06/11/2012


RETRATO DO ESCRITOR ENVELHECENDO


Ninguém pode me dizer que não sou aceito pela academia. 


Ser escritor é muito pouco. E ser escritor é um pouco vergonhoso.

Quem precisa de mais uma história sobre um escritor em crise? Por que a história sobre alguém que escreve poderia ser interessante? A história de um escritor é invariavelmente a história de um perdedor, mas quais seriam as histórias dos vencedores? Paulo Coelho, Lair Ribeiro ou Augusto Cury? “O Vencedor Está Só.” Marcelo Rubens Paiva certa vez me perguntou se era uma tendência atual escrever sobre depressão. Mas se não for sobre o fracasso, o desastre, a perda, qual é a graça? A arte se alimenta da crise.

Mas estou divagando...

Ser escritor é muito pouco. E eu ainda me lembro, há uns dez anos, como eu tinha orgulho em me declarar escritor. Era uma novidade para mim mesmo, e era uma novidade. As pessoas ainda não estavam acostumadas com os “escritores jovens, tatuados”, esse foi o mote de algumas das primeiras matérias sobre mim. Nas apresentações informais, eu era visto com desconfiança. “Escritor? Já publicou algum livro?” Agora sim, agora... sete, isso, já publiquei sete (eu já começo a me perder nas contas, escrevendo o oitavo). Mas agora eu não engano, agora não sou tão jovem. As pessoas perguntam, eu digo que sou escritor, e elas acreditam sem mais perguntas. Agora não tem tanta graça.

Mergulhador ou X-man?

Se você não publicou até os trinta anos de idade, desista. Nenhuma conquista é válida depois disso. O mundo não precisa de mais um escritor tiozinho, careca, barrigudo, com peso nas costas.... E o senhor de respeito, acadêmico, pré-pós-supra-graduado não faz mais do que a obrigação em escrever, para que seus pares o leiam. O jovem escritor de sucesso é mais louvável. E mais feliz. Porque qualquer sucesso para um jovem escritor é uma conquista. Cada convite mais proveitoso, cada possibilidade mais possível. Você pode virar a noite na farra em Parati, e acordar produtivo de manhã cedo para uma mesa na FLIP. Leitores e leitoras querem dar para você não só pelos seus dotes literários. Cada palavra escrita é espontânea, toda ficção é de fato vivida. A literatura muda sua vida e isso é o suficiente para você acreditar que ela poderá mudar o mundo. Mas isso só até os trinta, mais ou menos, e olhe lá, pouco além dos vinte e oito. Se você não foi um escritor de sucesso ainda novo, só lhe resta o suicídio.

Haha. Ok, ok, estou sendo muito fatalista. Não desanime, não desanime...

Mas, bah, não leve a sério. Afinal, quem quer ser escritor?  É muito pouco ser só um, e o escritor é ainda um ser mais limitado, solitário, trancado num quarto. Era por aí que eu pretendia que o post fosse inicialmente. Acho que hoje, mais do que orgulho por ser escritor, eu tenho orgulho por também ser escritor, no meio de tantas coisas, entre tantas outras vidas. Ser só mais um escritor de respeito, senhor de idade, é pouco, não me cativa.

E pensava em tudo isso hoje de manhã, pedalando em Florianópolis, onde ser escritor não faz muito sentido. Lá eu sou mergulhador, surfista, às vezes até argentino. Ontem pedi uma caipirinha na praia, o rapaz preparou, perguntou se estava boa e eu respondi: “Está ótima, e olha que já fui barman.” E me soou como uma mentira, um passado tão remoto, uma vida ancestral, mas naquela hora eu era. Bronzeado, tatuado, cabeludo, certamente eu convencia mais como (ex) barman (e argentino) do que como escritor. E eu até já fui um barman argentino. Em Londres, tatuado, galanteador e latino, não fazia a menor diferença se minha cidade natal era Floripa, São Paulo, Buenos Aires ou Rio.


Em Helsinque, eu só pude ser latino. No máximo um genérico de argentino. Mas eu continuei sendo o escritor melancólico, já não tão jovem, trancado num apartamento. Uma coisa Feriado de Mim Mesmo abaixo de zero. Em Florianópolis eu tenho mais vida. Cumprimento a mocinha da farmácia. Corro para combinar o mergulho com o casalzinho submarino. É realmente uma outra vida, e ainda é uma vida minha, apesar de eu não morar mais lá. Nunca vou esquecer um diálogo que tive com a mocinha da peixaria, no começo do ano passado, que já publiquei aqui:

Hora do almoço, estou conversando com a mocinha da farmácia, a mocinha da peixaria me chama.
Ela: Olha, hoje trouxeram lula. Já mandei limpar pra você [porque sei que você gosta].
Eu: Dá dois quilos... E mexilhão.
Ela: Marisco? Mexilhão é gringo que chama...
Eu: O nome é mexilhão. Marisco é o genérico, todos esses moluscos de casca do mar, berbicão, vôngole...
Ela: É nada.
Eu: Tô falando, sou biólogo.
Ela: Você é biólogo? É biólogo nada!
Eu: Tá... mentira.
Ela: Você não tem cara de biólogo. Tem cara de surfista. E surfista marrento.
Eu (saboreando como elogio): Hum... Ok. Mas a coisa do marisco é verdade.

Ficou para meu folclore pessoal eterno.





Ainda engano, diz aí?

Muita gente me pergunta - você me pergunta - por que eu volto, por que eu voltei, porque não fiquei em Florianópolis para sempre. Mas é pouco, não me basta. Não posso viver só na vida de praia. E, bem ou mal, a vida em São Paulo me dá mais condições de manter uma vida esporádica por lá. O trabalho está aqui, a cultura está aqui, a grande maioria dos meus amigos está aqui. Assim tenho conseguido ir uma vez por mês, ou a cada dois meses. Chego lá e pedalo, pedalo como louco (sexta passada pedalei da Barra à armação e voltei - 6 horas seguidas). Às vezes consigo mergulhar e fazer kite surf. Sempre encontro amigos queridos, a familinha local, é uma vida paralela, enfim. Quem dera eu pudesse fazer isso com tanta frequência em Helsinque, Londres, até em Porto Alegre....

 Sábado, não de surfista marrento, mas de mergulhador lânguido. 


A próxima viagem para Floripa ficará para o reveillon. Isso, será lá, com amigos daqui, de São Paulo. Vamos juntar esses dois mundos. Antes disso tem Feira do Livro de Porto Alegre, tem Forum das Letras de Ouro Preto, coloco em breve as datas aqui. Me esforçarei para passar como escritor de respeito, ainda que bronzeado, espero. Espero que bronzeado, espero manter ao menos a cor, nessa cinza, cinza realidade...


 Em Floripa também tenho uma família e filhos. Levei de São Paulo uma abóbora debaixo do braço, dentro do avião, para entalharmos nosso Halloween. Pois é, Floripa é o tipo de lugar que você não consegue comprar nem uma abóbora para entalhar. Está explicado porque não fiquei por lá. 

NESTE SÁBADO!