TOCATA E FUGA
Não sei mais meu lugar nesta cidade.
Voltei pra São Paulo sem saber muito o que fazer. Na verdade uma velha sensação, mas que relocada agora se torna mais identificável. Cada um no seu trabalho, nas suas baladas, com seus amigos e namorados... e eu não fui convidado. Um sentimento de exclusão por eu não precisar (e me recusar) a entrar na fila, no trânsito, seguir o ritmo da cidade e pegar a bandeja para pesar na praça de alimentação.
Estava sozinho nisso também, na Barra, mas lá o povo parecia mais desocupado do que eu. E a natureza me seduzia e me masturbava...
Anyway...
Ainda não me acertei com o fuso horário daqui. Por mais que eu planeje manter a vida saudável – e dormir e acordar razoavelmente cedo – não parece fazer muito sentido. Não faz sentido sair de casa em São Paulo antes de anoitecer – a cidade é feia. E não faz sentido andar na Avenida Paulista só por andar, como quem caminha na praia. E eu ando. E encontro as pessoas no caminho e elas perguntam “para onde está indo?” e eu preciso inventar uma desculpa...
De qualquer forma, isso não era diferente em Florianópolis. Sou um andarilho num mundo de cadeirantes.
Aqui ao menos eu encontro pessoas que perguntam, e se importam. Domingo de noite, eu trancado neste apartamento, precisando sair só porque eu precisava sair, caminhar, gastar energia, você não tem disso? E do meu apartamento até a 2001 – o ponto de desculpa aonde chegar – encontrei cinco amigos. Eles não caminham, mas estavam comendo, bebendo, se anestesiando. Isso também funciona, talvez melhor do que caminhar, mas, você sabe, acaba com o corpinho.
Isso me lembrou de um americano que conheci em Copenhague, que havia acabado de se mudar para lá. Ele se perguntava o que podia fazer no dia-a-dia que não envolvesse beber ou comer. "Bem, as pessoas trabalham, estudam, se ocupam com suas vidas," disse a garçonete a ele; estávamos bebendo.
Sábado de manhã acordei cedinho, coloquei um chachachá para tocar, fiz café, fui à padaria e... fui instantaneamente sugado pelos zumbis que saíam da balada.
Pelo menos voltei para casa com croissants.
E foi isso. Nesses primeiros dias aqui, não fiz nada. Ou vivi uma batalha intensa com o tempo e o tédio – caminhando, lendo, trabalhando – tentando fazer o dia acabar.
Também vi diversos filmes, mas que não tenho muita energia para comentar... hum, talvez respirando fundo: Cisne Negro, finalmente, que gostei bem e me deixou bem mal – como Réquiem para um Sonho, também do Aronofsky – embora tenha achado meio tosca aquela parte final, com aqueles efeitos ; O Caldeirão Mágico, em DVD, animação da Disney que eu amei na infância, e nunca mais tinha revisto, agora achei meio estranha – o desenho não tem números musicais e tem um clima bastante macabro, provavelmente por isso eu tenha gostado tanto e provavelmente por isso foi dos maiores fracassos de bilheteria da Disney, de qualquer forma as partes mais pesadas foram cortadas desse relançamento em DVD; Cannibal Holocaust, um clássico do horror que eu tinha resistido de ver até agora pelas cenas reais de matança de animais (incluindo uma tartaruga gigante), e que tem algo realmente diferente, complexo e perturbador – é um suposto documentário encontrado na amazônia de uma equipe de filmagem americana que foi atacada por canibais - o filme fez seu diretor Ruggero Deodato ser preso acusado de produzir um “snuff” pelas cenas de tortura, estupro, canibalismo e crueldade com animais – e as cenas com os animais, como eu disse, são reais; e Brinquedo Assassino, isso, o primeiro filme do Chucky, comprei uma edição de luxo recheada de extras bem bacanas – revendo o filme agora é meio tosco, talvez por isso os mais recentes tenham caído de vez na comédia, mas é bem divertido, e aquele molequinho é ótimo.
Ah, o “Tocata e Fuga” veio de Fantasia, que eu também comprei e revi (um pack em DVD com os dois filmes – Fantasia e Fantasia 2000). Tem toda aquela cafonice dos estúdios Disney, mas alguns conceitos bem curiosos, como no Tocata e Fuga (de Bach) em si, que abre o filme original. O apresentador explica que o número foi pensado para guiar a sensação de se estar numa sala de concerto: primeiro se vê os músicos tocando e aos poucos a música vai sugerindo imagens abstratas, ganhando vida própria. Meu favorito ainda é o número de Ponchielli, com os hipopótamos e os jacarés. E Fantasia 2000 é um pé no saco, inclusive porque tem uma escolha bem infeliz de repertório.
Hum, repertório...
Ao menos dá pra perceber que esta cidade me traz uma carga e um conflito que andou bem distante. Há tempos que não escrevo tanto por aqui. Provavelmente foi essa minha busca a voltar, voltar para a guerra. Matar a tartaruga que me masturba e deixar de viver de fotossíntese.
Então, aproveitando, e concluindo, com tudo e nada a ver, vamos à vida cultural, vamos lá amanhã: