais assim tão mágicas...

Os zumbis estão em todos os cantos, em livros, filmes de terror, comédias, pornôs, passeatas, e em arte dita “de bom gosto”. Não que minha literatura seja, mas o livro novo também tem zumbis. E escrevi uma peça de teatro – ou melhor, queria ter escrito, então fiz em formato de conto longo, mas que pode ser adaptado – um drama existencialista com zumbis.


"30 Dias"


Nem toda obra de zumbis precisa ter necessariamente vísceras e comedores de cérebro. Considero o conceito como qualquer obra que enfoque uma epidemia contagiosa por contato físico, que animalize o ser humano. Dessa forma, “Ensaio Sobre a Cegueira” pode ser considerado um filme de zumbis. E mesmo um suposto filme de vampiro, como “Trinta Dias de Noite”, de demônios, como “Demons”, ou de doença de pele, como "Cabin Fever". A dinâmica é sempre a mesma: gente infectada que volta a estados primitivos, e gente querendo manter a civilidade, fugindo dos zumbificados.

Esses dias estava vendo “Extermínio”, do Danny Boyle, que é claramente um (ótimo) filme de zumbi (embora eles não usem essa palavra em nenhum momento do filme). (Aliás, não lembrava que o Cillian Murphy era tão pitéu...) Anyway, assisti esse filme semana passada, e estava traduzindo um livro “praticamente de zumbis”, e fui, como todos nós, inundado por essas notícias da gripe suína; daí não pude deixar de ter a impressão de que o fim estava próximo. E não pude deixar de ter a impressão de que essa gripe ainda não é nada. Ainda não é nada, mas logo será. Amanhã ou depois surgirá a epidemia que transformará todos nós em zumbis (ou isso já aconteceu?) ou uma doença como a AIDS, e que se propague num simples espirro. Não tem como não acreditar que isso possa acontecer a qualquer dia.


(E por isso nem dá pra se incomodar com as cartinhas de ameaça do SPC que passam pela minha porta todos os dias...)


(...e por isso vamos fazer uma orgia enquanto é tempo!)

Bom, depois de acompanhar essas notícias, ver esse filme, traduzir esse livro, eu vou ao supermercado numa véspera de feriado. Vejo as filas de gente desesperada para levar um engradado de cerveja pra praia... Acho que está todo mundo estocando comida. Está todo mundo estocando comida? Devo fazer minha reserva de vodca e balas de goma em formato de minhoca?

Já tenho meu estoque de Sukita Zero.

Disseram que a Virada Cultural foi a comprovação derradeira de que São Paulo já está tomada pelos zumbis. Eu não vi, não estava aqui, mas dizem que até a sessão de filmes de zumbis - que durou 24h ininterruptas, na Sala Dom José - tinha mais terror no público do que na tela. Só sei que amigos foram assaltados, outros espancados, e os que deram sorte perderam apenas a virgindade...


(Por isso vamos todos fazer uma orgia enquanto é tempo!)



Cillian Murphy... Zumbi modelo do mês... Vamos fazer uma orgia enquanto é tempo!

03/05/2009

GOTAS AO DIA



Esta semana fui ver peça ótima do Coletivo Teatro de Risco.

"Gotas ao Dia" é uma balé etéreo e sinistro de duas meninas num manicômico. Através de lembranças fragmentadas e duvidosas, sabemos um pouco do que as levou para lá. As meninas - Tatiana Passareli e Juliana Ostini - estão ótimas, e o querido Laerte Késsimos detona no papel duplo de namorado e enfermeiro.

Fica em cartaz até começo de junho, quartas e quintas, 21h, no Teatro Augusta, que é bem gostosinho e muito bem localizado. Vai lá.

NESTE SÁBADO!