06/06/2010

DAS MINORIAS AOS MILHÕES

O Estadão me pediu um texto opinativo sobre a Parada Gay de SP. Saiu neste domingo. Copio Abaixo:



A Parada do Orgulho GLBT de São Paulo é o maior evento do gênero no mundo. Estima-se que mais de 3 milhões de pessoas passaram pela última e a tendência é que o número aumente este ano. Mais de 3 milhões de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, incluindo uma parcela significativa de simpatizantes. Um evento que nasceu da busca pela cidadania, respeito e direitos iguais, mas que hoje assemelha-se a um carnaval fora de época, com sexo livre pelas ruas, consumo desenfreado de drogas e bebidas, assaltos e uma programação intensa de festas paralelas nos clubes da cidade.

E daí?

Pesquisas apontam como 10% a parcela de gays entre a população. Infelizmente ainda é esperar muito que 10% da população brasileira (ou paulistana), seja educadinha, politizada, limpinha e com a libido sob controle. Mais do que um retrato de uma classe, a parada é um retrato do povo brasileiro – e é importante que seja assim. É desejável e seria louvável se a parada fosse mais organizada, politizada, limpa e segura – mas não é esse ainda o país em que vivemos. E os gays não vivem num mundo à parte. Mais do que dar um bom exemplo, a parada está aí para dar exemplos. Ser homossexual não é prova de caráter.

Questiona-se por que a parada paulistana se tornou tão grande. Não é fácil entender? São Paulo é das maiores cidades do mundo. O brasileiro é “um povo carnavalesco”. O povo tem poucas opções de cultura e divertimento. Pronto. Já entendemos. A importância da parada hoje se dá principalmente pelo seu volume. E talvez o volume seja mais importante do que o foco . São esses milhões que podem parar a Avenida Paulista e emporcalhar as ruas. Milhões - não é um personagem coadjuvante a cada quatro novelas ou um rapazinho no fundo da classe. É importante que as pessoas vejam. É importante que os vizinhos ouçam. E se os clubes resolvem fazer festas, as empresas resolvem distribuir publicidade, qual é o mal?

Estamos no mês dos namorados. Propagandas com casaizinhos apaixonados rodam a torto na TV. Os gays não estão lá. Os gays não se reconhecem. O homossexual ainda está longe de ter sua representatividade na mídia, nas artes. Entre os artistas, só assumem os que não conseguem disfarçar. Galã não pode se assumir gay porque - diz-se - vai afastar o público feminino (ainda que a dona de casa tenha tanta chance com ele quanto com o falecido Clodovil). O adolescente que começa a se perceber diferente não se reconhece – não tem exemplos - “eu não sou afeminado,” “eu não gosto de homens musculosos.” É difícil se assumir diferente quando exemplos são só estereótipos.

Diz-se que a Parada reforça estereótipos. Bem, são 3 milhões de pessoas, a imensa maioria tão neutra fisicamente quanto qualquer imensa maioria. Natural que, entre 100 manos de bermuda e boné, uma drag queen se destaque. Natural que a imprensa prefira fotografar alguns milhares de drags e transexuais do que alguns milhões de manos. Mas quem está na parada vê o que qualquer homossexual com alguma estrada pode ver diariamente – que os gays são seus colegas, dentistas, açougueiros, professores, cobradores de ônibus e pais de família.

Pode-se alegar que hoje já não há tanto preconceito – os gays não estão sempre no Big Brother? (Já chegaram até a ganhar!) Mas a homossexualidade ainda é vista como uma coisa distante – “não na minha família!” O que é visto com simpatia na televisão ou na Avenida Paulista tem outros olhos dentro de casa – e tem olhares de ódio em outras cidades, outro contexto.

Frases de senso comum proferidas em programas de TV por pretensas simpatizantes bem-intencionadas: “Adoro os gays, mas não gostaria que meu filho fosse, porque sei que ele sofreria muito com o preconceito.” Porque não ouvimos “adoro os gordos, mas não gostaria que meu filho fosse?” Provavelmente, no meio artístico, alguém acima do peso é fruto de tanto preconceito quanto um homossexual. Mas sempre se pode emagrecer...

Os diversos exemplos servem para vencer o preconceito. Para quê? Para que não tenha tanta gente apanhando, para que não tenha tanto gay se matando; para que não tenha tanto marido fugindo de noite de casa para pegar garoto de programa na rua; enfim, para que as mães possam aceitar e educar seus filhos para serem mais limpinhos, educadinhos, saudáveis e politizados.
A palavra de ordem é “diversidade” e a Parada GLBT - com orgulho ou não - está aí para mostrar isso.


http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,minorias-aos-milhoes,562265,0.htm

MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...